Grosserias
«Daí também que a região onde os Mouros se estabeleceram tenha ficado conhecida como a região saloia. E apesar de não ser muito clara nem bem delimitada, esta zona abarca por tradição, e grosso modo, Mafra, Sintra e Loures» (Mafalda Lopes da Costa, Lugares Comuns, Antena 1, 30.03.2011).
A pronúncia da expressão latina grosso modo é a peculiar do latim: /gròsso mòdo/. Se Mafalda Lopes da Costa ou quem quer que seja pretender falar em português, usará, para dizer o mesmo, «aproximadamente», «mais coisa, menos coisa», etc. Bem sei que no Prontuário Sonoro se pronuncia como a jornalista o fez. Na desgraça é sempre bom não estarmos sós, dizem os egoístas.
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13 comentários:
Ou «em confuso e por maior», como escreveu padre Manuel Bernardes.
— Montexto
Já há quem aportuguese a expressão para "a grosso modo".
O tal Prontuário é uma boa ideia, mas tem algumas falhas. Na lista de erros não figura, por exemplo, «graus centígrados» (incorrecto) em vez de «graus Celsius» (correcto), e muitos jornalistas continuam a escorregar. Outro exemplo: considera-se a expressão «à última da hora» errada, assunto já abordado neste blogue e que motivou opiniões diversas.
RS
A lista de «correcção» tem muito que se lhe diga...
http://www.rtp.pt/prontuariosonoro/disparates.php
Não sei que mal lhes fez o «estratega», que querem por força transformar em «estratego». Qualquer dia temos aí o poeto, o atleto e o estafeto...
«Raia» que os «parto».
Também não sei por que se pegaram com A «Opus Dei» - a obra de Deus.
«Venite et videte opera Domini» - assim reza o salmo: «Vinde e vede as obras do Senhor».
«Quousque tandem...?»
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Ora eu, caro Eduardo, antes me inclinaria a crer que é exactamente ao contrário do que diz, e portanto que a forma primeira e correcta é «estratego», e não «estratega», que se deverá a calinada moderna, ou, quando muito e indo às do cabo, será tolerável como feminino de «estratego».
Com efeito, sempre me ensinaram, aprendi e li que a forma correcta era «estratego», e a errada «estratega».
E isto mesmo continua a expor José Neves Henrique no Ciberdúvidas, resposta «Minas antipessoais»: «Para além de que não é argumento aceitável essa do “arranhar os ouvidos”... É a força do uso do erro: de tão repetido (até nas enciclopédias, não seria a primeira vez...), a versão correcta “até soa mal”... (Por exemplo: como ex-militar, por certo habituou-se a ouvir, e a dizer “estratega”, e a ver até, já, dicionarizado o barbarismo — e, no entanto, é “estratego” a palavra correcta... Acaso o vocabulário mais técnico não tem de se sujeitar às regras elementares da gramática?»
(«Para além de que não é argumento…» Não, caro José, «para» não está ali a fazer nada, é mais uma das muitas tolices hodiernas. Basta «além de que não é argumento…», que já nos entendemos perfeitamente. Se até já D’Silvas Filho advertiu nisto…)
Outrossim, o Aulete Digital só conhece «estratego», do grego strategós, ou.
Na Wikipédia pode ler-se um texto sobre «estratego», e não «estratega», «do grego strategós, pl. strategói… No exército helénico moderno, “stratigós” é a mais alta patente oficial».
O próprio Dicionário Online de Português só define «estratego».
Não disponho agora de mais dicionários, mas apostava dobrado contra singelo que nos mais antigos só toparemos «estratego», e não também «estratega».
Só os mais frescos, na acepção 15 do «Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa», 2001, é que começam a registar também a forma «estratega», e nem estes se abalançam a registar somente a forma «estratega»; registam, sim, ambas as formas.
Estão neste caso o mencionado dicionário da Academia (mas nem admira em académicos que ficaram a «azurrar» desde o séc. XVIII até ao séc. XX — lembre-se o dito de Herculano), o Priberam e a Infopédia em linha. Esta última encampa «estratega» como feminino de «estratego», mas regista também «estratega» como «nome 2 gén.», ou seja: uma salgalhada.
Enfim, lembro-me de ter visto a questão tocada em vários lugares, sempre no sentido de Neves Henriques e do referido Prontuário Sonoro. Mas é uma tendência sempre confirmada: realmente os novíssimos não querem «sujeitar o vocabulário mais técnico às regras elementares da gramática».
