23.12.10

Verbo «colocar»

Compulsivamente


      «“Chegou a casa, seco, sem o computador e com muita fome.” Foi assim que Igor, o jovem de 14 anos de Rio de Mouro, Sintra, que se encontrava desaparecido há uma semana, colocou um ponto final no desespero dos seus pais, que até e-mails enviaram para o gabinete do primeiro-ministro, José Sócrates, solicitando ajuda» («PJ esteve em contacto com jovem desaparecido que regressou ontem», Carlos Rodrigues Lima, Diário de Notícias, 23.12.2010, p. 23).
      Caro Carlos Rodrigues Lima, então agora já não se diz nem se escreve «pôr um ponto final»? E aí na redacção ninguém sabia?

[Post 4218]

5 comentários:

Anónimo disse...

«Colocar» e «meter» andam cada vez mais na boca do mundo em vez de «pôr», que está a perder terreno a olhos vistos. Até na tropa já só se «metem» em sentido, porém com grande falta dele.
- Montexto

Anónimo disse...

Cont.
«Meta-se em sentido, sua abécula!», farta-se o instrutor de berrar aos recrutas. E boas abéculas, realmente, mas a maior não é a que se «mete».

E «colocar» é tão videirinho que tem usurpado igualmente as funções de «fazer» e «propor, levantar, suscitar» no sentido de «fazer perguntas» e «propor, levantar, suscitar questões».

Contra estes e outros abusos pronunciou-se Francisco Belard na revista Ler, Set. de 2010, p. 75. Alguns passos: «Os “media” pouco ajudam. Um disparate na TV pode ter mais força do que bons exemplos em aulas. Como converter o círculo vicioso em virtuoso? Que cada um comece pela sua área de actividade. A comunicação em geral e as editoras deviam ter revisores qualificados, mesmo sem estatuto de “copy desk”, que emendassem erros graves. Já tiveram, mas evitam-nos hoje, quando fariam ainda mais falta. Directores e editores deviam ser competentes e exigentes quanto à escrita, mas por vezes quem faz ou aprova os próprios títulos de notícias sabe menos do que quem as redigiu. Na escolha dos redactores devia pesar a fluência da língua em que trabalham, mais do que rudimentos de sociologia [...]. Substituídos (?) por correctores ortográficos, instalados informaticamente (um equívoco, pois o problema de base está na grafia) [bem certo], o revisor e o “desk” prendem-se com minúcias como proibir Dakar ou Amsterdão (que não é erro) ou pôr Iorque em vez de York. Nisso são implacáveis.
Enfim, diz que o incomodam casos como «do» por «de o», o mau uso do verbo haver, a ignorância das regências, maus exemplos como «um dos que disse isto foi X», «a presença militar de tropas do Reino Unido», «a França enviará 200 tropas», e, para terminar por onde começámos, «colocar questões (“poser questions”).
Merece lido.
— Montexto

Anónimo disse...

Montexto, olhe o "meter" também anda a ser vítima de perseguição! Há uns tempo li que o diploma tinha sido colocado na gaveta, à espera de aprovação! Qualquer dia já não dizem que o Soares meteu o socialismo na gaveta, dizem que o colocou.

Anónimo disse...

Cuido que também já ouvi essa heresia. «Meter» merece perseguido, mas nesse caso não em favor de «colocar», claro.
Eu bem me esforço por seguir a máxima estóica e horaciana do «nihil admirari», mas não consigo, e já sei que nunca hei-de conseguir. Resigno-me a viver num espanto perpétuo. Há destinos assim...
- Montexto

Venâncio disse...

Venham muitos espantos dos seus, Montexto!