31.7.07

Glossário: compostos de «self»

Self

Só temos um problema com os compostos ingleses de self: muitas vezes, não encontramos o próprio pospositivo nos dicionários. E nem sempre o termo é auto-explicativo, pese o self. Nos nossos hábitos linguísticos apenas está, e desnecessariamente, o self-service, que alguns julgam superior ao auto-serviço, prestando assim um desserviço à língua. Com este glossário, somente de termos que vou encontrando nas traduções, pretendo ajudar na tarefa de tradução dos vários profissionais da escrita. De caminho, mostro como se deve usar o antepositivo auto. À semelhança de muitos outros glossários que tenho publicado, começará por ser pequeno, mas crescerá ao longo do tempo.

self-absorbed: ensimesmado; autocentrado
self-absorption: introspecção; auto-absorção
self-advancement: desenvolvimento pessoal
self-affirmation: auto-afirmação
self-aggrandizement: auto-enaltecimento
self-analysis: auto-análise
self-anointed: autonomeado, autodeclarado
self-appointed: autonomeado
self-appraisal: auto-avaliação
self-assembled: automontado
self-assertive: autoritário
self-assured: seguro
self-assuredness: segurança
self-aware: autoconsciente
self-awareness: autoconsciência
self-centred: egocêntrico
self-concentration: autoconcentração
self-concocted: autoforjado
self-confidence: autoconfiança
self-congratulatory: presunçoso
self-conscious: autoconsciente
self-control: autocontrolo
self-correcting: autocorrecção
self-corrective: autocorrectivo
self-damaging: autolesivo
self-deception: auto-engano
self-definition: autodefinição
self-delusion: auto-ilusão
self-denial: despojamento
self-depiction: representação
self-depreciation: autocomiseração
self-described: autodesignado
self-description: autodescrição
self-destructive: autodestrutivo
self-determination: autodeterminação
self-diffusion: autodifusão
self-discipline: autodisciplina
self-discovery: autodescoberta
self-doubt: insegurança
self-dramatisation: autodramatização
self-dramatiser: autodramatizador
self-enhance: montar-se a si próprio
self-esteem: amor-próprio (esqueçam a «auto-estima»)
self-estimate: auto-apreciação
self-evidence: auto-evidência; evidência implícita
self-evolving: auto-evolutivo
self-executing: de aplicabilidade imediata
self-existent: auto-existente
self-explanatory: auto-explicativo; evidente
self-expression: auto-expressão
self-expressive: auto-expressivo
self-fulfilling: auto-realizador; auto-realizável; autovalidado
self-generation: autogerador
self-giving: abnegação
self-governance: autodeterminação
self-harm: automutilação
self-heal: autocura
self-healing: autocura
self-help: auto-ajuda
self-image: auto-imagem
self-importance: auto-importância
self-important: cheio de si; presunçoso
self-imposed: auto-imposto
self-indulgence: autocompaixão
self-indulgent: autocomplacente; auto-indulgente
self-injury: ferimentos auto-infligidos
self-interest: egoísmo, interesse pessoal
self-justifying: autojustificativo
self-knowledge: autoconhecimento
self-learning: auto-aprendizagem
self-mockery: auto-ironia
self-mutilation: automutilação
self-pity: autocomiseração
self-pitying: autocompadecido
self-possessed: seguro de si
self-preoccupied: egocêntrico
self-presentation: auto-exibição
self-preservation: autopreservação
self-proclaimed: autoproclamado
self-proclaiming: auto-afirmação
self-promotion: autopromoção
auto-propelling: autopropulsor
self-protection: autoprotecção
self-punishment: autopunição
self-quotation: autocitação
self-rating: auto-avaliação
self-recrimination: auto-recriminação
self-referential: auto-referente, auto-referencial
self-reflective: introspectivo
self-regarding: amor-próprio
self-regulation: auto-regulação
self-regulatory: auto-regulador
self-reinvention: auto-reinvenção
self-reliance: autoconfiança
self-reliant: autoconfiante
self-replicating: auto-replicante
self-replication: auto-replicação
self-reporting: auto-avaliação
self-reproach: autocrítica
self-reproducing: auto-reprodutivo
self-reproduction: auto-reprodução
self-respect: amor-próprio
self-restraint: autocontenção
self-righteous: sobranceiro; arrogante
self-rule: autogoverno
self-sacrifice: auto-sacrifício
self-sacrificing: abnegado
self-satisfaction: auto-satisfação
self-seeking: egoísta
self-serving: interesseiro, egoísta
self-shaping: automodelação
self-similarity: auto-semelhança
self-styled: original
self-sufficiency: auto-suficiência
self-sufficient: auto-suficiente
self-taught: autodidacta
self-torture: autoflagelação
self-understanding: autocompreensão
self-voiding: autocontraditório
self-worth: autoconfiança

[Em construção: 119 entradas.]

30.7.07

Balcãs

Cosmopolitismo

Talvez por estar, anacronicamente, na Sociedade das Nações, Nuno Rogeiro diz sempre «Balkans». Ora, sendo notoriamente a pessoa que em Portugal mais usa a palavra, convinha que a dissesse em português, porque — já reparou? — na nossa língua também existe. O termo «Balcãs», de um étimo turco que significa «viscoso de sangue», começou a ser usado na Europa Ocidental no século XVIII.
Esta cadeia montanhosa, parte dos Cárpatos, tinha, na Antiguidade, o nome de Haemus mons, que agora só existe na Lua. Os (supostos, supostos) habitantes da Lua são os selenitas. Lunáticos e nefelibatas, só na Terra. Camilo Pessanha. O efidro (Ctesíbio!) é o recipiente superior da clepsidra. Gnómon. Os erros d’O Código Da Vinci. Cloux. Clos. Natália Correia. Ary dos Santos. Outra vez em casa. Sim, associação de ideias. Policiário. É do calor, estão 40 ºC em Lisboa.

Rio Tamisa ou Thames?

