8.7.10

«Dar/tirar residência»

Actualizar os clássicos


      «Señor gobernador, de muy buena gana dejáramos ir a vuesa merced, puesto que nos pesará mucho de perderle; que su ingenio y su cristiano proceder obligan a desearle; pero ya se sabe que todo gobernador está obligado, antes que se ausente de la parte donde ha gobernado, a dar primero residencia: déla vuesa merced de los diez días que ha que tiene el gobierno, y vayase a la paz de Dios» (El Ingenioso Hidalgo Don Quijote De La Mancha, Cervantes. Cap. LIII).
      Podemos perguntar-nos o que faz hoje mais sentido. A tradução dos viscondes de Castilho e de Azevedo diz: «mas é sabido que todo o governador deve, antes de se ausentar, dar primeiro residência». Daniel Augusto Gonçalves traduziu: «mas já se sabe que todo o governador está obrigado antes de se ausentar do lugar onde governou a prestar primeiro contas».
      Curiosamente, o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora regista tirar residência, «examinar o procedimento e serviço de alguém, sindicar». Só um juiz podia tirar residência, mas, no excerto do Dom Quixote, fala-se de quem tem de dar residência, neste caso, os governadores. Falta, pois, nos dicionários, esta locução. Nos dicionários de espanhol, não apenas está registada a acepção correspondente do substantivo residência, «processo ou auto formados a quem foi residenciado», como o próprio verbo residenciar: «Dito de um juiz: tomar conta a outra pessoa da conduta que observou no seu desempenho que exerceu cargo público.»

[Post 3673]

3 comentários:

Anónimo disse...

Chamou-me a atenção que as duas traduções tenham escrito "todo o governador". Não está errado, por acaso, o uso do artigo ali no meio?

Helder Guégués disse...

Não está errado, não, mas a tradição brasileira dispensa-o.

Anónimo disse...

Hummm... Eu precisava de conseguir uma gramática portuguesa de Portugal. Alguma indicação, para o caso de eu vir a encomendar pela Internet?