26.2.11

Ortografia: «braço-direito»

Taras

      «E o que levou a tanta revolta? O Governo acabava de anunciar que daqui a dias a velocidade máxima nas auto-estradas espanholas passará de 120 km/h para 110. Julgando que só o dinheiro motivaria os cidadãos, o ministro Pérez Rubalcaba (o braço direito de Zapatero) adiantou a poupança a que levaria a diminuição da velocidade: menos 18 milhões de barris de petróleo importados por ano» («“Não mexam nos meus pedais!”», Ferreira Fernandes, Diário de Notícias, 26.02.2011, p. 72).
      Há quem dê nome a partes do corpo (normalmente os homens em relação ao seu membro viril). Neste caso, é Zapatero que ao seu braço direito chama ministro Pérez Rubalcaba. Taras... Já vimos esta questão mais de uma vez: aqui, aqui e aqui.
      Também tenho dúvidas sobre a localização de um gerúndio na crónica de Ferreira Fernandes: «Mas isso sendo despesas públicas, e pouco interessando, logo ele passou para as vantagens pessoais de cada condutor: poupança de 11% no consumo de gasóleo e de 15% de gasolina (parece que a máxima eficiência energética dos automóveis é à volta dos 90 km/h, a partir daí havendo cada vez maior desperdício)» (Idem, ibidem). Não seria melhor escrever «havendo a partir daí cada vez maior desperdício»?

[Post 4493]

10 comentários:

Anónimo disse...

Sem dúvida que soaria melhor, e já só por isso seria preferível. Mas também me parece que o elastério da colocação em português permite essa variante menos sólita, sem que propriamente se possa tachar de erro ou irregularidade.
(Ainda haverá quem se lembre de que «a partir de» é um galicismo? Acho que Camilo nunca o usou... No caso podia substituir-se por «desde aí, desde então».)
— Montexto

Venâncio disse...

Camilo não usou, e Eça também não.
Encontro em Fialho de Almeida as primeiras duas, e nele só duas, ocorrências de a partir de. Terá, pois, havido em Camilo uma recusa consciente, ou a expressão só começou a tentar a geração seguinte? Pode bem ser que Montexto projecte em Camilo o que não se pode projectar.
E já agora: Fialho não é de confiança? Ou começará nele a decadência que Montexto afincadamente diagnostica?

Anónimo disse...

Essas informações coincidem com as minhas conjecturas, que situavam a importação aí pelo último quartel do séc. XIX, princípios do séc. XX.
Mas projectar em Camilo? Podemos projectar até em autores de muito antes de Camilo. A locução «a partir de» existe em francês decerto há séculos. Em Portugal lê-se em francês e traduz-se do francês desde séculos, e nunca se sentiu necessidade de importar a coisa, nem pelo visto o próprio Eça se rendeu aos seus encantos. Só nas propinquidades do séc. XX, certamente pela leitura maciça (e não «massiva»; este dizem que o ficámos a dever ao presidente Soares: a pátria não esquecerá) em francês, assim no texto como em tradução, é que já não se pôde passar sem ela: foi-se baixando a guarda e os braços — e as calcinhas, — e a coisa lá foi introduzida. Daí por diante tais «introduções» tornaram-se cada vez mais fáceis e consuetas, sem dúvida coadjuvadas pelas novas técnicas, unguentos — e gostos. E, sim, a «introdução» não começou com Fialho de Almeida, mas agravou-se com ele, para quem valia tudo. Nunca engoli aquela de Fernando Pessoa exemplificar com uma página de Fialho o prazer haurido de um texto bem escrito (e, ainda por cima, sendo Vieira o outro invocado). Mas cuido que o passo é atribuído a Bernardo Soares, o que sempre relativiza o asserto algum tanto…
Venâncio, li no fim-de-semana passado o seu artigo da Ler, de Janeiro passado, a que se referiu aqui em anterior comento. É muito generoso...
— Montexto

Venâncio disse...

«Generoso», Montexto? Você costuma ser menos ambíguo.

Anónimo disse...

Sim, aquela gente não me mereceria tanto encómio... Ainda assim, talvez seja Almada quem menos os desmerece...
— Montexto

Venâncio disse...

Então, Montexto, para si, a decadência começou há bastante mais tempo ainda. Não acha que ela, assim, é já velha e relha?

Na minha tese de doutoramento (Estilo e preconceito, Cosmos, 1998), dedico algumas páginas ao estudo dessa convicção de decadência. Um simples tópico clássico. Ou religioso, dum paraíso perdido. Mas muito chique.

Anónimo disse...

Muito antes, Venâncio. Mais coisa, menos coisa, terá começado em Adão, como dizia Cioran, de quem sou o ínfimo dos discípulos, — e também, já se vê, com a perda de um paraíso.
Mas Estilo e Preconceito é um grande título. Duas condições sem as quais não há arte nem civilização, e portanto não se pode passar sem elas. Lá terei de lhe dar uma olhada...
— Montexto

Venâncio disse...

Pode cingir-se às págs. 181-185 («O julgamento da actualidade»).
No resto, a tese propunha uma nova visão (menos maniqueísta, menos apocalíptica) sobre a Questão Coimbrã e alertava para os verdadeiros protagonistas, Castilho e Herculano, cada qual com o seu ponta-de-lança, Chagas e Antero.
Há-de recordar-se de que volto (sucintamente) a esta história no referido artigo da LER de Janeiro.

Anónimo disse...

E bem maniqueísta: o pobre do Castilho caiu do lado errado, para não mais se levantar. É incrível que praticamente não sobrenade nem sobre nada do naufrágio! Eu comprei, há pouco, numa feira do livro, a última edição dos Quadros de Portugal, cuja leitura o editor (Lello & Irmão, 1989) recomenda, piedoso, «a quem pretenda», além do mais, «refrescar ou reforçar o conhecimento da Língua Portuguesa, que aqui se documenta em pleno fulgor das suas potencialidades lexicais e estilísticas». (A outra edição minha conhecida, umas dezenas de livrinhos de capa vermelha, foi preparada pelo próprio filho. Por sinal, Herculano colaborou na obra: o último quadro — «D. Sancho I (A Tomada de Silves)» — é do seu punho). E no entanto que belo livro se faria só com as observações do velho sobre pontos do idioma!...
— Montexto

Venâncio disse...

Nem mais, Montexto, nem mais!