11.12.10

Como se escreve nos jornais

Outra vez não!


      A Fundação José Saramago realizou ontem na Biblioteca Municipal do Palácio Galveias uma sessão comemorativa dos 12 anos da atribuição do Prémio Nobel da Literatura a José Saramago. Até aqui, tudo normal. E quem esteve presente? O Diário de Notícias conta: «A iniciativa da Fundação José Saramago contará com a presença da mulher do escritor e presidenta da instituição, bem como de vários amigos que o autor convidou então para estarem presentes na entrega do Nobel em Estocolmo. A sessão terá início pelas 18.30, na Biblioteca Municipal do Palácio Galveias» («Fundação evoca prémio a Saramago», Diário de Notícias, 10.12.2010, p. 45).
      Um escritor quer que lhe escrevam o nome com minúsculas, e a imprensa escreve. O presidente de uma fundação, por acaso mulher, quer que a designem por «presidenta», e a imprensa, genuflecta, obedece. Aonde é que isto vai parar? Onde estão o discernimento, o critério, a independência?

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11 comentários:

Venâncio disse...

Pilar del Río tem um futuro pela frente e pode realizar obra utilíssima.

Mas nenhum jornalista em seu perfeito juízo deve mudar "a pedido" uma norma que - como o Helder expunha em 2008 - é lógica e é pacífica.

Francisco Agarez disse...

Penso que o problema se resolveria facilmente a favor da senhora genuflectora e dos jornalistas genuflectos com uma grafia em itálico, dado que se trata de uma palavra estrangeira, para os genuflectos e seus leitores que não para a genuflectora e suas ideias mirabolantes. Ou então com um esforço de esclarecimento da estimável senhora sobre a formação das palavras portuguesas resultantes do gerúndio de certos verbos de raiz latina. Até para que não tenha de se apresentar como "doenta" ou "pacienta" num qualquer centro de saúde deste lado da fronteira. Se ela não aceitasse recuar na sua obsessão com o tratamento "incongruento" seria sinal de que é "insolenta", e nisso eu não acredito. Como não acredito que a imprensa genuflecta ficasse "indiferenta" a tal atitude.

Anónimo disse...

Infelizmente, o Dicionário Priberam já acolhe o vocábulo. Outros não quererão ficar atrás.

Anónimo disse...

Hélder, há na língua portuguesa, ao invés do que se passa noutras, por exemplo no francês, uma grande tendência para formar variantes femininas dos nomes de coisas, por vezes com algum matiz ou mudança de sentido, e também cargos e profissões. Por exemplo, saco, saca, poço, poça, bolso, bolsa, pote, pota, panelo, panela, púcaro, púcara, professor, professora, juiz e, já, juíza, etc., etc. Tal facto já foi assunto de estudo não me lembra agora precisamente por quem, mas quase de certeza por V. Botelho de Amaral ou I. Xavier Fernandes. Não posso verificar porque não tenho as suas obras comigo, excepto a já citada do último em temas anteriores.
Ainda assim, e à falta de melhor (mas em questões destas não há melhor), deixo aqui a opinião autorizada de Mário Barreto, nos já também aqui mais que muito citados «Fatos da Língua Portuguesa», obra de 1916, cap. XVI, intitulado «Breves anotações a trechos do respeitável clássico Frei Luís de Sousa», § IX:
«”…, nomeando-lhes o provincial por vigária e ‘presidente’, até fazerem sua eleição, a Madre Dona Joana da Silva.” (“Hist. de S. Dom.” P. 3.ª L. 1.º C.3.º).
»O famigerado cronista da ordem dominicana empregou a palavra “presidente” como comum aos dois géneros. Hoje por analogia com os biformes em “o, a”, dá-se a forma feminina com a desinência “a” a alguns desses vocábulos primitivamente uniformes terminados em “nte”, em sua maioria derivados verbais, particípios activos que fazem de nomes e adjectivos. Assim é que “infante” e “parente”, que eram invariáveis, admitem hoje as formas “infanta” e “parenta”. Quanto a “presidente”, que o frade de Benfica empregou como comum, outro esmerado escritor português, A. F. de Castilho, trá-lo como variável, mudando-lhe o “e” por “a” na formação do feminino. No “Novo Dic.” de Cândido de Figueiredo, 2.ª ed., já se consigna a terminação feminina de “presidente”: o termo vem assinalado com asterisco, o que quer dizer que ainda não corria autorizado pelos dicionaristas portugueses, e cita-se um exemplo que eu já citara nos “Novos Estudos” (Rio, 1911), em que o Castilho concedeu terminação feminina ao nome em questão, estampando “presidenta” a páginas 128 das “Sabichonas”.
»”Presidenta” – define o sr. Figueiredo – mulher que preside, mulher de um presidente. Dissentimos em que a uma senhora se lhe chame “presidenta” por seu esposo exercer a presidência de uma instituição. Em nosso país, quando a esposa do Presidente da República concorre a uma festa, ninguém diz: assistiu a “Presidenta”, mas sim a esposa do senhor Presidente da República.
»”Presidenta” é toda mulher que preside, seja ou não casada e seja ou não presidente o seu esposo.
»Na língua jocosa, é que de nomes de cargos sói derivar-se um feminino para designar a mulher do que o desempenha, como “almiranta, generala, coronela, delegada”…»
- Montexto