Livre de Estilo

Não deixo de lamentar os nove mortos causados pelas cheias no Reino Unido. Mas, para já, preferia que Anabela Mota Ribeiro, correspondente da Antena 1 em Londres, dissesse «Tamisa». Diz «Thames», o que pode ser uma escolha. Mais surpreendente ainda: certa vez, uma professora de Inglês ergueu as sobrancelhas quando eu disse «Tamisa». Ignorava, confessou. Contudo, até os dicionários etimológicos ingleses registam: «The Thames is first mentioned in English around 893 in King Alfred the Great’s Orosius. At the time it was called the Temese, a form believed to come from an earlier, unrecorded English *Tamisa.» Noé Monteiro, enviado especial da RTP ao Reino Unido, diz «Tamisa». Bem podemos dar-lhe os parabéns: noe.monteiro@rtp.pt. Tanto a um como ao outro, ouvi-os na Antena 1. E ainda que assim não fosse: afinal, trata-se da Rádio e Televisão de Portugal. Diz-se agora que o «processo de discussão» do Livro de Estilo da redacção da RDP se inicia até ao fim do ano.

28.7.07

Etimologia: quórum


The truth is not a matter of majority opinion, even of near-unanimity. On contrary.
George Steiner

Depois de uma reunião


E já que usei o vocábulo «quórum» no penúltimo texto, aproveito para dizer donde vem. Nos corpos colegiais da antiga Roma, cada novo membro era recebido mediante a fórmula «quorum vos unum esse volemus» — dos quais queremos que tu sejas um. Por vezes, na verdade, não queremos tal, e até preferíamos que o indivíduo pertencesse a outra associação, a outro condomínio, a outra assembleia. A outro país, a outro continente. A outro universo. «Pensa mal das pessoas, não te enganarás», recomendou Cesare Pavese. Em italiano soa melhor: Pensa mal, non ti sbaglierai.

26.7.07

Semântica: trovador

Procura e achar-me-ás

O que é um poeta senão um achador? Achador de modos de expressão, de ideias originais. Pois os trovadores provençais e galego-portugueses faziam isso mesmo e o nome reflectia-o, já que «trovador» vem do provençal trobador, achador, do verbo trobar. Aliás, em catalão (assim como nos vários dialectos do aragonês, mas não no galego, e em castelhano somente como termo antigo) ainda hoje o verbo trobar significa também «descobrir una cosa que hom cercava». Vol vendre’s la casa, però no troba comprador. O vocábulo passou a fazer parte do catalão no século XII e, segundo o Gran Diccionari de la LLengua Catalana, terá vindo do latim vulgar *tropare, variante reduzida do latim tardio contropare, «falar figuradamente, comparar», derivado do latim tropus, e este, do grego tropos, «figura retórica»(1). De «criar, inventar formas poéticas» passou a «inventar, descobrir», em geral. Em termos semânticos, é próximo do latino invenire, que também significa encontrar algo e criar literariamente.



(1) Entre nós, Rodrigues Lapa afirma o mesmo, discordando assim dos que vêem o étimo em turbare. Contudo, até do ponto de vista fonético *tropare se afigura mais provável. Tem sido desde sempre questão muito controversa.

25.7.07

Chegar, verbo pessoal

Chega-me aí uma gramática

Mário Crespo perguntou anteontem, no Jornal das Nove (Sic Notícias), ao deputado social-democrata Miguel Relvas: «Chega dois candidatos?» A resposta não interessa nada; a pergunta, muito. Está mal formulada, enferma de um erro comum. O verbo chegar concorda com «dois candidatos», porque não é impessoal. Pode variar em pessoa e número concordando sempre com o sujeito. Aquilo que chega ou não é o sujeito sintáctico do verbo. Erro a fazer lembrar outro, o do verbo faltar, já aqui duas vezes referido. Estes dois e ainda o verbo bastar, todos grandes vítimas de atropelos, são verbos pessoais. Bastavam mais uns votos para o candidato ser eleito. Basta um candidato. Faltam cinco meses para o fim do ano. Falta um condómino para termos quórum. Chega um pacote. Chegam dois candidatos?

24.7.07

Etimologia: gaforina, marrafa

Retrato de Elisabetta Gafforini: http://purl.pt/

Pilosidades


É interessante ver como a partir de certa altura a moda passou a consagrar o nome de certas figuras da sociedade. Quando hoje usamos o termo «gaforina», a quem ocorre logo que provém do nome de uma soprano italiana, Elisabetta Gafforini, que passou no início do século XIX pelo Teatro de S. Carlos? Tirando o penteado espalhafatoso, só sabemos que era senhora de uma voz límpida, ressonante e dúctil. Eça de Queirós, nas Cartas de Paris (II), usa o termo: «A sua aparência era hoffmânica; duas longas pernas de cegonha triste, olhos rutilantes numa face ascética e uma gaforina descomunal, crespa, revolta e cor de estopa.» E, antes, já António Feliciano de Castilho o fizera: «— Acabou-se a tua enfiada de despropósitos? — perguntou D. Luís, dando em face do espelho o último toque de pente à gaforina e ao bigode» (Mil e Um Mistérios, Capítulo XXII).
Nos cortes masculinos, foi o dançarino italiano Marraffi, que também passou pelo Teatro de S. Carlos, ainda no final do século XVIII, que deu o nome à marrafa. Antes, para as mulheres, os penteados à Pompadour tinham estado em voga. Mas ainda o cabelo. À escovinha, à garçonne, à inglesa, à máquina zero, à tigela, afro, carapinha, carrapito, grenha, guedelhas, juba, madeixa, mecha, melena, poupa, rabo-de-cavalo, repas. Rente. E as tranças, os totós e os bandós. Intonso. As cãs, os caracóis e as ondas. E o cabelo de Medusa transformado, por castigo, em serpentes. E o cabelo de Sansão. E os capachinhos e chinós. E o peyos dos judeus. E o sendi dos hindus. E dos iogues o xendi. E o chindim no alto da cabeça. E o rabicho dos antigos chineses. E os bigoudis («“Papelotes”, vizinha, diz-se “papelotes”!»). E o contrário disso: os calvos. Glabros. Glabriúsculos. Glabérrimos. E a tonsura. Para ficarmos ainda em França, foi lá que nasceu o general Louis-Eugène Cavaignac (1802-1857), que deu nome ao cavanhaque, agora quase esquecido. E as peras, a barba passa-piolho (como a do presidente do Sindicato dos Jornalistas, Alfredo Maia), as suíças, a costeleta, as favoritas e as patilhas. E o bigode calamistrado. E as guias enceradas. E Hanun, que rapou metade da barba dos servos de David. E os leigos ou conversos barbati. Nome feminino a condizer com este texto é Madalena, que vem do hebraico e significa «a dos cabelos penteados». Mas não vale a pena chorar nem ficar pelos cabelos.

