Etimólogo/tarólogo Dr. Caos
Está aqui uma crioula imensa e velha e nua a fumar charuto. Está, salvo seja, é literatura. E a propósito, trago aqui Agostinho de Campos: «A primeira conclusão [de que em Portugal se chamou algum tempo cigarro ao charuto, como nas mais línguas europeias] deve estar certa e confirma-a a expressão castelhana puro, que neste caso é a abreviatura de cigarro puro (todo de tabaco), por oposição a cigarro de papel (enrolado em papel, e não em tabaco)» («Os belos charutos e as míseras “ilhas” do Pôrto», in Língua e Má Língua. Lisboa: Livraria Bertrand, 1944, pp. 31—32). Pois é, charuto parece que veio do tâmil através do inglês cheroot, e apenas no início do século XIX. Isto dizemos nós, que os Ingleses afirmam, numa humildade rara neles, que receberam a palavra do tâmil através do português no fim do século XVIII.
[Post 4551]
3 comentários:
Há séculos que dizemos nós muita coisa, especialmente das partes da Ásia. Mas não ouvimos senão os outros.
Cumpts.
Mas os outros não nos pagam em igual moeda. Sobretudo Franciús e Bifes raro atentam noutra língua; para isso, cá está Lusíada, coitado, que até pode descurar, e descura, a grafia (e sintaxe) da sua, mas tem mil olhos para as frandunas, maiormente se forem as daqueles, algum dia mais a do primeiro, agora mais a do segundo, e copia qualquer palavrinha com a máxima aplicação, sem lhe perdoar a acentos, tremas, th, k, w, y, etc., com cuja omissão se sentiria desonrado...
Lembrais-vos do reparo que aqui se fez à forma de grafar topónimos franceses em periódicos portugueses («em Marais» ou «no Marais»…)? Vejamos uma amostra da atenção com que nos retribuem: Souviens-toi de Lisbonne, de Olivier Frébourg, La Table Ronde, Paris, 2008:
• «Je vais remonter les losanges blancs de la rue des Carmes et de la rue Garrett», p. 11;
• «Je visiterai les trois églises qui bordent la frontière entre Chiado et Rossio», p. 11;
• «Je vais o “Pavilhao Chinese Bar”, rue Dom Pedro V», p. 59;
• «Tu avais déniché un hôtel de guingois: la “residencia Eborense”, p. 105;
• «Reviendrai-je un jour, seul, au “Palace Hotel de Buçaco”?», p. 150;
• «Oui, je pourrais vivre à Ponte do Lima», p. 157.
E, para rematar, «Je me voue à ce pays, totalement, à sa musique, à ses écrivains: Camões [vá lá, não perdeu o til!], Pessoa, Garrett, Branco, Nobre», p. 147. Branco?! Quem será este o Branco? Pelo visto, um franciú regalou-se de o ler, e eu, ignorante da pátria e seus valores, nem sei quem seja!
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Mas eles têm razão: «A dire vrai, il me semble au fond que “les langues étrangères ne comptent pas” [“foreign languages are irrelevant”]. Un écrivain ne peut avoir qu’une seule langue, “si la langue a pour lui vraiment de l’importance”» (Philip Larkin, apud Simon Leys, L’Ange et le cachalot, Éditions du Seuil, Paris, «3. Traduction (théorie et pratique), págs. 137 e 138.
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Para acabar, demos mais uma amostra fresquinha da correcção e pureza com que os nossos usam a sua: «Na realidade, a questão que eu colocava era a da própria realidade, querendo com isso pôr uma dúvida» (Nuno Júdice, O Complexo de Sagitário, D. Quixote, 2011, p. 9.
Na realidade… a questão era a da realidade, … a questão que eu colocava, … pôr uma dúvida: um triple, como se diz em linguagem cinegética quando o caçador derruba três perdizes com outros tantos tiros seguidos. Não é para qualquer ensinadiço!
— Montexto
Fernão Mendez Pinto grafa 'Massuaa', hoje Maçuá, mas vê-se por aí Massaua, vindo do árabe, do italiano ou do alemão, não sei qual destes.
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