30.6.07

Erros e gralhas


Eros e tralhas
Erros e gralhas



      Está, admitamo-lo já, no sítio certo: na rubrica «Errâncias» (p. 14), do Público/Fugas de hoje. O paginador esqueceu-se deste trecho de latim tapa-buracos. Ninguém deu por nada, de tão habituados que estão a ler os clássicos latinos. E lá temos o leitor exigente deste jornal de referência pollice verso. Mais um caso para o provedor. E, porque de errâncias se trata, lembro-me agora que a palavra espanhola proveedor («fornecedor») costuma ser mal traduzida por «provedor». Mas o provedor dos leitores espanhol é o defensor del lector. Talvez (?) menos grave do que confundir EPAL, IPPAR e EPUL, mas ainda assim pouco abonatório dos conhecimentos dos tradutores.

29.6.07

Gramática

Perdidos e achados

Se fizermos uma pesquisa no Google ao nome Manuel de Faria Calvet de Magalhães, só obtemos dois resultados: um num site brasileiro, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, outro num site português, da Biblioteca do Supremo Tribunal de Justiça, ambos referentes ao Dicionário Trilingue: Português, Francês e Inglês, publicado em 1960 pela Editorial Confluência. Está assim no limbo uma gramática — Gramática Prática da Língua Portuguesa — do mesmo autor que supera muitas das gramáticas escolares actuais. A secção dos barbarismos e solecismos devia ainda hoje figurar em qualquer gramática, tal como a secção sobre os usos do infinitivo, os empregos das preposições e a construção da perifrástica. Um bom serviço seria uma editora reeditar esta obra de tão grande utilidade.

28.6.07

Linguajar pseudojurídico

Para ti também


      Datado de 17 de Maio deste ano, eis um despacho do juiz substituto brasileiro Marcus Abreu de Magalhães, da comarca de Sonora: «Declino à conspícua escrivania o presente encartado, com fincas ao dealbar nesta urbe do luculento arconte, que inaugura a comarca.» Tão-só. Este sibilino despacho foi descoberto por Sérgio Rodrigues, autor da excelente coluna No mínimo A palavra é…, que hoje chega ao fim. Se algum dos meus leitores conseguir encontrar algo na justiça indígena que se aproxime remotamente em comicidade, por favor contacte-me com urgência.

27.6.07

Apostila ao Ciberdúvidas

Mude-se a realidade


      É verdade que os dicionários não registam a palavra «peticionante», como refere o consultor do Ciberdúvidas Carlos Marinheiro, mas daí não se segue que a palavra só pode ser «peticionário». E só espero que o consulente Luís Ameixa, que julgo tratar-se do deputado socialista pelo círculo de Beja Luís António Pita Ameixa, não se levante, como advogado que também é, indignado em plena sala de audiências e, perante a declaração do juiz de que «o peticionante é condenado no montante de x unidades de conta», desate a exclamar que isso nunca — pois a palavra nem sequer existe! Ou, em sessão plenária da Assembleia da República, vote contra uma petição só porque é usada a palavra «peticionante». Devemos mudar a realidade ou os dicionários?


26.6.07

Uso do travessão

Para pensar

Talvez já não possamos ignorar por muito mais tempo o uso expressivo do travessão que é feito em inglês. Atente-se no exemplo:

«“A week or two?” he shouted in disbelief. “Mother, wait, what do you expect me to—“
The line went dead. Seething, he dialed her number again, and got a busy signal.»

Na verdade, o travessão não tem aqui o mesmo valor das reticências. Aqui, o travessão representa quase sempre uma interrupção brusca e involuntária da fala da personagem, seja por uma fala de outra personagem, seja por um qualquer fenómeno natural ou acção exterior. O que é muito diferente de, por exemplo, isto:

«“So peaceful here,” he said with an apologetic half-smile. “I just wanted… Listen for a moment.”»

O eventual problema é o de o corte assim assinalado coincidir com a passagem do discurso directo para o indirecto, entre nós ainda generalizadamente marcado, e bem, pelo travessão, desvirtuando-se então a intenção do autor. Porque nunca iríamos duplicar o travessão, claro.