23.7.07

Ortografia: cardiorrespiratório

Da falência do tojo

«Isabel sofreu queimaduras de segundo e terceiro graus em 55 por cento da superfície corporal, que foram determinantes de um quadro de choque séptico, com falência multiorgânica, que lhe provocaram uma paragem cardio-respiratória e a sua morte, nos Hospitais da Universidade de Coimbra» («Vinte anos de prisão para professor que regou ex-namorada com gasolina e ateou o fogo», António Arnaldo Mesquita, Público, 19.07.2007, p. 13). Todos os dicionários que consultei registam «cardiorrespiratório». A «falência multiorgânica» é escusado jargão médico. Por mim, e suponho que por todos os leitores, trocava-o de bom grado pela correcção da grafia. E, já agora, se não fosse pedir demasiado, também teria sido bom que não se dissesse um disparate como este: «O acórdão salienta que, inconformado com a renitência da ex-namorada em manter o relacionamento amoroso, o professor atirou Isabel para cima de uns arbustos e tojos.» O que julga o jornalista que são tojos? Fósseis? Tojo e arbustos é tudo arbustos — não é preciso ser-se licenciado em Botânica para o saber. É só, pergunta o leitor? Não, não é: a começar pela diferença de regência do verbo atear no título e no corpo da notícia, passando pela «superfície corporal» (que qualquer médico-legista não enjeitaria), muito havia a alterar.

20.7.07

Regência do verbo «atender»

Realmente

      «01h25 — Ambulância chamada ao clube Tiger Tiger, em Haymarket, para atender a uma pessoa doente. Os tripulantes vêem fumo sair de um Mercedes estacionado próximo» («Cronologia da investigação», Susana Moreira Marques, Público, 30.06.2007, p. 16). Na escrita jornalística, não é muito vulgar esta regência, correctíssima, do verbo atender — no sentido de prestar apoio, cuidar de —, em que surge como transitivo indirecto.

Bordões da linguagem

Magister sic dixit


      Quantas vezes é que Telmo Correia diz «oiça» no decorrer de uma entrevista? Oiça, nem eu sei, e ele não tem consciência, oiça. Parece ser, oiça, uma marca de pertença à fina-flor, à nata da sociedade, oiça. Sobretudo, parece imitação da linguagem fática de Paulo Portas, oiça. E o discurso segmentado, a ênfase em certas palavras, o uso de certos vocábulos é modo mui portiano de falar. Mais do que Magister dixit, é magister sic dixit. Se me faltassem objectos de estudo, diria que foi pena ter perdido. Claramente.

Português fundamental

A esmo

«Não afiançou, em Cuba, Otelo Saraiva de Carvalho que as Forças Armadas Portuguesas iriam participar no desenvolvimento do Norte do país onde, segundo ele, existiriam localidades cujos “habitantes têm um vocabulário inferior a 500 palavras”?» («ATL», Helena Matos, Público, 19.07.2007, p. 44). Estimativa ou caricatura? Quinhentas palavras — ou seja, aproximadamente um quarto do designado «Português Fundamental», de que dez anos mais tarde comecei a ler na imprensa. Lemos em Fernando Venâncio ecos desta, hoje esquecida, questão: «Foi ainda em 1984 que cometi o meu segundo grande erro por confiar na humanidade. Dera eu tempo, durante meses, a que se atentasse criticamente num projecto linguístico de que saíam os primeiros frutos, e que eu, e por certo muita gente, longos anos acalentara: aquele que vinha estabelecer o “Português Fundamental”. Se hoje não se sabe já o que isso era, a culpa em parte é minha. Mas o próprio acontecimento — e dizer que ele era de importância suma — a quase ninguém ocupou. Recordo apenas Afonso Praça e Luiz Fagundes Duarte.
Tomei, pois, várias e preciosas páginas de jornal para mostrar, desolado, a inanidade dos resultados dessa investigação já longeva e porventura cara. Pretendera-se nela (e isso era apenas um começo) apurar os cerca de dois mil vocábulos mais frequentes no nosso português, operação decerto quantitativa, mas destinada a demonstrar, no plano da qualidade, marcados méritos, ao facilitar a planificação do ensino da língua e permitir a elaboração de textos em grau variável de dificuldade» («Autobiografia», in Maquinações e Bons Sentimentos. Campo das Letras, 1.ª ed., 2002, pp. 231-32).

Redundâncias

Cuidado

«Nenhuma das candidaturas quis enfrentar de frente o problema dos milhares de empregos, da multiplicação das empresas municipais ou da progressiva transformação da autarquia num vazio político absoluto, com a conivência de quase todos os partidos nacionais» («Perdidos em Lisboa», Miguel Gaspar, Público/P2, 19.07.2007, p. 3). E como é que Miguel Gaspar pretende que se enfrentem os problemas? Pelas costas? Pelos flancos? Em certa medida, é muito mais surpreendente que um jornalista experiente e com mérito caia nestas redundâncias do que pontue mal. E ele também o faz: «Toda essa indústria que oferece a cura indolor e alegre dos vícios do quotidiano, acaba por nos desumanizar, por reduzir a nossa capacidade de agir a uma outra dependência» («Eu, pós-fumador, não me estou de todo a rir», Miguel Gaspar, Público/P2, 7.07.2007, p. 4). «E, ao fim de duas semanas, o não-fumador em crise de resistência, perguntar-se-á: mas porque é que eu não estou a sorrir como o outro?» («Eu, pós-fumador, não me estou de todo a rir», Miguel Gaspar, Público/P2, 7.07.2007, p. 4). Se, apesar da gravidade, a virgulação incorrecta é atribuível à pressa, para as redundâncias deveria ter já apurado um automatismo.

