Chega correio
Nada de eufemismos: há muitos lunáticos a escreverem para a secção de correio dos jornais e das revistas. Por vezes, porém, há textos úteis — que não são de lunáticos. O texto que transcrevo, com uma vénia à publicação e sobretudo à autora, saiu na edição de 21 de Fevereiro da Notícias Sábado e está assinado por Berta Brás: «Andar à tona, à babugem, aos caídos, à roda; mandar/ir à fava, ou à… (isso que se diz em caso de crise); atirar/lançar/mandar às malvas ou às urtigas; viajar à borla; morrer à míngua de, chegar — ou não — aos calcanhares; ir/vir à boleia, ficar à mercê… E muitas mais expressões, formadas, a sério, por verbo seguido de complemento adverbial constituído por artigo contracto por meio de crase com a preposição a e por substantivo abstracto ou concreto. Mas hoje em dia prolifera oralmente ou por escrito o aborto à séria, formado não por substantivo, mas por um adjectivo feminino, chegado dos confins da inércia educativa. Poupemos carinhosamente os meninos e meninas, que não precisam de fixar tabuadas, porque as contas fazem-se nos computadores, nem de distinguir o adjectivo do substantivo ou do verbo, deixemos este navegar pelos faze-mos que assim curti-mos a vida sem preocupação pelo correcto, repetindo à exaustão o tu dissestes ou mandastes, ou o hadem e o hades e o houveram e o diz a ela porque o pronome lhe se eclipsou, e o por aí fora dos dislates sem nome com que a própria televisão nos “favorece” a cada passo, em traduções descuidadas, ou até na oralidade precipitada daqueles cuja promoção nos cargos foi favorecida, talvez, não por concursos “a sério”, mas por processos sem seriedade, muito nossos. Mas temos tanto já com que nos preocupar, na crise em que mergulhamos, que os “pontapés” na gramática portuguesa são bem de pouca monta» («Gramática», p. 58).
A autora há-de ser a Prof.ª Berta Henriques Brás, ex-docente de Filologia Românica no Liceu Nacional de Aveiro, em Lourenço Marques e, a partir de 1976, em escolas do distrito de Lisboa, e autora de várias obras, entre elas uma síntese comentada de Os Maias e uma, Melodias do Passado, disponível em linha, aqui.
Nada de eufemismos: há muitos lunáticos a escreverem para a secção de correio dos jornais e das revistas. Por vezes, porém, há textos úteis — que não são de lunáticos. O texto que transcrevo, com uma vénia à publicação e sobretudo à autora, saiu na edição de 21 de Fevereiro da Notícias Sábado e está assinado por Berta Brás: «Andar à tona, à babugem, aos caídos, à roda; mandar/ir à fava, ou à… (isso que se diz em caso de crise); atirar/lançar/mandar às malvas ou às urtigas; viajar à borla; morrer à míngua de, chegar — ou não — aos calcanhares; ir/vir à boleia, ficar à mercê… E muitas mais expressões, formadas, a sério, por verbo seguido de complemento adverbial constituído por artigo contracto por meio de crase com a preposição a e por substantivo abstracto ou concreto. Mas hoje em dia prolifera oralmente ou por escrito o aborto à séria, formado não por substantivo, mas por um adjectivo feminino, chegado dos confins da inércia educativa. Poupemos carinhosamente os meninos e meninas, que não precisam de fixar tabuadas, porque as contas fazem-se nos computadores, nem de distinguir o adjectivo do substantivo ou do verbo, deixemos este navegar pelos faze-mos que assim curti-mos a vida sem preocupação pelo correcto, repetindo à exaustão o tu dissestes ou mandastes, ou o hadem e o hades e o houveram e o diz a ela porque o pronome lhe se eclipsou, e o por aí fora dos dislates sem nome com que a própria televisão nos “favorece” a cada passo, em traduções descuidadas, ou até na oralidade precipitada daqueles cuja promoção nos cargos foi favorecida, talvez, não por concursos “a sério”, mas por processos sem seriedade, muito nossos. Mas temos tanto já com que nos preocupar, na crise em que mergulhamos, que os “pontapés” na gramática portuguesa são bem de pouca monta» («Gramática», p. 58).
A autora há-de ser a Prof.ª Berta Henriques Brás, ex-docente de Filologia Românica no Liceu Nacional de Aveiro, em Lourenço Marques e, a partir de 1976, em escolas do distrito de Lisboa, e autora de várias obras, entre elas uma síntese comentada de Os Maias e uma, Melodias do Passado, disponível em linha, aqui.
11 comentários:
Congratulations on a site that I have very good speech
Mas os "pontapés" orais na gramática são a evolução da língua! É tão belo e emocionante assistir ao nascimento de vocábulos e regras gramaticais como ao nascimento de estrelas ou de bebés! Sem esses "pontapés" ainda estávamos a falar indo-europeu!
Apresso-me a desfazer um equívoco: nunca fui professora na Universidade de Aveiro, mas sim no Liceu Nacional de Aveiro, onde me estreei como docente. Quanto ao texto intitulado com um chocho "Gramática", na realidade o título - que tenho no blog "Por AmaisB" é "Falar "à séria"... só para rir". Agradeço muito o seu comentário.
Gosto muito deste blogue. Tenho andado renitente em colocar favoritos no meu próprio "bloguinho", mas hoje decide-me. Muito obrigada.
Cara Berta Brás
Já corrigi a informação biográfica. Agradeço muito as suas palavras. Assim houvesse mais contributos como os seus nos blogues e na imprensa.
Cordialmente,
Helder Guégués
Cara Margarida Baldaia
Muito obrigado pelas suas palavras: são um galardão e um incentivo para mim.
Cordialmente,
Helder Guégués
Caro anónimo
Sem gramática, não nos entendemos. Pontapés, sim, mas poucos e bem ensaiados.
Ayhan,
Thank you very much.
Caro Helder Guégués
O prometido é devido: o "Assim Mesmo" inaugura a lista de favoritos do meu "bloguinho". Ainda são só dois predilectos, mas há-de concordar comigo que está bem acompanhado.
Aqui fica o link: http://noivado-do-sepulcro.blogspot.com/
Cordialmente
Margarida Baldaia
Iconograficamente bem acompanhado, sim.
Hélder Guegués
Vou tentar pela 5ª ou 6ª vez fazer chegar-lhe uma mensagem: É sobre um texto de resposta a "Anónimo", que tentei, em vão, enviar para o seu blog. De toda a maneira, dou-lhe esta informação. Poderá, se quiser, ler o texto em "Por AmaisB". Quanto ao seu post sobre "estande", onde tentei comentar, também em vão, concordo com o baço "estande", em caso de aportuguesamento, mas preferiria manter o anglicismo, tal como "stop". Gosto dos seus posts.
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