19.5.09

Sobre «raid» e «musse»

Incursões



      Os desígnios dos tradutores e dos revisores também são, bastas vezes, suficientemente insondáveis. O que pode levar a optar-se, no mesmo texto, pelo anglicismo raid e pelo aportuguesamento ainda raro «musse»? «Joe Seed fez a tropa durante a guerra e tinha estado na maioria dos mais famosos raids aéreos dos bombardeiros sobre a Alemanha» (Filho de Ninguém, Michael Seed. Tradução de Mário Matos e revisão de Luís Milheiro. 3.ª ed. Lisboa: QuidNovi, 2008, p. 103). «Não comer sobremesa não era grande castigo para mim, porque só gostava da musse de morango com natas, mas… ficar sem presentes?» (p. 140) Até jornais pouco propensos a aportuguesamentos usam «raide»: «EUA admitem morte de civis nos raides no Afeganistão» (Público, 10.05.2009, p. 16). Quanto a «musse», que eu só tinha lido, até hoje, em publicações periódicas, o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora remete, no respectivo verbete, para… «mousse».
      A propósito de «raide», vale a pena transcrever o que Vasco Botelho de Amaral escreveu na obra Subtilezas, Máculas e Dificuldades da Língua Portuguesa (edição da Revista de Portugal, Lisboa, 1946): «Raid, já na guerra de 14-18, era uma incursão de trincheira a trincheira, com o objectivo de desgaste, de sondagem das posições inimigas e de obtenção de prisioneiros — diz-me um trabalho de assuntos militares. Na guerra de 39-45, porém raid não manteve essa limitação de significação, e aí tivemos “raids” aéreos e outros.
     Até se escreveu escusadamente — raide e reide. Havia pessoas que liam raide e também outras que, à francesa, proferiam “réd”! Pois, em inglês, não é raide nem réde. É — “rêid”. Ora, para evitar estas esquisitices de pronúncia, os militares e os paisanos deviam, repito, empregar carga, incursão, assalto ou ataque, dando a estas palavras a distensão que os estrangeiros não hesitam em praticar, adaptando os velhos termos bélicos aos novos aspectos da Guerra.
      A gazua, gaziva ou gazia, a campeada, a galopada são ascendentes já bem remotos dos raids dos últimos tempos e tais termos pareceriam já anacrónicos. Todavia, termos como incursão, surtida, assalto, ataque e até carga, investida deviam evitar o anglicismo raid, que nos nossos tempos ganhou um sentido lato e, em português, abusivo» (pp. 162-3).

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