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Alguns dizem o «Opus Dei», caro Eduardo (parece que também o género usado pelos Espanhóis), assim como, por exemplo, o opus 125 de Beethoven, porque me consta que opus é latim, e em latim pertence ao género neutro, e as vozes deste passaram em geral ao português como do género masculino, ainda que não neste caso. Mas aqui também há matizes que não sei se Regina Rocha terá distinguido bem no Ciberdúvidas, «A organização católica Opus Dei em português é feminina».
— Montexto
No Houaiss, para complementar a relação do Montexto, somente "estratego". No Aurélio 3.ª edição, também.
Caro Montexto:
realmente, «opus» em latim é de género neutro e é igualmente verdade que transitaram quase todos para masculino, mas tenha-se em atenção que a forma que transitou foi a do acusativo, não a do nominativo.
Ora o acusativo de «opus» é «operam», de onde derivam «ópera» (via erudita) e «obra» (via popular).
A desinência «-us» do nominativo induz em erro,levando a que se pense que se trata de um masculino.
Concedo em que o uso possa ter consagrado «o opus [n.º 5 de Tchaikovski]» - que lhe hei-de fazer?
A meu ver é (ou devia ser) «a opus [n.º 5, etc.]»
Quanto a «estratego», terá V. razão. O sarro de décadas de uso incorrecto forma estas crostas de convicção. Certo é que não me lembro de ter ouvido ou lido nunca (até recentemente) a forma «estratego».
Faça-se em mim segundo o rodapé do blogue.
Sobre estratega/estratego, vejam aqui.
Ainda não cheguei a esse mês do blogue (continuo em Março de 2007). Mas não há necessidade de contornar o que quer que seja; arroste-se a questão, tanto mais que é simples, e peguem-se os bois pelos cornos (já que aos «boys» não há pegá-los»). Escreva-se «estratego», e os dicionários tenham vergonha na ... nas páginas.
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Quanto a «opus», questão mais que assente, excepto para a discussão dos tais 5 minutos do velho Cândido de Fig. Ouçam-se os do Ciberdúviadas e Joosé Mário Costa:
«A)
[Resposta] “Opus Dei” - a Obra de Deus. "Opus" é do género neutro em latim que deriva para português para o masculino. Dever-se-á então dizer “o” e não "a" Opus Dei.
J.C. :: 01/03/1997
O Opus Dei, a Obra de Deus
M.R.R./J.M.C.
B)
A propósito da estreia mundial do filme “O Código da Vinci”, voltou a ouvir-se a troca do gé[ê]nero do nome “Opus Dei”. É “o” Opus Dei, e não “a” Opus Dei. Preferindo-se em português, então, sim, é “a” Obra de Deus.
18/06/2006
(cont.)
- Mont.
C)
O Opus Dei, os CTT, o Montepio e os clubes com o nome no feminino
José Mário Costa
O termo “opus” é masculino pelas razões aduzidas em anteriormente (cf. O Opus Dei), confirmadas em qualquer dicionário de Português (por exemplo, no Houaiss ou no da Academia das Ciências de Lisboa) e reconhecidas em qualquer dos outros dois textos desta controvérsia.
Acontece, porém, que é legítima a dúvida, pois há alguma discricionariedade na atribuição do gé[ê]nero a entidades de seres não sexuados (ex.: mar em português é masculino e em francês é feminino...). Em português foi assim porém que se deu a passagem do neutro latino. E é por isso que deve ser «o opus magnum», como reconhecem Pedro Múrias e Regina Rocha, que acrescenta ainda o exemplo clássico da música sinfónica.
A divergência começa exa(c)tamente aqui.
Primeira contradição: como explicar que não se condescenda – e bem, na minha opinião – que se possa dizer “a” opus magnum ou “a” “opus 125 de Beethoven”, e advogue-se o contrário para “Opus Dei”?
Se o subentendido “(a) congregação” (ou “(a)instituição”, ou “organização católica”) “1 autoriza que se diga no feminino “Opus Dei”, qual a lógica de não se aceitar o mesmo para “opus magnum” (“a obra maior”) ou “opus 125”?
Não há lógica nenhuma, a lógica é o emprego do masculino sempre que usemos os nomes latinos: “o opus magnum”, “o Opus Dei1”, “o Opus Ensemble”.
