31.3.07

Léxico: «cabanil»

Basta!


«Bem-aventurados os pobres de léxico, porque deles é o reino da glória!»
Carlos Fradique Mendes

      Repare, caro L. T., que o vocábulo «grade» é polissémico. Grades há muitas: de cerveja ou de fruta; tabique ou vedação; palratório em conventos ou prisões; caixilho de quadro, porta ou janela; esqueleto de armação de certos móveis; molde para fabricar telha ou tijolo; reservatório de ração em cavalariça; máquina agrícola; armação de bastidores, etc. À armação protectora em volta de alguma planta, para que o gado, pessoas ou veículos a não danifiquem dá-se o nome de cabanil. Não devemos passar a vida a invejar, genuflectos e servis, o vastíssimo léxico do inglês e, ao mesmo tempo, desconhecermos e desprezarmos a riqueza do nosso. Se queremos que as coisas mudem, contribuamos activamente para isso, com estudo ponderado e muita leitura.

30.3.07

Colocação do pronome átono

Isto me parece

      O leitor J (e não seria melhor «J.»?) pede a minha opinião acerca da colocação do pronome átono na seguinte frase: «Ficou sentado, para que ela não fosse levantar-se.» Se se tratasse de um infinitivo solto, como defende a Nova Gramática do Português Contemporâneo, mesmo quando modificado por negação, como é o caso, seria lícita a próclise e a ênclise, «embora haja acentuada tendência para esta última colocação pronominal» (p. 312 da 3.ª edição, 1986). Tratando-se de uma locução verbal, a mesma gramática defende a ênclise ao infinitivo e ao gerúndio, e a próclise ao verbo auxiliar «quando ocorrem as condições exigidas para a anteposição do pronome a um só verbo» (p. 315). Ora, no caso, estas condições não impõem taxativamente a anteposição do pronome, pelo que é indiferente usar a próclise ou a ênclise. Assim, podemos escrever: «Ficou sentado, para que ela não se fosse levantar»; «Ficou sentado, para que ela se não fosse levantar»; «Ficou sentado, para que ela não fosse levantar-se».

Tradução: «gutter»

Imagem: http://cephas.net/photos/

Para quem é…

É muito estranho ver confundir o inconfundível, mas há tradutores que chegam lá: «Ed notices the odd wooden gutters that jut way out from the house and pour into the yard.» O nosso tradutor achou que seria algo como: «Ed repara nas estranhas sarjetas de madeira que se projectam da casa e escoam para o pátio.» Como é que uma sarjeta se projectaria de uma casa? Sim, a água de um algeroz, de uma caleira ou de uma goteira («gutter: etymology: Middle English goter, from Anglo-French gutere, goter, from gute drop, from Latin gutta», in Merriam-Webster) irá, possível mas não necessariamente, desaguar numa sarjeta, mas não o contrário. É preciso algum discernimento. Exemplos comezinhos, sim, mas que farão um leitor mais exigente desprezar o livro que adquiriu — ou não o comprar se calhou ver o dislate na livraria onde o folheou.

Léxico: «topiaria»

Imagem: http://www.topiaryinc.com/


Eis que surge



      Confesso: andava há muito tempo a pensar no facto de certas palavras nunca as usarmos nem as vermos usadas em toda a nossa vida. Uma destas era a palavra «topiaria», que sempre me ocorria de cada vez que passava por determinado jardim numa vila alentejana, mas que nunca se proporcionou o ensejo de a transmitir a outra pessoa. Eis que surge numa tradução. «A stone walk lined with rose topiaries leads to the door, as it does in thousands of gardens where no Jane [refere-se a Jane Burden, mulher de William Morris. O outro ludibriado era Dante Gabriel Rossetti] ever juggled two men.» Ainda assim, o tradutor errou no acento: «Um passeio de pedra com uma fila de topiárias de roseiras conduz à porta, como em milhares de jardins onde nenhuma Jane intrujou dois homens.» Na verdade, topiaria: arte de arranjar os jardins, dando a grupos de plantas configurações diversas, especialmente em arbustos como o buxo, por exemplo. E, é claro, o topiário é o jardineiro que pratica a topiaria, a quintessência da natureza domesticada pelo Homem.


Léxico: pangau

Continua, que vais bem

      É dos filmes: um nababo está repoltreado entre coxins e ricos adornos e um escravo puxa uma corda presa a um abano rectangular de tecido dependurado do tecto, para que o vaivém refresque o seu senhor. A leques com estas características dá-se o nome de pangau.

Conjugação perifrástica

Pode repetir?


      «We’re supposed to be afraid?», perguntava-se candidamente no original. O tradutor percebeu como todos nós percebemos, mas a gramática claudicou. Escreveu, pois, o tradutor: «Deveremos termos medo?» Como estamos perante uma construção perifrástica, o verbo modal dever (os verbos auxiliares mais frequentes da conjugação perifrástica são ir, vir, andar, dever, deixar, ter, estar, haver, começar ou continuar) funciona como auxiliar (para alguns, semiauxiliar) e, por isso, é o verbo flexionável, isto é, é o verbo que indicará a pessoa, o tempo e o modo. O verbo ter, principal ou regente, ficará no infinitivo impessoal, visto que a marca da pessoa já foi referida no verbo auxiliar.

