8.10.10

«Tratar-se de»

Os arrasa-pátrias


      Ontem, o revisor antibrasileiro esperneou quando leu a locução «de molde a». Quase impetrou, com o olhar (potenciado, já aqui o disse, com poderosas lentes intra-oculares), o meu apoio. Disse-lhe que não via qual era o óbice ao seu uso. Passeou os olhos pelo texto e engrolou uma desculpa: dois «de molde a» quase seguidos. Querem ver que também se está a revelar antiespanhol?! «Molde» é espanhol. Quer dizer, os Espanhóis receberam-no do catalão, e estes... Bem, chega. Mais grave do que tudo isto foi a ministra da Educação, Isabel Alçada, professora e escritora, não nos esqueçamos, ter dito ontem no Parlamento: «Tratam-se de medidas que...» (Ouviu aí em Cabeceiras de Baixo, caro Telmo Bértolo? Com mais pesar que vanglória, imagino.)

[Post 3948]

2 comentários:

Anónimo disse...

Neste caso ao famigerado revisor não deixa de lhe assistir a sua razão, suposto que por motivos e em aspecto diferente dos que presumo que ele invocará.
Com efeito, giros como «de molde a», assim como «de maneira a», «de modo a», «de forma a», «de jeito a», «de sorte a», e outros por este teor, assim como «de molde a que», «de maneira a que», «de forma a que», «de jeito a que», «de sorte a que», etc., não são português de lei,como o explicaram bastas vezes bons e pacientes caturras da igualha de V. Botelho de Amaral, e cuido que até já o imenso Epifânio na sua «Sintaxe», que se dedicam a catar solecismos e outras avarias da linguagem por amor da vernaculidade, propriedade ou mera e rasteira correcção (valores já agora, e a bem dizer, mitológicos no português hodierno), sempre com muita indiferença, quando não gáudio, das pessoas perfeitamente em dia com o derradeiro grito importado, dantes do francês, quais as expressões acima denunciadas, ultimamente do inglês (sempre estas línguas fatais!).
Português é - ou pelo menos era, porque em verdade e bom rigor em português hoje vale e passa quase tudo - português é «de maneira que», «de modo que», «de forma que», «de jeito que», «de sorte que», etc., e enfim «de molde que», ou, como escreveu inúmeras vezes Camilo, «de molde e talho que».
Sim, eu sei, já ninguém se lembra disto... É mais um contrabando que passou, entre muitos, e logo foi granjeando foros de cidade, como é apanágio dos adventícios de toda a casta e feitio, nem consta que a enxurrada esteja para se estancar.
- Montexto

Anónimo disse...

Enfim, para edificação do tal revisor acrescente-se a lição de Mário Barreto (Fatos da Língua Portuguesa, 3.ª ed., cap. VIII, p. 119): «Camilo usa muito a locução "vir de molde": "E aqui vem de molde avisar o leitor de que ..." ("O retrato de Ricardina", cap. XX, p. 206). - "Aqui vem de molde repetir as palavras..." ("A queda de um anjo", cap. XI, p. 87)», etc., etc.
»A expressão "vir de molde" é tomada da fundição de metais e aplica-se às coisa que se ajustam e acomodam perfeitamente entre si, à maneira que o metal derretido enche as cavidades e toma a figura do molde em que se infunde.»
- Montexto