Era só o que faltava
Já aqui tinha dado conta deste facto: alguns jornalistas portugueses já não passam sem esta acepção brasileira do verbo «virar»: «Danny, Derrick, Albert e Carlos. Estes quatro homens não têm casa, nem um computador portátil... mas têm um perfil na rede social Twitter. Estão habituados a ser ignorados nas ruas de Nova Iorque, onde vivem, mas agora viraram estrelas da Internet, com milhares de pessoas a seguirem os seus passos no Twitter» («Eles não têm casa... mas têm Twitter!», Nuno Cardoso, Diário de Notícias, 13.03.2011, p. 71).
Hoje encontrei outro brasileirismo, novo para mim, num excelente romance (não posso revelar, está no prelo) português: particular, no sentido de conversa reservada. Um governante português (um «líder», para todos perceberem) visitou Moçambique e fez questão de ter um particular com certo indivíduo.
[Post 4560]
15 comentários:
Conversa parece que tá virando papo, tá entendendo.
Cumpts.
Papo, papear, papiamento, em todos há conversa, tá sabendo?
Virar viram eles, mas é a língua do avesso.
Mais uma: «[PSD e CDS] até agora não desligaram a máquina que prolonga a vida ao governo. E contava com a magnânime cooperação estratégica de Belém».
E eu naquele engano de alma ledo e cego de que só se podia dizer «magnânima, magnânimo»! Mas não, à semelhança de «exânime», parece que também se costuma «magnânime». Senão, perguntai a Joana Amaral Dias, Correio da Manhã, 12.11.2011.
E, se porventura houver aqui erro ou irregularidade, nada de novo debaixo do Sol: «aquilo que parece um erro é, na verdade, uma audição do futuro», assevera-nos Esteves Cardoso, no Público, de 08.III.2011 (sim, ainda o das abóboras, tão fértil de ensinamentos!). Assim sendo, temos o futuro assegurado.
— Montexto
Esse "sol" do Montexto não deveria ser minúsculo?
@ Araújo
Conversa pode ser séria. Papo pode ser seco. Tal como falar e dizer nããão são bem bem a me'ma coisa.
Cumpts. :)
Equânime, exânime, inânime, longânime, pusilânime, unânime; nocionalmente, magnânime não está incorreto. A língua evolui e está sempre pronta para isto. Às vezes até pelo avesso. E o falar toma várias formas, dependendo de quem fala. Cumprimentemo-nos.
O Sol do Montexto é maiúsculo, novíssimos.
Senão, meditai neste sermão do Qohelet, verdadeiramente canónico entre todos (e do Cânone Ocidental, como assentou Bloom, o crítico, não o turista da Viagem à Índia: é bem de ver, mas convosco nunca se sabe... Melhor explicar tudo); meditai:
I, 3: «Que tira mais o homem de todo o seu trabalho, com que se afadiga debaixo do Sol?» (I, 3);
I, 14: «Eu vi tudo o que se passa debaixo do Sol, e eis que achei que tudo era vaidade, e aflição de espírito»;
IV, 1-3: «Eu me voltei para outras coisas, e vi as calúnias, que se passam debaixo do Sol [ainda esta manhã as tornei a ver: um clássico está sempre a ser confirmado pela vida, e é mais actual do que o periódico do dia], e as lágrimas dos inocentes, e que ninguém os consolava: nem eles podiam resistir à violência dos que os vexavam, destituídos de todo o socorro.
E louvei mais os mortos do que os vivos:
E reputei mais venturoso do que esses, e outros, ao que ainda não é nado, e que não tem visto os males, que se fazem debaixo do Sol» (versão do padre Pereira, pela qual aprenderam português Herculano e Antero).
Para minúsculo, já tendes, e chega, o walter hugo mãe.
— Montexto
Caro Paulo, queira indicar-me os textos honrados — dicionários ou literatura — que atestam a nova forma «magnânime», para eu tomar nota nos meus canhenhos.
