1.4.11

Como se fala na rádio

Vão falando

      Na Antena Aberta, o comentador de assuntos políticos da Antena 1 Raul Vaz estava agora mesmo a falar do «day after após 5 de Junho». Isto é que é falar.
      Mas venho aqui por outro motivo. Vejam este título de hoje no Público: «Ajuda está a chegar mas é um castigo trabalhar em Fukushima» (Clara Barata, Público, 1.04.2011, p. 19). Tem a sua graça, não acham?, este uso informal do vocábulo «castigo». O Dicionário Houaiss versão electrónica (que não o outro, acabei de confirmar) regista que é, nesta acepção (actividade que se cumpre contra a vontade), regionalismo do Brasil. Doce engano. Vinde cá ouvir-nos, caros dicionaristas brasileiros, e sabereis se é mesmo vosso como afirmais.

[Post 4641]

10 comentários:

Anónimo disse...

Exacto.
Mas a do «“day after” após...» já nem é de cabo de esquadra; é simplesmente de comentador político português, e está tudo dito.
— Montexto

Venâncio disse...

São aos molhos as "especificidades brasileiras" do Houaiss correntíssimas em Portugal. Sai daqui a semanas um artigo meu, onde exponho isso e muitas mais curiosidades. Essa do "castigo" escapou-me, como escaparam decerto outras.

Depois aviso.

Anónimo disse...

Bom saber desse defeito do Houaiss.

Anónimo disse...

COMO SE ESCREVE NA UNIVERSIDADE PORTUGUESA
«“Só mais uma nota. O título, originariamente excogitado para este trabalho, depois de provisoriamente estruturada uma parte da obra, era o seguinte: intersubjectividade da prudencial fundamentação racionalizante, autonomia intencional do acto concretamente judicativo e pluridimensionalidade do hermenêutico horizonte dos problemas juridicamente relevantes - os termos e o tertium do discurso prático-analógico e dialéctico-crítico superador da tradicional impostação teorético-autista da metodonomologia. Abandonámo-lo por excessivamente prolixo e por estéticamente imprestável na sua demasiado nítida linhagem setentista, mas julgamos que talvez sintetizasse de um modo compreensivo (hoc sensu, sem excluir nenhum parâmetro relevante do problema que nos proposemos [sic] estudar), como nenhum outro, o percurso empreendido”.
Fernando José Pinto Couto de Bronze, «A metodologia entre a semelhança e a diferença, reflexão problematizante dos pólos da radical matriz analógica do discurso jurídico», Coimbra, p. 15, em linha no blogue «O Pasquim da Reacção», 15.02.2008.
*
«… julgamos que talvez sintetizasse de um modo compreensivo…», oh engano de alma ledo e cego!
É caso para dizer: «Pour lire ça, il faut que la tête se brise ou se bronze.» Literalmente, meu caro Chamfort, literalmente!
— Montexto

Anónimo disse...

Venâncio, não me deixe sem saber a sua opinião de crítico sobre estilo tão... não sei como lhe chame. Doutoral?
— Montexto

Venâncio disse...

Como já se escrevia na Universidade Portuguesa há 32 anos

«Corte, isto é, acto de ruptura e por isso mesmo também discurso de ferida ou da violência que a ruptura provoca, cada capítulo funciona, não como um degrau narrativo (no sentido de progressão funcional ou de articulado sequencial) mas fundamentalmente como o espaço da contradição que em si desenha (a fala reportada preenche o campo da escrita avolumando-lhe as proporções, não se diz através dele) oposições significantes, gradações ambivalentes, matizes de exploração da fala que, apesar de tudo, prossegue um processo de narração, isto é, as condições de produção da narrativa enquanto situação diegética integrada num campo ficcional mais vasto; por outras palavras, a descrição adquire uma função narrativa, esta reparte-se ante a emergência do acto narrativo produtor, e os capítulos, unidades de um delineamento mais que de um conto, alçam-se a uma inter-relação de preferência paradigmática onde o modelo, o exemplo, o elemento único se projecta na reverberação que lhe provocam associações por ausência e a que a subjectividade nominal assumida comunica a tensão do desejo, do projecto ou do medo.»

Excerto de MARIA ALZIRA SEIXO, recensão de Cortes de Almeida Faria, in Colóquio-Letras, 50, 1979, pp. 86-87.


Num artigo que publiquei nos Cadernos de Literatura (8, 1981), da Universidade de Coimbra, reproduzi o exacto texto em forma de poema. Lia-se lindamente.

Anónimo disse...

«Lindamente» é a palavra. Digamos que a língua chegou à Idade do Bronze.
(E acrescentemos que em tais Universidades e com tais mestres, mais uma vez «lasciate ogni speranza, voi ch’entrate».)
— Montexto

Venâncio disse...

Não só reproduzi, também comentei demoradamente o oráculo de Alzira. Mais tarde, a grande crítica deixou-se destes folguedos. Mas o mal estava feito, e ela teve dezenas de seguidores patetas, que atafulhavam as Faculdades de Letras.

Se quiser saber como um comentador novato olhava a prosa da ordem estabelecida, aqui fica:

«Da leitura literária como condicionamento», Cadernos de Literatura, nº 8 (1981), pp. 40-50

Anónimo disse...

Lembrei-me agora de quem costumava falar ou escrever assim: uns personagens de Rabelais no «Gargântua» e no «Pantagruel», talvez os sorbonícolas, também portanto universitários. Pena não ter comigo esses livros, para trasladar para aqui uma amostra! Praticamente iguais.
— Montexto

Anónimo disse...

«umas personagens» é melhor português.
- Mont.