25.6.07

Interjeições

Tsch, tsch, tsch


Outside of a dog, a book is the best friend of a man. Inside a dog, it’s too dark to read.
Groucho Marx

Num noticiário da Antena 1, ouvi na semana passada um jornalista começar uma notícia com um teatral «tananã». Na antiga Emissora Nacional, seria motivo para despedimento com justa causa, mas não é disso que quero falar. Uma vez um tradutor estrangeiro pediu-me uma lista de interjeições e de onomatopeias. E eu dei-lha, é claro, porque apreciei o esforço que ele fazia para perceber a idiossincrasia de uma língua em aspectos aparentemente menores como estes. Não é raro ler nas traduções interjeições como mmm, er, wow, hey, he, entre outras igualmente estranhas à nossa língua. Ora, se não dizemos ¡ay! nem ¡guay!, porque havemos de considerar que mmm ou er, as mais frequentes em obras de língua inglesa, são familiares ao leitor português? Hum, acho que há aqui qualquer coisa mais do que falta de cultura… E a propósito, nem tudo o que parece interjeição na banda desenhada o é. Por exemplo, a representação de um beijo — smack — é na verdade um clique: um som oclusivo produzido pela sucção do ar preso entre duas oclusões, como é designado em Fonologia. Usado como interjeição, isso sim.

22.6.07

Etimologia: náusea

Nas vascas da agonia

      Cara Luísa Pinto: o vocábulo «náusea» vem directamente do latim nausea e este do grego nausía, derivado de nautes («navegante», como em aeronauta, aquanauta, argonauta, astronauta, cosmonauta, infonauta, internauta, lunauta, oceanauta, protonauta), do qual provém também a palavra grega naos («nave»). No início era, pois, apenas padecimento de navegantes provocado pelo movimento repetitivo das embarcações, tendo também a designação de naupatia. (Um termo mais geral é cinetose, e este é mal que atinge desde o feliz mochileiro trota-mundos ao infeliz funcionário público que atravessa o Tejo de cacilheiro. Passando, claro, pelos antigos trota-conventos.) Por extensão de sentido, «náusea» passou também a designar a repugnância ou aversão por alguma coisa — nas grávidas e em todos nós.

19.6.07

Apostila ao Ciberdúvidas

Só para mestres

Um consulente do Ciberdúvidas, Leonel Mayer, quis saber se a construção «intime-se-a» é errónea. Trata-se, pois, da conformidade de se com outros pronomes. O consultor Carlos Rocha afirma categoricamente que «o pronome se, seja qual for o seu valor (partícula apassivante, sujeito indeterminado, pronome reflexo), não é compatível com o pronome átono de obje(c)to dire(c)to da 3.ª pessoa (o/a, os/as)». Conclui dizendo que «a frase em questão é, portanto, agramatical (*«intime-se-a»)».
Invulgar, sim, mas sempre a tive como correcta. Se um argumento de autoridade servir, leia-se Fernando Venâncio na obra Maquinações e Bons Sentimentos (Campo das Letras, 1.ª ed., 2002): «Tome-se um português, observe-se-o de todos os lados, por dentro e por fora, da ponta dos pés ao cimo da alma» (da crónica «O português em quatro volumes», p. 65). Distracção do autor, acha Carlos Rocha? Mais um exemplo, ao virar da página: «Apreciando distanciadamente os hábitos gerais, pegava-se de quando em quando um indivíduo pelo chumaço, e deixava-se-o ir logo depois, amarrotado, desconjuntado, ávido de que chegasse a vez de outro.» Continuaria por aqui fora, com exemplos deste e de outros bons autores — mas tenho ali o pequeno-almoço à minha espera.

Tradução: «cumbre»

Imagem: http://web88.p15187858.pureserver.info/

Cimeiras e baixeiras


Dizia o original, de uma clareza meridional: «Fue un gran honor para ella ser elegida como uno de los cincuenta delegados de organizaciones no lucrativas en la cumbre presidencial sobre el futuro de América; recientemente ha sido designada como “luz del día”.» O tradutor arriscou: «Foi uma grande honra para ela ser eleita um dos cinquenta delegados de organizações sem fins lucrativos no auge presidencial sobre o futuro da América; recentemente foi designada como “luz do dia”.» Como foi na administração Clinton, auge, clímax, bem… É pecha bem conhecida: quando se trata de traduzir alguma palavra que desconhecem, alguns tradutores não passam da primeira acepção que lêem no dicionário. Claro que cumbre, que vem do latim culmen, -ĭnis, é «cimo», «auge» — mas não no contexto, caramba. Cumbre ou conferencia cumbre também é «reunión de máximos dignatarios nacionales o internacionales para tratar asuntos de especial importancia».