19.7.07

Sinédoque

Figuras: de estilo e outras

«“O Terreiro do Paço [Governo] não tem noção do valor que a cortiça já tem hoje em dia e do que poderá vir a ter”, acusa» («Confraria quer mais sobreiros», Diário de Notícias, 30.04.2007, p. 35). A tal ponto chegou — ou o jornalista julga ter chegado — a cultura que é necessário explicar o que significa, no contexto, «Terreiro do Paço», não vá a sinédoque perder-se irremissivelmente. Isto faz-me lembrar aquela senhora de que fala Pedro da Fonseca, que, viajando, logo após o 25 de Abril, num autocarro da Carris, vai ufana com o seu passe social na mão. A certa altura, aparece um revisor, que lhe pergunta para onde vai. «Para o Têrreiro do Passe!» E ontem, na Antena 1, 13.04: «Em Lisboa, a Avenida Infante Dom Henrique, sentido Praça do Comércio-Santa Apolónia, em frente ao parque da Marinha, na zona do Torreiro do Paço, houve um despiste de um veículo.» Lapsus linguae ou lapsus calami? Cálamo. Cala-m’o bico. Será lapsus digiti.

18.7.07

Tradução

Art subtilior

«Esa mayor implicación de la población con respecto a unas fuerzas armadas crecientemente nacionalizadas alcanzó su punto culminante con la práctica universalización del servicio militar obligatorio a partir de la guerra franco-prussiana.» Ah, é simples, pensou o tradutor: «Essa maior implicação da população com as forças armadas, crescentemente nacionalizadas, atingiu o seu ponto culminante com a prática da universalização do serviço militar obrigatório, após a guerra franco-prussiana.» De certeza? Então que veja esta citação, em que surge a mesma locução: «Seguramente no somos demasiado ajenos a que en la región se haya alcanzado la práctica universalización de la educación básica y una igualdad de sexo en el acceso a la misma. No obstante quedar aún mucho por hacer» («Cultura y mundialización en el contexto iberoamericano», M.ª del Rosario Fernández Santamaría, aqui). Ou esta: «Desde la aprobación de la Ley General de Sanidad en 1986, la práctica universalización de la cobertura sanitaria pública ha reducido las desigualdades en el acceso a los servicios sanitarios públicos» (Informe SESPAS, Joan Benach e Rosa María Urbanos, aqui). E, finalmente, e para não perdermos mais tempo, o título «Un fundamento didáctico para la práctica de la universalización de la educación médica» (aqui). Ainda acha que é o mesmo? Faz lembrar o virtual.

17.7.07

Uso da maiúscula

Papas: Leão X ou Cerelac?

«O tio de Lorenzo II [de Medici, a quem Nicolau Maquiavel dedicou O Príncipe], o papa Leão X, tinha-lhe arranjado o casamento com uma sobrinha do rei de França» («Quadro de Rafael leiloado por preço recorde», Daniel Santos, Público, 7.07.2007, p. 27). Mas o Público não grafa com maiúscula o vocábulo «papa»? Julgava que sim: «O antigo ritual da missa católica — o rito de S. Pio V ou rito tridentino — passa, a partir de hoje, a ser de utilização livre, de acordo com uma decisão do Papa Bento XVI» («Bento XVI liberaliza hoje missa em latim», António Marujo, Público, 7.07.2007, p. 23). «O Papa Bento XVI apela à responsabilidade dos media [sic] e à noção de serviço público por parte das empresas de comunicação social e dos jornalistas» («Bento XVI quer meios de comunicação social responsáveis», A. M., Público, 27.05.2006, p. 3). «Só que, por um lado, até o Papa Ratzinger percebe a futilidade desta empresa e várias vezes preveniu que a reprovava» («Uma cruzada?», Vasco Pulido Valente, Público, 27.05.2006, p. 48).
Por outro lado, não deixaria de escrever, como faz o Sol e muito bem, «Lourenço»: «Lourenço II de Medicis, Duque [sic] de Urbino e governador de Florença de 1513 a 1518, era sobrinho do Papa Leão X, que, desejoso de consolidar a posição da família no panorama internacional, promoveu o casamento dele com Madeleine de la Tour d’Auvergne, prima de Francisco I, rei de França.» E, melhor ainda, Médicis, como em Lourenço de Médicis, o Magnífico, o título da obra de Jack Lang, publicada pela Bertrand.

16.7.07

Léxico: triclínio

Na cama com os Romanos

Uma leitora, Luísa Pinto, quer saber o nome específico de cada um dos assentos em redor de uma mesa, entre os Romanos. Ora, se pretende o nome específico, deduzo que sabe que triclínio (a partir de acclinis, -e, «que pende sobre, que está apoiado em») era a designação do conjunto dos três assentos, dispostos em ferradura. À própria divisão se deu o nome de triclínio. Cada assento tinha, por sua vez, o nome de lectus triclinaris ou discubitorius*, klinai ou podia — que não passaram, tanto quanto sei, para o português. Contudo, por metonímia, também se designa triclínio cada um desses leitos de mesa. Cada leito e cada um dos três lugares no leito tinha uma ordem de importância: lectus summus, lectus medius e lectus imus.


* De leitos percebiam os Romanos: o lectus cubicularis era para dormir; o lectus genialis era o leito nupcial, para o qual o casal se dirigia após a festa de casamento; o lectus adversus, para depois da consumação do casamento; o lectus lucubratorius, uma cama para estudar (mas «Estudo na cama, estudo na lama», como costumava dizer o Prof. Doutor Ruy de Albuquerque); o lectus funebris, uma espécie de padiola.

13.7.07

Antigás ou antigásico?

Máscara alemã da II Guerra Mundial: http://www.claseshistoria.com/

Antigas e modernas


      «Sobre estas líneas, adiestramiento en el uso de máscaras antigás.» O tradutor, por lapso desculpável, escreveu: «Em cima, treino no uso de máscaras antigas.» Não foi, certamente, esta possível confusão que levou alguns estudiosos da nossa língua a preferirem o termo «antigásico» em vez de «antigás», como José Pedro Machado, que, no Grande Dicionário da Língua Portuguesa, escreve: «Antigás, antigásico, adj. Que defende ou previne os efeitos dos gases deletérios.║É preferível a segunda destas formas.»

Ortografia: Árctico

Salvem a ortografia

      «Diz-se que nadaram mais de 27 mil quilómetros e, apesar de alguns terem ficado retidos no frio congelante do Ártico, outros resistiram e chegarão agora a Inglaterra» («Salvem os patinhos de borracha», Marina Chiavegatto, Público/P2, 12.07.2007, p. 6). Não é muito comum ver correctamente escrito este topónimo. Escreva-se «Árctico».

