Língua operática¹
Vasco Graça Moura e João Botelho estrearam na semana passada uma ópera, Banksters, no São Carlos. Os excertos da ópera surpreenderam-me. Ópera em português! Disse a determinada altura João Botelho no programa Câmara Clara: «A língua portuguesa é cantábile.» Cantábile ou cantante, ou seja, próprio para canto. O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa regista somente o substantivo «cantabile», movimento não tão lento como o adágio. O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, embora registe «cantabile» como adjectivo, é referente ao andamento menos lento que o adágio. Para os responsáveis destes dois dicionários: se registam «adágio» e não «adagio» para o trecho musical lento, porque não optam pelo aportuguesamento «cantábile»?
[Post 4624]
¹ Estive tentado a escrever «operística», mas temi que o revisor antibrasileiro me lesse. Lembram-se do «clubístico»?
9 comentários:
E por que não «cantável»?
Mas já que se usam assumidamente - e por convenção da arte - termos italianos para designar os andamentos (e não só) na pauta, para quê o aportuguesamento?
Também lá temos o «sforzando» o «piú mosso» e o «piano» - e não consta que haja muita chatice por causa disso.
Já agora, no bailado (ia dizer ballet, mas arrependi-me) ninguém pensa em substituir «pas de deux» ou «plié» por outra coisa qualquer. Alguma coisa terá de escapar ao longo braço da lei. Aceite-se.
Sim, eu também vi o tal programa. E aquele «cantabile» não se me engoliu. «Cantável» era o que eu estava à espera de ouvir, mas não. O homem cuido que inda hesitou... Realmente, o que me parece é que em português se empregará «cantabile» só referido a certo andamento musical, e não propriamente ao canto, que se basta com «cantável».
Quanto ao mais, aportuguesar é ou devia ser a regra. E, nem por ser difícil ou até impossível nuns casos (os moderníssimos aproveitavam já para entressachar um «nem pelo facto de ser difícil...»: gostam de complicar o que é simples e até corriqueiro), se deve deixar de o fazer noutros mais conversáveis.
— Montexto
Eu também esperava que o cineasta fosse dizer cantável, tanto mais que estava a exalçar as qualidades da língua portuguesa. Mas não foi isso que ele disse. Disse cantábile, e na acepção de que falamos, e assim grafada, está registada no Houaiss.
Não sei que mais lhe diga, Helder. As forças da «evolução» e do «progresso» não descansam quais bichos-carpinteiros! E roem, roem...
— Mont.
Confesso que tresli o seu artigo inicial, caro Hélder.
Só agora percebi que o homem quis armar ao fino.
«Cantante» (ou talvez até «canora») teria sido preferível.
Ao nível da música erudita, o italiano é (goste-se ou não) a língua franca. No contexto específico da anotação na pauta ou do ensaio, é não só convencional como absolutamente necessário, em particular quando os intérpretes são oriundos de diferentes geografias. É só neste sentido que «defendo» a manutenção das indicações em italiano.
Sobre «cantável» diz-me:
• o Aulete Dig.: «que se pode cantar»;
• a Infopédia: «1. que se pode cantar, 2. que se adapta ao canto»;
• o Priberam: «que pode cantar-se»;
• o Dic. Online de Portug.: «— que se adapta ao canto, — que pode ser cantado.»
Donde por bom discurso se colhe que lá o homem podia ter dito «cantabile», «cantante» e «canora», nanja «cantável». Tome-se nota, para não esquecer.
— Mont.
Na acepção 2 da infopédia e na primeira do dic. Online, pode dizer-se que a língua portuguesa é cantável.
Uf!
— Montexto
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