Sobretudo em certo tipo de textos, mais técnicos, a necessidade de neologismos é constante. Será mesmo necessidade? Lembram-se do caso daquela orientadora que exigia que dois vocábulos, igualação e igualização, estivessem dicionarizados (não que fossem usados habitualmente, reparem), sob pena de não os admitir na dissertação? Lembrei-me dela agora que estou aqui a ler que, depois de feito, um questionário é «anonimizado». O que pressupõe um verbo que, na realidade, não existe: anonimizar. Existe, isso sim, anonimar, cujo particípio é anonimado. Contudo, a terminação –izar, com carácter causativo, está correcta. Umas linhas à frente, afirma-se que «o procedimento seguido permitia assegurar não apenas a confidencialidade das respostas mas também a anonimização dos questionários». Bem, na formação de substantivos derivados de verbos (anonimizar), o pospositivo é muito usado e também está correcto, mas de tudo se colige o uso ad hoc. Há formas, mesmo que perifrásticas, de dizer o mesmo sem recorrer a neologismos, que podem sempre causar estranheza e resistências.
[Post 3843]
5 comentários:
Com efeito, em matéria de linguagem a boa regra, estribada no bom senso, mas sobretudo no bom gosto, é fugir os neologismos, só usados se absolutamente necessários. O discreto, como se dizia no século XVII, e ainda hoje nos Açores, se pecar por algum lado, seja antes por ressuscitar algum arcaísmo. Regra difícil de seguir em tempos de idolatria do novo. Seria bom não perder de vista o dito de Antonio Machado, que cito de memória: «Não basta mudar para renovar. Não basta renovar para melhorar.»
- Montexto
Eu sei que o Diário da República não é "flor que se cheire" no campo da ortografia. Mas vemos, por exemplo, na Lei n.º 12/2005, artigo 4.º, ponto 4: «O acesso a informação de saúde pode, desde que anonimizada, ser facultado para fins de investigação.»
Se é verdade que o dicionários apenas registam o verbo anonimar, nesta lei a palavra correta seria anonimada!...
A pergunta é: se uma palavra está registada no Vocabulário Ortográfico do Português (www.portaldalinguaportuguesa.org) mantém-se a classificação "negativa" de neologismo?
E já agora que dizer do "inexistente" verbo aleatorizar que tanto se usa e preferimos ao "sortear"?
Não há-de ser só por uma palavra entrar para qualquer tombo da língua - dicionário, vocabulário ou quejando - que deixa de ser tachada de neologismo. Se entrar, deve ir acompanhada dessa nota, mormente nos dicionários.
Quanto a «aleatorizar», não passa de mais uma daquelas monstruosidades do tempo e da fortuna, mas sobretudo da velha e relha audácia e forma de a ignorância «enriquecer a língua».
- Montexto
Apesar de ter sido eu a fazer a pergunta, atrevo-me a dizer que não estou certo da bondade da resposta de Montexto. Afinal todas a palavras são neologismos no sentido em que foram, um dia, criadas... A questão (já não a pergunta) será: quando é que uma palavra nova, num idioma, deixa de ser tachada de neologismo?
Se não nos basearmos nos "dicionários, vocabulários e quejandos", baseamo-nos em quê? No Montexto? Pelo que vou vendo, prefiro as fundadas opiniões de Helder Guegués.
A resposta a essa questão está respondida à saciedade por autores que se têm debruçado sobre o assunto, como Cardeal Saraiva, Silva Túlio, Cândido de Figueiredo, José Leite de Vasconcelos, Carlos Góis, Agostinho de Campos, Vasco Botelho de Amaral, I. Xavier Fernandes, etc., etc. Consultem-se as respectivas, e lá se encontrará a resposta, que não pode ser outra que a aconselhada pelo simples bom senso: um neologismo deixa de ser tomado e sentido como tal quando o povo e os bons autores o adoptam reiteradamente, até se perder e dissolver de todo o seu cariz forasteiro.
Para se escrever e falar com correcção orientamo-nos certamente por «dicionários, vocabulários e quejandos», mas também e sobretudo pela tradição e génio da língua, que se manifestam mais uma vez e sempre, pelo menos até agora, no falar do povo e nos exemplos dos autores de boa nota.
Isto é basezinha, e estar a relembrá-la é como retornar ao ABC. Mas realmente, como reconheceu André Gide, apesar de já tudo estar dito, é preciso repeti-lo constantemente porque as pessoas não ouvem.
Quanto às explicações do Sr. Helder Guégués, suponho que estejamos todos de acordo em preferi-las.
- Montexto
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