Uso das aspas

Uma coisa em forma de assim

«Os chefes dos três ramos das Forças Armadas proibiram os militares no activo de participarem, hoje, numa vigília de protesto frente à residência do primeiro-ministro» («Sargentos em “vigília” proibida contra Governo», Paula Torres de Carvalho, Público, 12.07.2007, p. 7). As aspas estão a mais ou são necessárias? Era uma vigília ou não era?

Pronúncia: «fretado»

Boca hiante

Nas notícias das 14.00 de ontem, na Antena 1, o jornalista referiu que a TAAG (Transportes Aéreos de Angola) voltara a voar para Lisboa, contornando a proibição de voar no espaço aéreo europeu através de aviões fretados. E pronunciou este «fretados» com e aberto: /frétados/. Mas não. Em «frete» o e é (maioritariamente) aberto porque é sílaba tónica; em «fretado» não é sílaba tónica. O mesmo erro acontece, e com mais frequência, na pronúncia da palavra «drogado».

12.7.07

Pronúncia: «in loco» e «grosso modo»

Non probatus



      «Por isso, se puder, conheça em loco [lóco], em loco [lôco], a “Maison Tropicale” […]» (Palavras Soltas, Sic Notícias, Bárbara Guimarães, 11.07.2007). A expressão latina é in loco e esta última palavra pronuncia-se /lóco/. Igualmente maltratada é a locução grosso modo, que significa «de modo grosseiro», «aproximadamente», e se deve pronunciar como se fazia em latim: /grósso módo/. Na escrita, deve ser realçada em itálico ou entre aspas. Um erro muito difundido no Brasil é juntar, para tudo piorar, a preposição a: a grosso modo.



Tradução

No fio da navalha



      Dizia o original: «La “democratización” de la lucha, impulsada por el mito revolucionario francés de la nación en armas, vino unida a una transformación acelerada de la técnica armamentística, al hilo de los principales logros de la Revolución Industrial.» O tradutor não achou especialmente difícil: «A “democratização” da luta, impulsionada pelo mito revolucionário francês da nação em armas, veio unida a uma transformação acelerada da técnica de armamento, ao fio dos principais ganhos da Revolução Industrial.» Entre os vários erros, este «ao fio dos» é arrepiante. A locução prepositiva espanhola al hilo de ou al filo de significa muito pouco antes ou depois de: Al hilo de la medianoche. «Por volta da meia-noite.» Não sabemos se foi um pouco antes, se um pouco depois da meia-noite. Sabemos é que se perdem vocações noutras áreas…

Contracções

Contrai, descontrai

«Foi depois dos taliban tomarem o poder em Cabul, em 1996, que o traje — tornado obrigatório para as mulheres — ficou mais conhecido, recorda a AFP» («O “golpe da burqa” tem história, mas continuará a funcionar?», Francisca Gorjão Henriques, Público, 7.07.2007, p. 5). Nesta frase, a preposição de não deveria estar contraída com o artigo o: «Foi depois de os taliban tomarem o poder em Cabul […].» A regra não é esotérica: quando seguida de construções de infinitivo, não se contrai a preposição de com o artigo que precede o substantivo, pois a preposição não está relacionada com esse substantivo, mas com a acção traduzida pela forma verbal. É um dos erros mais comuns em português, abundantíssimo nos jornais. Mais um exemplo na mesma edição do Público: «No programa de Larry King, anteontem à noite, a jovem herdeira Paris Hilton confessou que nunca usou drogas, que não é de beber muito álcool e que apesar de considerar injusta a sua prisão — por guiar sem carta, depois desta ter sido apreendida por conduzir alcoolizada —, Deus deverá ter uma razão para o que lhe aconteceu» («Hilton leu a Bíblia na cadeia», Público/P2, 7.07.2007, p. 22). Mas atenção: por vezes, é obrigatória a contracção e quem escreve não a faz.

11.7.07

Apostila ao Ciberdúvidas

Imagem: http://www.answers.com/topic/

Ossos e músculos do ofício

Francisco Pires*, um português a estudar em Jyväskylä, na Finlândia, perguntou ao Ciberdúvidas como se traduz para português o nome de vários músculos. Em relação a dois deles, foi induzido em erro pelo consultor José Carlos Ferreira. De facto, a musculi occipitofrontalis venter frontalis e a musculi occipitofrontalis venter occipitalis não corresponde, como escreve o consultor, «ventre occipital do músculo occipito-frontal» e «ventre frontal do músculo occipito-frontal», respectivamente. Em ambos os casos — occipitofrontal. O antepositivo occipit- (e também ocipit-, na variante brasileira) solda-se sempre com o elemento que se segue: occipitatloideu, occipitatloidiano, occipitauricular, occipitaxóideo, occipitepicraniano, occipitodorsoscapular, occipitoparietal, etc. Tenho, porém, a certeza de que o Ciberdúvidas vai corrigir o erro, como agora já faz quando vê aqui e ali, e mais aqui que ali, que alguém se lhe referiu.

* Este consulente foi o autor da dúvida n.º 18 000, com honras na imprensa, em 2004. A imprensa só se esqueceu de referir que não houve nenhum esclarecimento. E a pergunta era clara e simples: que nome tem em português o Hippophae rhamnoides L.? É o nosso espinheiro-das-areias.

YouTube, You Tube ou Youtube?

A terceira via

«Segundo a versão mais recente do NetPanel da Marktest, “YouTube” é o termo de busca mais utilizado pelos portugueses. […] Para além disso, a sétima expressão mais pesquisada era uma variação do nome do serviço de vídeo — “You Tube” (com um espaço entre as duas palavras)» («Favorito entre os portugueses», Pedro Ribeiro, Público/Digital, 7.07.2007, p. 7). Mas quem fez a primeira página não leu este artigo, e por isso escreveu: «Youtube, a força do vídeo na Internet».