18.6.07

Léxico: «categute»

Cose-te com estas linhas

«Anything can be said about anything»,
George Steiner


      Anteontem, ouvi na Antena 1 uma médica falar da «consulta de revisão» de uma mulher que dera à luz um mês antes. O marido desta queixava-se de que lhe sentia na vagina como que uns dentes. A médica rira-se, confessou. (A modéstia fica bem, mas aos outros.) Estupidamente, veio depois a saber-se, porque, às vezes, como diz Joaquim Manuel Magalhães, o que não é possível põe-se a acontecer: a mulher tinha mesmo lá uns «dentes»: o seu organismo não absorvera os pontos de catgut, como normalmente acontece. Catgut, pois. Ainda recentemente alguém me disse que «categute» (como está aportuguesado e prefiro) era um termo desusado. Pois, pois. Catgut, literalmente, é «intestino de gato» (de cat, gato + gut, intestino), mas na verdade é um fio de colagénio feito — sobretudo na Índia, país que fornece igualmente metade da encomenda anual de vacinas das Nações Unidas, que são administradas a dezenas de milhões de crianças dos países em desenvolvimento — a partir da serosa (tripa) bovina, sendo considerado um material absorvível. A forma antiga da palavra era kitgut (de kit, pequeno violino + gut, intestino), pois o material também é usado para cordas de instrumentos musicais, e em especial para violinos.
      «Categute, m. (do inglês catgut). Fio animal, geralmente de tripa de carneiro, usado em ligaduras e suturas» (Grande Dicionário da Língua Portuguesa, coordenado por José Pedro Machado). A Academia das Ciências de Lisboa extraviou, infelizmente, este verbete.


16.6.07

Bode expiatório

Vai para longe

Contaram-me, certa vez, que um homem pernóstico de Ferreira do Alentejo (ou seria de Grândola?) dizia convictamente «bode respiratório». Um dia tinha de acontecer: um tradutor escreveu «bode expiratório», o que constitui uma aproximação muito razoável. Dizia o original: «Buscar un cabeza de turco: no le gustaría a outra persona (por ejemplo, de la oficina central).» E a tradução: «Procurar um bode expiratório: não agradaria a outra pessoa (por exemplo, do escritório central).» Esta é a oportunidade para dizer que os termos inglês e francês são muito mais claros, quase auto-explicativos: scapegoat e bouc émissaire. Em espanhol também se diz chivo expiatorio. A explicação está na Bíblia, em Levítico 16: 8-10: «Aarão tirará à sorte os dois bodes: um para o Senhor e outro para Azazel. Aarão deverá oferecer ao Senhor o bode que a sorte designou para tal, apresentando-o em sacrifício pelo pecado; e o bode, que a sorte designou para Azazel, deverá ser apresentado vivo diante do Senhor, a fim de fazer sobre ele o rito da purificação e ser enviado a Azazel, no deserto.» Era pois por meio de um bode que os Judeus expiavam as suas culpas diante do Senhor. Como o bode era carregado, no Dia do Perdão, com as culpas dos homens e enviado para o deserto, a expressão passou a designar o inocente sobre quem recaem as culpas dos outros. No original, o termo traduzido por bode expiatório era hazazel (que está dicionarizado em português com este mesmo significado), presumivelmente o nome de um demónio do deserto, embora, ao que parece, não se trate de um vocábulo hebraico. O próprio ritual terá tido origem entre os antigos Egípcios.

15.6.07

Léxico: «poceiro»

Poceiro no Quénia: http://ngishili.com/

Mais uma cavadela


      Ainda haverá poceiros em Portugal? Bem, isso agora talvez não interesse tanto como saber que a palavra inglesa well-digger se traduz assim, o que é, francamente, muito melhor do que «cavador de poços». Em qualquer circunstância, aliás, é melhor uma palavra do que uma locução. Poceiro vem do latim putearĭus. Na Índia e em África, isso é certo, há poceiros. Regozijemo-nos: a Academia das Ciências de Lisboa não extraviou este verbete.

