Duas na ferradura
«A expressão tem uma explicação bastante simples e prende-se com o trabalho de ferragem dos cavalos, sendo que aos pregos com que se ferram os cavalos, ou seja, com que se coloca a ferradura no cavalo, se chamam cravos e que, ao ferrar o cavalo, os ferradores martelavam o cravo, ou seja, o prego, e a ferradura num movimento alternado, que terá dado de forma irónica origem à expressão dar uma no cravo, outra na ferradura» (Mafalda Lopes da Costa, Lugares Comuns, Antena 1, 4.04.2011).
Sabe que está sob escrutínio, mas escreve assim: «sendo que aos pregos […] se chamam cravos». E lá está uma das maleitas da actualidade: o verbo «pôr» escorraçado. «Colocar ferraduras»! Não era mister tal autoridade («Infalíveis neste baixo mundo, só o Papa e a Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, mas aquele é mais contestado», comentou aqui certa vez Montexto), mas aqui vai: «Ferrador, s. m. Indivíduo que tem o ofício de pôr ferraduras nos animais […].» O ferrador (ou, em linguagem fina, o siderotécnico) não aplica, nem mete, nem coloca, nem implementa ferraduras — põe-nas!
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7 comentários:
Por este andar, qualquer dia, pôr, já nem as galinhas...
— Montexto
Se me é permitida a sugestão, esta senhora e seu programa de rádio mereciam um novo blogue do nosso amigo Helder Guégués, que se chamasse "Assim Não"!
Mais um exemplo da "coloquite aguda" de que sofre a nossa imprensa. Esperemos que a epidemia seja passageira.
" Aldrovando impertigou-se.
— Pois, amigo, errou de porta. Seu caso é ali com o alveitar da esquina.
Pouco durou a Agência, morta à míngua de clientes. Teimava o povo em permanecer empapado no chafurdeiro da corrupção...
O rosário de insucessos, entretanto, em vez de desalentar, exasperou o apóstolo.
— Hei de influir na minha época. Aos tarelos hei de vencer. Fogem-me à férula, os maraus de pau e corda? Ir-lhes-ei empós, filá-los-ei pela gorja... Salta rumor!
E foi-lhes "empós". Andou pelas ruas examinando dísticos e tabuletas com vícios de língua. Descoberta a "asnidade", ia ter com o proprietário, contra ele desfechando os melhores argumentos catequistas.
Foi assim com o ferreiro da esquina, em cujo portão de tenda uma tabuleta — "Ferra-se cavalos" — escoicinhava a santa gramática."
Monteiro Lobato, "O Colocador de Pronomes".
Isso era no tempo de Monteiro Lobato. Agora muito gramático, filólogo e linguista, enfim muito homem da glote, depois de muito parafusar, assevera isso mesmo: sim senhor, «ferra-se cavalos».
Eu já agora iria um pouco mais longe estirando o campo de aplicação do exercício, e, dando embora de barato que «se ferre cavalgaduras», admitiria igualmente, e sobretudo alvitraria, que «se ferre» também os tais gramáticos, filólogos e linguistas.
É a minha modest proposal.
— Montexto
Pois se colocar é da 1ª conjugação e pôr da 4ª e irregular!...
Cumpts.
Exactamente, Bic. O busílis está aí. Já o disse, mas repito: a dilecção novíssima de «colocar», em vez de «pôr», nasce de que este último depara mais surpresas e acidentes na sua conjugação, — em suma: é mais difícil e... lúbrico.
— Montexto
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