«Governância» I

Língua desgovernada

      «A ex-delegada regional do Ministério da Cultura, Isilda Martins, durante a apresentação do projecto, explicou que a origem da palavra governância “tem origem na Idade Média e significa governar com arte, ética e sabedoria”» («Município de Loulé apresenta proposta de governância para 20 anos», Idálio Revez, Público, 7.07.2007, p. 30). A origem tem origem? Não interessa. Tem origem, sim, mas em que língua? De um artigo («Nova governação, nova cidadania? Os cidadãos e a política em Portugal», in Revista de Estudos Politécnicos, 2005, vol. II, n.º 4, 029-038) do Dr. Carlos Jalali, professor de Ciência Política da Universidade de Aveiro, extraio a seguinte nota da página 34: «A expressão ‘nova governação’ é aqui usada como tradução do conceito de ‘governance’, dada a ausência de uma tradução consolidada deste conceito. Efectivamente, podem ser identificadas pelo menos três traduções rivais do conceito de ‘governance’ em português: ‘governação’ (viz., documento “Um Livro Branco sobre a Governação Europeia — Aprofundar a Democracia na União Europeia”, Comissão Europeia, SEC(2000) 1547/7, de 11 de Outubro de 2000); ‘governança’ (“Governança Europeia: Um Livro Branco”, Comissão Europeia, COM(2001) 428 final, de 25 de Julho de 2001); e ‘governância’ (OCDE, A Governância no Século XXI, 2002).» Não chegam «governação» e «governança» e «governo»? Ou é um conceito completamente diferente, a precisar de um vocábulo novo que o expresse? Como diria Miguel Esteves Cardoso, diz que sim, penso que não, mas enfim.

10.7.07

Ortografia: antiaéreo

Pólvora seca

«Foram encontradas duas armas anti-aéreas no telhado da casa suspeita, que fica perto do aeroporto, mas não tinham sido disparadas, diz a agência Reuters» («Alguém disparou ontem contra o avião em que seguia o Presidente paquistanês na cidade de Rawalpindi», Público, 7.07.2007, p. 26). E talvez nunca disparassem, pois são armas defeituosas: as operacionais designam-se antiaéreas.

À custa de

Custas a cargo do arguido

«O acordo agora aprovado pela assembleia municipal foi agendado e discutido por diversas vezes no seio do executivo municipal, tendo Moita Flores “ameaçado” o PS de que, se fosse impedido de resolver o processo, iria, a custas próprias, fazer afixar na cidade painéis com a fotografia “desta vergonha socialista”» («Santarém acorda uma solução para “mamarracho” junto ao Tejo», Público, 7.07.2007, p. 29). E é caso para repetir só porque vem da Lusa? À custa de é uma locução prepositiva consagradíssima, não a deturpem.

Selecção vocabular

Sem efeito

«“Reunir muitos milhares de espectadores e assegurar-lhes segurança geraria problemas, perante o clima que reina no país”, afirmou» («Festivais internacionais novamente anulados no Líbano», Rute Barbedo, Público, 7.07.2007, p. 26). Um pouco deselegante, não? Talvez «garantir-lhes segurança» ficasse melhor, evitando duas palavras da mesma família *. Quanto ao título, «anulados» não me parece a melhor escolha vocabular. Talvez «Festivais internacionais novamente cancelados no Líbano». No próprio corpo da notícia também se lê: «A anulação dos festivais de Beiteddin e Baalbeck deve-se às recusas dos grupos internacionais, explicou Waffa Saab, porta-voz da organização de Beiteddin.» Por outro lado, é muito mais comum a grafia Beiteddine. E Beit Eddine. E Beit ed-Dine.

* Na mesma edição: «Um abaixo-assinado pedindo o recomeço do programa foi assinado em menos de um mês e até quinta-feira por 166.720 pessoas (http://arret-sur-images.heraut.eu/index.php)» («Napoleão, Napoleãozinho», Eduardo Cintra Torres, Público/P2, 7.07.2007, p. 14). Para evitar a repetição, deveria ter optado por «foi subscrito», por exemplo.

9.7.07

Portunhol e espanglês

Imagem: http://www.cinepop.com.br/


Misturas



      A propósito de José Saramago se ter exprimido em portunhol, lembrei-me da palavra inglesa spanglish, que vi recentemente traduzida por… portunhol! Não é de cair para o lado de tão ridículo? Spanglish só podia ser uma amálgama de espanhol com inglês, conceito que não podemos traduzir por portunhol. Será por espanglês, e até há um filme recente com este título (traduzido, claro).

Democracia musculada

Olho vivo

«Ainda não foi desta que a França deu um passo em frente para sair do regime napoleónico, aristocrático e timorato da liberdade de imprensa que caracterizam a sua democracia. Depois de Putin, Chávez, Sócrates e Santos Silva, Sarkozy junta-se aos adeptos das democracias musculosas» («Napoleão, Napoleãozinho», Eduardo Cintra Torres, Público/P2, 7.07.2007, p. 14). A locução já consagrada é «democracia musculada». O verbo caracterizar deve, naturalmente, concordar com o sujeito — regime. Outra vez: «Ainda não foi desta que a França deu um passo em frente para sair do regime napoleónico, aristocrático e timorato da liberdade de imprensa que caracteriza a sua democracia. Depois de Putin, Chávez, Sócrates e Santos Silva, Sarkozy junta-se aos adeptos das democracias musculadas.»

Dupla negativa

Abrupto, o pensamento

      «Ora não há qualquer prova de que tal existiu, nem o bom senso e o conhecimento da realidade no terreno o revela, até porque, meus amigos!, estamos em Portugal e em Portugal ninguém conspira sem que não se saiba ou se venha a saber, e as conspirações são umas coisas amadoras e adolescentes, mais espertas do que inteligentes, e nunca resultam» («Um problema para as eleições de Lisboa: segurança eleitoral», José Pacheco Pereira, Público, 7.07.2007, p. 45).
      A duplex negatio dos Romanos ainda faz andar a cabeça à roda aos Portugueses. Não, não, desnecessariamente complicado. Tentemos assim: «Ora, não há qualquer prova de que tal existiu, nem o bom senso e o conhecimento da realidade no terreno o revelam, até porque, meus amigos!, estamos em Portugal e em Portugal ninguém conspira que não se saiba ou se venha a saber, e as conspirações são umas coisas amadoras e adolescentes, mais espertas do que inteligentes, e nunca resultam.»