Se preferirmos os nomes em português – Obra de Deus, obra maior ou obra principal –, então, sim, devemos usar o gé[ê]nero correspondente na nossa língua: “a” Obra de Deus, “a” obra maior, “a” obra principal.
Terceira contradição (esta circunscrita à argumentação de Pedro Múrias: que regra é essa que impõe o gé[ê]nero feminino à (empresa) Jerónimo Martins, no exemplo dado, e já não o impõe noutros casos [por exemplo, com a empresa de nome CTT (“os” CTT) ou com uma instituição mutualista como “o” Montepio Geral]? A explicação da dr.ª Regina Rocha afigura-se-me suficientemente esclarecedora.
E porque é que, quanto aos nomes dos clubes de futebol, é «hipercorrecção» preferir “a” União de Leiria em vez de “o” União de Leiria, e já não o é em relação aos também clubes Académica de Coimbra ou Portuguesa dos Desportos de São Paulo (ditos e escritos, sempre, “a” Académica e “a” Portuguesa dos Desportos)?
Resposta: porque não é o que está “implícito” “«junto ao nome próprio» (empresa clube, congregação, etc.) a determinar o artigo no feminino ou no masculino – mas a forma como esses nomes foram constituídos.
São os casos citados no texto da dr.ª Regina Rocha, assim como os referidos nas respostas anteriores. Alguns deles: União Desportiva de Leiria = a União de Leiria; Associação Naval 1.º de Maio = a Naval; Associação Académica de Coimbra = a Académica; Associação Portuguesa de Desportos = a Portuguesa de Desportos; mas: o União da Madeira, porque o substantivo “clube” faz parte do respe(c)tivo nome oficial, Clube Futebol União.
Finalmente: e Ciberdúvidas – será assim tão seguro que deva ser o Ciberdúvidas? Porque é um sitio/”site” na Internet? Mas também podemos chamar-lhe página. Sendo página, nessa mesma lógica do que fica implícito, seria então também aceitável a Ciberdúvidas... E não podendo – ou melhor: não devendo – ser “as” Ciberdúvidas (uma vez que Ciberdúvidas não se reduz às cujas ditas sobre a Língua Portuguesa), não será preferível o gé[ê]nero neutro? O tempo – e o uso generalizado do/de Ciberdúvidas – di-lo-ão...
1) «Prelatura» ou «prelazia», mais apropriadamente, conforme a nomenclatura oficial
2) O Opus Dei é assim, no masculino, que escreve o próprio Opus Dei
05/06/2006
Sobre o Autor
Responsável editorial do Ciberdúvidas.»
- Mont.
Só para chover no molhado: «Estratego, s. Do grego stratégos, “Chefe de exército, general; em Atenas, estratego, espécie de ministro da guerra ou de chefe militar e civil das ligas acaica e etólica; alto funcionário nas cidades da Ásia Menor; em Roma, cônsul; magistrado das colónias romanas; oficial da guarda do templo de Jerusalém; prefeito de polícia, no Egipto». Em 1873, D. V.»: regista José Pedro Machado no seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, Livros Horizonte, 2003, 8.ª ed., vol. II, p. 492-493. De «estratega» nem rasto; ficou reservado à inventiva dos «novíssimos».
— Montexto
Quem sou eu para discutir tantas e tão boas autoridades, caro Montexto?
Mas custa-me mais discordar de Catão (De Agri Cultura): «haec opus»; de Cícero (De Senectute): «illam operam»; de Plauto (Casina): «hanc opus»; de Terêncio e Virgílio: «operam illam».
Que o bom do director do serviço «Ciberdúvidas» me perdoe por me inclinar mais para estes, no que ao latim concerne.
Cito ainda o meu velhinho «Diccionario Latino-Portuguez», herdado de meu Pai, que o usara nos seus tempos de seminarista. Na definição de «futere» (curiosidades da juventude...), lá consta com eclesiástica subtileza: «Veneream operam dare».
Quer isto dizer que «opus» só pode ser feminino? Claro que não. Parece haver alguma hesitação - em particular no latim medieval - quanto ao género, já que «opus magnum» co-ocorre com «opus magna», quase com a mesma frequência.
Que os membros da «Prelatura da Santa Cruz e Opus Dei» se refiram à própria como «O Opus Dei», é um facto. Mas alguém argumentava a propósito de os militares dizerem sempre «o estratega» que, às vezes, os «de dentro» também podiam estar errados. Poderá este ser também um caso desses? Não sei.
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