Francisco Agarez disse...

Peço desculpa de insistir, mas presidente é aquele ou aquela que preside a alguma coisa, como estudante é aquele ou aquela que estuda alguma coisa, ou ignorante é aquele ou aquela que ignora alguma coisa. Não vejo por que razão se hão-de perder de vista os raciocínios elementares que explicam situações igualmente elementares. Sob pena de, um dia destes, termos de passar a tratar o Senhor Filipe Vieira por "Presidento" do Benfica!

Anónimo disse...

Ou ao Nelson Évora como grande atleto português!

Anónimo disse...

Vocês acaso não aceitam "parenta"? Se lá formos consultar os clássicos, não a encontraremos em Camilo e outros de igual quilate? Qual a lógica para aceitar "parenta" e abominar "presidenta"?

Francisco Agarez disse...

Pôr as coisas em termos de aceitar "parenta" e abominar "presidenta", como faz este anónimo (embirro "dialogar" com anónimos, mas paciência!) talvez seja uma possibilidade, mas pouco frutuosa. Direi apenas que gosto de pensar que há na linguagem, mormente na escrita, uma razão de ser para as formulações usadas. Neste caso, a única razão que o anónimo dá para se aceitar "presidenta" é que "Camilo e outros de igual quilate" usaram "parenta". "Igual quilate" é guarda-chuva de muitas varas, meu caro anónimo. Anónimo por anónimo prefiro o nosso Montexto, que é um anónimo mas não é. Lembra-me as minhas cada vez mais frequentes idas à farmácia, quando me perguntam se tenho preferência de marca do genérico. No caso vertente, como em tantos outros, Montexto ilumina os diálogos com erudição e profundidade. Assim sim, vale a pena.

Helder Guégués disse...

Aliás, nem sequer aceitamos «parenta»: sabemos, como o anónimo também sabe, que existe e foi usado, e sabemos até por quem. Contudo, o cerne da questão é que não devemos (e ainda menos a pedido) forçar analogias onde elas não são precisas.

Venâncio disse...

A propósito de castelhano, e para mostrar que, por vezes, nos saímos bem, refiro uma fala de Mourinho, em conferência de imprensa em Madrid, referindo-se a certo árbitro dinamarquês, agora reformado,

«que nadie echará de menos»

o que o Jornal da Noite da SIC traduziu excelentemente por

«que não deixará saudades».

Parabéns.

Anónimo disse...

Claro que a língua não se deve alterar a pedido de quem quer que seja: tais questões não consentem se faça aceitação de pessoas. Mas neste caso quem pede é a índole e génio da língua, que dificilmente se deixa empecer pelas opiniões, preferências e gostos de cada um em particular. Já sabem: «chassez le naturel, il revient au galop.»
- Montexto