Revés/reveses

Vezes e revezes

«O Washington Post comentava que este é um dos maiores revezes para a Casa Branca, que tentava com muito esforço evitar a divisão entre republicanos no Congresso e no Senado sobre o Iraque — por causa da importância do senador Dominici» («Senador republicano quer mudança no Iraque», Público, 7.07.2007, p. 26). Para a ortografia portuguesa não é um dos maiores reveses, mas não prestigia o Público.

8.7.07

Sob e sobre, outra vez

Deixa-me rir

Eduardo Madeira — o humorista, não o ciclista — é, sem qualquer dúvida, muito talentoso, mas tem de ter atenção a certas coisas elementares na escrita, e não é exigir muito a quem vive desta: «A lógica desta junta parece-me, sobre um certo ponto de vista, acertada» (Destak Fim-de-Semana, «Lógica kafkiana», 6.07.2007, p. 7. Ver aqui). É sob que se diz e, melhor ainda, conforme ensinava o Prof. Vasco Botelho de Amaral, de: «A lógica desta junta parece-me, de um certo ponto de vista, acertada.» Já que somos tão solícitos em imitar os estrangeiros, que imitemos o melhor deles. Não é, infelizmente, a primeira vez que aqui falo desta questão tão comezinha.

7.7.07

Está bem?

Obrigado

Ao passar por uma rua aqui em Benfica, vejo uma engomadaria com um nome que é um achado: Passar Bem!, a saudação brasileira. Por associação de ideias, lembrei-me do meu pai, que cumprimentava sempre as pessoas com um «está bem?», e não o, agora comum, «está bom/boa?». Lembrei-me depois de ter lido algo sobre o assunto em Pedro da Fonseca — não o Aristóteles Lusitano, de Proença-a-Nova, mas o padre Pedro da Fonseca, de Vide-entre-Vinhas, autor de um estimável (mas a precisar de uma revisão tipográfica profunda, não se podendo fazer um expurgo anti-reaccionário) Venha Comigo Aprender Português, publicado em 2002. «“Bom ou mau”, referido a pessoas, denotam, por certo, qualidades morais, boas ou más. Trata-se, pois, de comportamento ou de sentimentos. Saudando alguém, não temos em vista as suas qualidades ou atitudes, como também os sentimentos pessoais. Indagamos, sim, da maneira como vive… se tudo corre bem ou então vai mal. Em razão disto, a forma correcta é a seguinte: Está bem? Está mal?» (p. 7 da obra citada).

6.7.07

Conjugação perifrástica

Ah, não

«O meu minuto vai para um somatório de tiques autocráticos do actual Governo e da actual maioria que começam, pelo seu volume, a serem preocupantes» (Guilherme Silva, deputado social-democrata ao Jornal das Nove, da SIC Notícias, 4.7.2007). «Começam a serem»? Na conjugação perifrástica, se o verbo auxiliar, que não seja um infinitivo, preceder um infinitivo, é incorrecto flexionar este último. Na TLEBS, que ainda não morreu, ou se está morta jaz insepulta, no subdomínio da semântica frásica, considera-se a forma começar a (tal como acabar de, andar a, continuar a, deixar de, estar a, ficar a, ir a e vir a) + infinitivo como marca da categoria aspecto gramatical. O aspecto, lembremo-lo, exprime o ponto de vista do locutor em relação ao desenrolar da acção, que, neste caso, é inceptivo ou incoativo, ou seja, exprime o começo de acção. O aspecto incoativo pode ser expresso não somente pela perifrástica como também pelo próprio conteúdo lexical do verbo (Elas adormeceram logo.) ou pelo sufixo (Amanhecia e era Setembro.).

5.7.07

Comuníssimo

Se não sabe, não diga

«Eu dou um exemplo, quer dizer, que é comunsíssimo» (Prof. Diogo Leite Campos, fiscalista, em entrevista ao Jornal das Nove, Sic Notícias, 4.7.2007). Valha-me Deus! O superlativo absoluto sintético de comum é comuníssimo. Porque provém do latino commune-. Como é que um professor universitário se exprime assim? Que alguém lhe diga: dlcampos@fd.uc.pt.

Ora seja?

Id est

Já não há dúvidas: Mário Crespo, ora seja muito bem-vindo de novo a este espaço, julga que ao dizer «ora seja» está a dizer qualquer coisa com o mesmo significado da locução explicativa «ou seja», «isto é». Não está. E seria bom que alguém lhe dissesse, porque Mário Crespo não tem manifestamente conscientia sceleris. A bem dos telespectadores.

4.7.07

Semântica: «mongolismo»

Uma controvérsia


      A leitora M. A., em conversa com um amigo, usou o termo «mongolismo», tendo sido censurada por o ter feito, pois, na opinião desse amigo, era termo «popularucho», querendo com isso significar que era próprio dos ignaros usá-lo. M. A. quer saber a minha opinião. Bem, é verdade que algumas, pouquíssimas, publicações e sites se vêem forçados a explicar que é termo «popular» ou usado pelo «vulgo». Contudo, é bom ver mais longe. Assim, só em 1964 é que a revista médica The Lancet deixou de usar o termo; a Organização Mundial de Saúde (OMS) fê-lo em 1965 e o Index Medicus só em 1975 o expungiu. Aliás, se é pejorativo é para os Mongóis, pois foi a representação da Mongólia junto da OMS a primeira a apresentar um protesto formal pelo uso do termo em medicina. À luz da teoria da evolução, parecia o termo adequado, e a designação síndrome de Down, que é uma homenagem ao médico inglês John Langdon Haydon Down (1828-1896), que em 1866 descreveu algumas crianças com esta síndrome internadas num asilo em Surrey, só mais tarde foi adoptada. Somente em 1958, com a descoberta do Dr. Jérôme Lejeune (1927-1994) de que esta síndrome é provocada pela existência de um cromossoma 21 supranumerário, é que se passou a designar por trissomia 21. Nenhum dos dicionários que consultei dá conta do facto de ser vocábulo pejorativo, excepto o Dicionário Médico de L. Manuila et al., publicado pela Climepsi, que diz que é «termo actualmente rejeitado», embora não se abstenha de, no verbete «síndrome de Down» (e, significativamente, não deixa de ter o verbete «mongolismo»), referir os «Mongóis» e o «fáceis mongólico».