— Mont.
Prezado Montexto, conheci o termo hoje, neste blogue.
Também achei-o estranho; não concordo com ele, por desnecessário, mas que está nocionalmente correto, está. Veja-o como sinônimo (longânime) e no pospositivo do elemento de composição 'anim(i-o)-', no Houaiss. Não censuro sua cruzada (Diex le volt) contra os 'infiéis', mas, que diabo, a cada século a língua é outra. É como o tsunami chegando: nada pode ser feito. Nossa lingua é belíssima em som, sintaxe e semântica e as novidades lexicais não a deturpam. Lembro-me de certa ocasião, em Nova Orleães, conversando com minha mulher em uma livraria, pausadamente e em tom baixo, percebi que um casal de americanos nos seguia, parecendo tentar adivinhar o que falávamos, e não suportando a curiosidade me perguntou. Ao saber que falávamos em português, demonstrou admiração e fez um comentário elogioso (o qual infelizmente não me recordo). Mas certamente sentiu-a maviosa e clara, exatamente o oposto do que você chama de bife. Desculpe-me se feri algum preceito de pureza sintática neste meu comentário, mas se assim ocorreu, são coisas da variante.
E permita-me ajudá-lo com seu SOL MAIÚSCULO:
"O Sol fez explosão nas bandas do Oriente,/
A musa evaporou-se. O mar tranquilamente/
Cantava um hino bom duma alegria enorme./
No azul religioso, esbranquiçada, informe,/
Andava como um sonho errante a Lua cheia..."
Do grande, inigualável, Guerra Junqueiro, na Introdução de 'A Morte de D. João'.
A metáfora 'azul religioso' por 'Céu', é única. Nenhum outro teve ideia tão feliz.
Muito obrigado, caro Paulo.
*
Mas continuando ainda na desinteressante ortografia:
Ele há palavrinhas levadas da breca: simples e corriqueiras na aparência, mas autênticas cascas de banana a fazer estatelar qualquer cidadão que não adopte a dúvida metódica nestas matérias. Venho agora de relancear o blogue «Da Literatura», onde se me deparou uma delas a fazer das suas mais uma vez: «13 de Março de 2011 TURNING POINT [de apreciar, também, a necessidade do título em bife; realmente nada de parecido em português] …, sem esquecer a paralização dos camionistas que começa daqui a pouco mais de doze horas, tornam a situação insustentável.»
Experimentai pedir a alguém que a escreva, e esperai-lhe pelo resultado...
Ah! e, antes de sair, ainda me chamou a atenção esta, de outro e mais melindroso género: «11 de Março de 2011 ROMAIN GARY … Aviador, resistente anti-nazi [olá, Dr. Hífen] em Londres e no Magreb, várias vezes condecorado, diplomata durante vinte anos, bon vivant, …, suicidado com um tiro na cabeça aos 66 anos…» Suicidado com um tiro?! Hum! Até morrer, aprender… Tenho de revisitar aquelas paragens.
— Montexto
Quando indaguei do "Sol" ou "sol", esperava alguma explicação sobre quando usar uma e outra forma; não apenas exemplos de quem mais a usou com maiúscula. Se não for pedir muito.
Terá sido suicidado voluntariamente ou foi obrigado?
Cumpts.
Mais precisamente, se «foi suicidado» é porque «alguém o suicidou». Estilística e criatividade moderna. Mais uma vez no coração das trevas: o horror!
— Mont.
...já para não falar das omnipresentes "dicas" que se dão a torto e a direito nas manhãs e tardes das nossas televisões.
Indo à questão do "suicidado", deve ter sido por falta de amigos que o auto-estimassem - como se lia há dias numa acta de um Conselho de Turma, onde também se fazia referência ao facto de um aluno "apenas perceber problemas de simples complexidade".
Talvez o suicidado tivesse problemas de complexa complexidade...
Enviar um comentário