14.6.07

Léxico: oxímetro

Imagem: http://www.unmc.edu/

Paciente impaciente


Um leitor, claramente aflito, pergunta-me que nome tem o «gadget» que nos hospitais e clínicas põem na ponta do dedo dos pacientes que vão ser operados. Bem, comecemos pelo gadget: em português, diz-se instrumento, aparelho, dispositivo, mecanismo… Engenhoca, se quiser. Não diga nem escreva, por amor de Deus, gadget. Sim, em português tem o nome de oxímetro, e mede a saturação em oxigénio da hemoglobina no sangue arterial do operando.

13.6.07

Etimologia: rameira

Fantasias etílicas

Gosto muito, confesso, da palavra «rameira». Felizmente, faltam-me oportunidades de a usar. Conhecem os meus leitores a etimologia desta palavra? Para o Dicionário Houaiss, «era o nome dado no sXV, em Portugal, às frequentadoras de tabernas que, para assinalarem a sua presença, ostentavam na porta ramos de árvores». Está-se mesmo a ver: estas senhoras, digamos assim, iam para as tabernas e, debaixo do braço ou entre as anáguas, levavam um ramo, que penduravam mal chegavam ao seu destino. Um prostíbulo ambulante, um lupanar desmontável. Custa menos a crer na versão que já conhecia: na Idade Média, na península Ibérica, e não somente em Portugal, começou a usar-se um ramo na porta das tabernas para indicar que não era uma casa particular. (Na minha infância, passada numa rua onde havia uma taberna (em que certa vez, na companhia de dois amigos, todos com menos de dez anos, descobrimos como o argal nos permitia beber comodamente do barrilete de vinho abafado), lembro-me de ver pendurado um ramo de louro.) Na mesma época, as prostitutas perceberam que a melhor forma de dissimularem a sua actividade, ao mesmo tempo que atraíam clientes, era pendurarem um ramo como nas tabernas. Passaram então a ser, eufemisticamente, conhecidas por rameiras. Contudo, e é bom que se saiba, há quem ligue antes a palavra ao latino ramus, membro viril. Em espanhol, a palavra ramera, com o mesmo significado, existe desde o final do século XV.

Uso da vírgula com vocativo

Olá, Meia Hora

Veio parar-me às mãos a edição n.º 4 do novíssimo gratuito Meia Hora, que se propõe competir com os jornais de referência pagos. É essa a ambição e, digamo-lo com franqueza, não começou mal. Mas nem tudo está bem, e a primeira página dá logo um sinal de alarme: «Adeus Ota, olá Alcochete». Pois é, mas «Ota» e «Alcochete» são vocativos, pelo que nos ficam a dever duas vírgulas. Se alguém conhecer Sílvia Lobo, a revisora, por favor diga-lhe. Afinal, a revisora até talvez saiba, porque na última página se pode ler: «Olé, Doutor Allen!» Talvez suspeite que com topónimos não se pode falar, não vão os leitores julgar-nos doidos. E nós somos sain d’esprit. Ou será saint d’esprit?

Bolsar e bolçar, outra vez

Cala a boca



      É muito estranho que numa revista como a Crescer com Saúde, do grupo Impala, uma revista dedicada, como o nome sugere, exclusivamente às crianças, não se escreva correctamente a palavra «bolçar». Na secção de cartas dos leitores, não apenas não corrigiram o que um leitor escrevia, como também na resposta deram o mesmo erro: «Por sua vez, o bolsar não tem qualquer importância, já que faz parte da imaturidade do sistema digestivo» (Crescer com Saúde, Junho de 2007, p. 90). Bolsar, já aqui o escrevi uma vez, significa fazer bolsos e foles (um vestido mal talhado, por exemplo). Deveriam ter escrito «bolçar», isto é, vomitar. Bolçar e vomitar provêm do mesmo étimo latino, sendo assim palavras divergentes ou alótropos. Através de vários fenómenos fonéticos, de vomitiare (intensivo de vomere) chegou-se a bolçar. Esta última costuma aplicar-se mais às criancinhas de colo. Voltei à questão porque ainda recentemente vi o mesmo erro numa tradução de um tradutor conceituado. Algo está mal.