Ortografia: videoconferência

A propósito

      «E-mail e vídeo-conferência no televisor lá de casa» (Nuno Sá Lourenço, Público/Digital, 30.06.07, p. 7). O Público insiste em grafar desta forma a palavra, embora não ignore que o elemento video- se solda sempre ao elemento que se segue: videoalarme, videoamador, videocâmara, videocassete, videofone, videografia, videojornal, videoteca…      Mais à frente: «Uma das soluções que estamos a estudar é receber no televisor as suas mensagens. Ou [,] por exemplo, vídeoconferência no mesmo televisor.» Pelo acento agudo, percebe-se que falta o hífen repetido na linha de baixo. Faltará mesmo? Lembram-se das instruções para as propostas de escrita das provas de aferição de Português? Pois bem, recordem-se que são erros ortográficos, entre outros (e o perigo de esta indicação não ser taxativa está à vista), a «ausência de duplo hífen na translineação de palavras com hífen». Isto é o que toda a gente diz, se bem que as gramáticas e prontuários afirmem algo diverso: «Como se sabe, o hífen usa-se no final de uma linha, se é necessário partir a palavra para continuá-la na linha seguinte. No caso de a palavra já conter em si um hífen e partir por aí no final da linha, é preferível repetir o hífen na linha seguinte, pois a escrita ficará mais clara» (Novo Prontuário Ortográfico, José Manuel de Castro Pinto, 2.ª ed., Plátano Editora, 2002, p. 179). Preferível. Não me parece muito judicioso tornar obrigatório o que sempre foi opcional.

3.7.07

Léxico: «edêntulo»

Assim não morde


      A leitora Ana Correia quer saber o que significa «edêntulo», pois não vê a palavra dicionarizada. Não sei se viu ou ouviu a palavra isolada ou, pelo contrário, inserida numa frase. Se foi isto que aconteceu, estava decerto a qualificar, pois é um adjectivo, uma «mandíbula» ou um «maxilar». É conversa de dentistas, pois o vocábulo pertence ao léxico especializado desta profissão. Edêntulo, que provém do latim edentŭlus,a,um, significa desprovido de dentes, desdentado. Está registado no Dicionário Houaiss.



Topónimos estrangeiros

Imagem: http://www.zingtech.com/

Quente, quente…

«Num artigo sobre a construção do futuro aeroporto, um investigador do Massachussetts Institute of Tecnology (MIT), Richard de Neufville, agradece ao Governo português por este, através da assinatura de um acordo com o departamento de engenharia de sistemas desta universidade norte-americana, estar “a providenciar um importante apoio financeiro para o trabalho [do MIT] em planeamento de sistemas de aeroportos, concepção e gestão” (Público 21/06/07)» («Que modelo de universidade?», São José Almeida, Público, 30.06.07, p. 46). Não é verdade. O investigador é do Massachusetts Institute of Technology. Não está no Livro de Estilo, não é assim? Pois devia estar, já que é topónimo em que raramente se acerta.

2.7.07

Latim

É uma maneira de dizer

«[Correia de Campos] Exaltado, com razão — ali não era o local adequado para aquela questão — deixou vir ao de cima a formação jurídica que possui, ao referir, em latim, que não havia mal pelo facto de em 1989 ter participado num trabalho financiado por aquela multinacional farmacêutica e de ter requisitado um empregado daquela empresa para seu assessor, em tempo que não ficou bem definido» («O ministro da Saúde na Ordem dos Economistas», António Lares dos Santos, Público, 30.07.2007, p. 47). Não há escapatória: ou a frase está mal escrita ou o ministro é muito mais culto do que eu, preconceituosamente porventura, julgava. Só para não desmentir o meu cepticismo, opto pela primeira hipótese. Havia de ser bonito ver o ministro a dizer aquilo tudo em latim… O que o autor do texto queria escrever é que Correia de Campos usou uma frase ou brocardo latinos para repelir a insinuação. Qual, não sei; há milhares. Eu próprio tenho a cabeça cheia de brocardos, para o que der e vier. Talvez o ministro tenha exclamado Malitiis non est indulgendum, tendo depois pespegado um murro atroador na mesa, entornando a água, normalmente do Luso, imprudentemente despejada até ao limite nos copos dos oradores. Ou, sei lá, fiado na ignorância clássica (sem trocadilho…) dos circunstantes e com uma memória pouco colaborante, ter dito Mater sempre certa est.

Ortografia: contrapoder

Do contra

«A universidade é, desde a Idade Média, um espaço de liberdade, de procura de conhecimento e do diverso, de contra-poder até» («Que modelo de universidade?», São José Almeida, Público, 30.06.07, p. 46). De contrapoder será. Ou talvez queiram desmerecer a abonação do Dicionário da Academia: «contrapoder s. m. (De contra + poder). Força, poder que se opõe a uma autoridade estabelecida. “Uma sondagem […] revela que 51 por cento dos franceses deseja que o Presidente fique no Eliseu até 1995, quase como um contrapoder à maioria esmagadora” (Público, 30.3.1993).»

1.7.07

Plural dos apelidos

Os Silvas e os tradutores

      Como a ignorância persiste, volto ao tema. «No one knows this better than author and clinical psychologist Bill Anthony. A third-generation napper, he and his wife, Camille, instilled in their family a healthy appreciation for napping. With grandchildren of their own, the Anthonys have now perpetuated the tradition into the fifth generation.» Como podem ver, até em inglês se pluralizam os apelidos — embora os tradutores não o saibam.
      Vejam então como é em inglês: «When a family name (a proper noun) is pluralized, we almost always simply add an “s.” So we go to visit the Smiths, the Kennedys, the Grays, etc. When a family name ends in s, x, ch, sh, or z, however, we form the plural by added -es, as in the Marches, the Joneses, the Maddoxes, the Bushes, the Rodriguezes. Do not form a family name plural by using an apostrophe; that device is reserved for creating possessive forms.
      When a proper noun ends in an “s” with a hard “z” sound, we don’t add any ending to form the plural: “The Chambers are coming to dinner” (not the Chamberses); “The Hodges used to live here” (not the Hodgeses). There are exceptions even to this: we say “The Joneses are coming over,” and we’d probably write “The Stevenses are coming, too.”»