Tradução: «smoking gun»

Pólvora seca


      Dizia o original: «That, along with the fact that thousands of rocks at the crater site had been smashed to bits around the same time as the iridium appeared, is the smoking gun for the impact theory.» O tradutor passou a correr pela frase e achou que no-la podia restituir em português assim: «Esse facto, juntamente com os milhares de rochas no local da cratera que foram reduzidos a pedacinhos por volta da mesma altura em que o irídio apareceu, é a arma de fogo para a teoria do impacto.» Perfeitamente — mas o que significa? A locução smoking gun deverá traduzir-se por «fumo da espingarda», nada mais literal. E assim já se percebe: os tais factos são um indício seguro de que houve um impacto, como indício seguro de uma arma ter sido usada é o facto de provir fumo do seu cano. E para fazer esta dedução não é preciso ser Sherlock Holmes, basta saber ler e pensar. Elementar.

11.6.07

Conversão (I)

Botas das sete léguas

      Não é raro que nas traduções surjam medidas de sistemas de unidades que nos são estranhos. Que sentido faz para o leitor português médio — que já nem sequer sabe a quanto equivale uma arroba — que num texto surjam milhas ou polegadas ou galões? (Claro que sim: milhas para quilómetros multiplica-se por 1,61, polegadas para centímetros, por 2,54, galões para litros, por 4,55.) Com as moedas acontece o mesmo. «Wages also differ and range from as low as Kshs 120 to Kshs 200 (USD 1.8 to 3) a day. Assuming that one earns an average of Kshs 150 a day for six days a week, one takes home a salary of Kshs 4,500 (USD 70) per month.» Apesar de tudo, os dólares não são a melhor referência para o leitor, pelo que se deve sempre converter directamente para euros. A Internet dispõe de alguns conversores. Aprecio particularmente este. Logo, seria qualquer coisa como: «Os salários também diferem e variam de tão pouco quanto 120 a 200 xelins quenianos (1,35 a 2,26 euros) por dia. Supondo que se ganha uma média de 150 xelins por dia durante seis dias por semana, leva-se para casa um salário de 3900 xelins (44 euros) por mês.» Tratando-se, como é o caso, de um texto jornalístico actual, o câmbio deverá ser feito ao dia. Contudo, se estivermos perante uma tradução (ou qualquer texto em que se tenha necessidade de fazer o mesmo) de um texto de 1999, por exemplo, o câmbio será o dessa data, como é óbvio mas tão esquecido. Em 10 de Junho de 1999, por exemplo, 3900 xelins quenianos valiam 10 572 escudos.

10.6.07

Selecção vocabular

Ao lado

Tiro um jornal da pilha que tenho ao meu lado. Sai um Diário de Notícias. Vejamos a selecção vocabular em duas notícias. Uma delas dizia: «Coincidência. Pedra extraterrestre da ficção tem sósia numa mina da Sérvia» («Novo mineral tem a mesma composição da criptonite, Filomena Naves, 25.4.2007, p. 14). «Sósia»? Quando hoje em dia se abusa das aspas, aqui, que deviam ser usadas — na falta de um termo adequado, por não ocorrer à jornalista —, não o foram. Entre infinitas, duas soluções: «Pedra extraterrestre da ficção tem cópia perfeita numa mina da Sérvia.» «Pedra extraterrestre da ficção materializa-se numa mina da Sérvia.» A pressa com que os jornalistas escrevem não explica tudo. Na maioria das vezes, fazer bem ou fazer mal demora o mesmo tempo.
Outra notícia no mesmo jornal: «Todos os dias, a sua mãe, Ursula, espera-a [sic] no topo com um carro velho e lamacento que nem sequer tem placa de matrícula» («Túnel traz modernidade a vale isolado dos Alpes», Helena Tecedeiro, 25.04.2007, p. 30). Bem podemos pesquisar em qualquer corpus do português, o adjectivo somente qualifica termos como «terreno», «chão», «piso», «pavimento», «campo», «rio». Um objecto, umas botas, um automóvel, um jornal que caiu ao chão estarão enlameados.

8.6.07

Apostila ao Ciberdúvidas

Ciberduvidoso


      Da Guarda, um consulente perguntou ao Ciberdúvidas se o vocábulo «politólogo» já entrou na língua portuguesa. Depois de dar a definição do Dicionário Eletrônico Houaiss (brasileiro), o consultor, Carlos Marinheiro, afirma que os «dicionários portugueses consultados não regist[r]am qualquer destes vocábulos. Por enquanto...». Os vocábulos referidos eram três: «politólogo», «politicólogo» e «politicologista». Não é assim: o Dicionário Houaiss regista os três e o Dicionário da Academia regista somente o segundo. Ainda estou para ver que dicionários são consultados no Ciberdúvidas.


7.6.07

Uso da vírgula

Principalmente

Há quem julgue — traumas da infância escolar — que os advérbios em -mente devem estar sempre, seja qual for a sua localização na frase ou o sentido que se pretende transmitir, entre vírgulas. Escrevem, por exemplo: «Os meus professores, principalmente, o de Português, não sabem exprimir-se correctamente.» É óbvio que o advérbio se refere especificamente ao professor de Português e não a todos os professores, pelo que a vírgula que se segue ao advérbio está a mais. Os advérbios mais castigados por esta incompreensão são, entre muito poucos, principalmente e nomeadamente. Coisas simples, dirão, mas então porque é que há tanta gente a errar?

6.6.07

Uso da vírgula


Quem sabe, sabe


      Um leitor, H. S., chamou-me a atenção para a novíssima palavra de ordem da RTP2, «Quem vê, quer ver», cuja pontuação considera errada. Trato dessa matéria no meu manual, e lamento, mas discordo. Tal como acontece com os termos paralelos dos adágios e aforismos, o uso da vírgula é de regra: «Quem com ferro mata, com ferro morre.» E porquê, perguntam? Pois porque a vírgula separa orações diferentes, ou não? Não se pode afirmar, suponho, que no caso em apreço temos uma vírgula a separar o sujeito do predicado, pois temos duas orações.
      Nesta matéria, não posso dizer, como Shakespeare, «No, Time, thou shalt not boast that I do change». Mudei: antes pensava que não devia usar-se vírgula em frases deste tipo, justamente porque me parecia ver ali uma vírgula a separar — crime de lesa-gramática — o sujeito, «quem», do predicado, «quer ver». Só não via o «vê». Como quando procuramos desesperadamente a esferográfica e a temos na mão.
      A tempo o digo para não mo dizerem: se consultarmos, por exemplo, O Grande Livro dos Provérbios, de José Pedro Machado, veremos que os provérbios com que ilustro os meus argumentos estão registados sem vírgula. Opiniões. Se fosse antes O Grande Livro dos Provérbios de Helder Guégués, teriam vírgula.

5.6.07

Léxico: «clarificado»

Língua no tacho

Cara M. T., o termo técnico usado em culinária para designar o processo que descreve é «clarificado» e não «branqueado». A ghee, por exemplo, largamente usada na culinária indiana, é uma manteiga clarificada, isto é, uma manteiga a que foram retirados os resíduos lácteos e a água, além de impurezas. O que resta é uma gordura límpida e transparente. Clarificam-se também caldos e xaropes. A culinária também tem, é verdade, o processo de branquear, que consiste em cozinhar ligeiramente a carne.

4.6.07

Tradução: «oxymoronic»

Sem equívocos


      Cara Luísa Pinto: não pode pretender traduzir o inglês oxymoronic por «eufemístico» pela simples razão de não ser, nem pouco mais ou menos, a mesma coisa. É o mesmo que confundir já não digo uma alquitarra com um alambique, mas oaristo com aoristo. Parece claro: não temos o adjectivo relativo ao substantivo «oxímoro». A solução está em recorrer a uma expressão — «da natureza do oxímoro» —, o que nem sempre se enquadra no contexto, ou aportuguesar a palavra, e teremos oximorónico. Há quem já o faça: «Segundo a autora o fantástico funciona como um tropo oximorónico em que a contradição entre o possível e o impossível é mantida e desenvolvida» («A Simbólica do Espaço em The Lord of the Rings e Earthsea», Maria do Rosário Monteiro, in www.fcsh.unl.pt/docentes/rmonteiro.

1.6.07

Apostila ao Ciberdúvidas: ternurento

É ver

Um consulente do Ciberdúvidas, Marco Costa, queria saber se a palavra «ternurento» existe ou se, referindo-se a alguém, teria de usar a expressão «dotado de ternura». Esquecera-se de que existe «terno», bem mais interessante e pequena. Foi para isto mesmo que o advertiu o consultor Fernando Venâncio Peixoto da Fonseca, que afirmou que o vocábulo «ainda não se encontra registado». O consultor não tem razão: está registado. Ei-lo como penúltimo verbete na página 1005 do Dicionário Actual da Língua Portuguesa, publicado pela Asa: «ternurento, adj. Que se desfaz em ternuras: Marido ternurento. • sin.: afectuoso; carinhoso».