29.3.07

Letra e grafia

Ai sim? Então…

F. V. P. da Fonseca tem razão: é um contra-senso dizer-se ou escrever-se que alguém tem «péssima caligrafia». Como também não faz sentido dizer-se «ortografia correcta». Contudo, no texto de opinião «O ensino da gramática e a terminologia», publicado originalmente no jornal Público no dia 13 de Dezembro de 2006 e reproduzido no dia seguinte no Ciberdúvidas, a Prof.ª Maria Helena Mira Mateus escreveu: «Ora, se pensarmos na importância social e linguística que tem a ortografia, percebemos a utilidade de classificar uma palavra como “esdrúxula”, pois nesse caso o aluno sabe que ela se escreve com um acento gráfico indicativo do lugar da vogal tónica; igualmente, ao classificar certas palavras como “agudas” porque terminam numa vogal como a de café, o aluno sabe que a ortografia correcta deste tipo de palavras exige um acento gráfico indicativo da pronúncia da vogal final da palavra.» Grafia correcta ou ortografia oficial deveria ter sido escrito.

28.3.07

Semântica: «montepio»

Tontinas



      Agora que o Montepio Geral está a fazer uma grande campanha publicitária, na qual mostra em que difere de um banco tradicional, surge a oportunidade de analisar o vocábulo «montepio». Parece ser composto por aglutinação — será? Segundo consta, foi Francisco de Assis que, corria o ano de 1674, fundou a primeira casa que concedia empréstimos aos pobres com garantia de roupas, móveis e outros objectos de casa, que em italiano adquiriu o nome de monte di pietà — monte de piedade. Claro que este monte não é como o monte Santo, Monsanto, mas um monte de dinheiro, disponível para emprestar aos pobres. A ideia foi copiada em toda a Itália e até noutros países da Europa. Em França deu-se-lhe o nome de mont-de-piété; em Espanha, monte pío ou montepío; em Portugal, montepio. Há igualmente uma outra espécie de associação mútua com alguma semelhança (e que nos modernos dicionários constitui uma segunda acepção do vocábulo), que são as tontinas, concebidas pelo banqueiro napolitano Lorenzo de Tonti, nas quais cada sócio deposita certa quantia, para constituir uma renda vitalícia que, em data determinada, deverá ser repartida pelos sócios sobreviventes. A demonstrar que não é um conceito ultrapassado, vejo que no Decreto-Lei n.º 28/2000, de 28 de Dezembro, publicado no Diário da República de… São Tomé e Príncipe, foi regulamentada uma tabela de ramos de seguro em que figura o seguro de tontina.


27.3.07

Léxico: morganático

Guten Morgan!

      A leitora F. A. pede-me que explique o que é um casamento morganático. É o que farei, começando por dizer que a figura do casamento morganático nunca existiu legalmente em Portugal, conforme se pode ler nas «Instituições de Direito Civil Português», da autoria de Pascoal José de Melo Freire (Boletim do Ministério da Justiça, n.º 49, Julho de 1955, p. 62). Casamento morganático é o casamento entre um príncipe e uma mulher de classe social inferior, ou entre uma princesa e um homem de classe social inferior, e no qual cada cônjuge conserva a sua condição social anterior — o que tem consequências no que respeita ao património e à descendência. Este tipo de casamento surgiu nos Estados germânicos na Idade Média, e posteriormente estendeu-se a quase toda a Europa. Ao acto estava associado um ritual preciso: na manhã que se seguia ao matrimónio, o marido, em presença de amigos e parentes de ambos, dava à mulher um presente simbólico (em alemão designado morgangeba, vocábulo formado de morgan (manhã) e geba (dar), que latinizado veio a dar morganaticus); esta, ao recebê-lo, perdia qualquer direito a títulos e reclamações posteriores sobre o património do marido, renúncia extensiva aos filhos de ambos.
      Na prática, claro que também em Portugal houve casamentos morganáticos. Um dos mais conhecidos foi o de D. Fernando II com a cantora de ópera suíço-alemã Elise Hensler, depois condessa d’Edla (22.05.1836―21.05.1929). Há, aliás, uma biografia, publicada em 2006 pela Alêtheia Editores, da autoria da jornalista Teresa Rebelo cujo título exprime esta condição: Condessa d’Edla ― A cantora de ópera quasi rainha de Portugal e de Espanha (1836-1929).
      Antes do casamento de Carlos de Inglaterra com Camilla Parker-Bowles, o deputado trabalhista Andrew McKinlay perguntou durante uma audiência se o casamento de Charles e Camilla Parker-Bowles seria «morganático», ou seja, o deputado pretendia saber se Camila perderia automaticamente o direito ao título de rainha, no caso de Carlos suceder a Isabel II.

25.3.07

Sela de borrego e guarnições


E não parece?



      Recentemente, um tradutor perguntava ao Ciberdúvidas se se devia escrever «cela de borrego» ou «sela de borrego». Dizia-se inclinado para a última forma, pela «correspondência» anatómica e porque em inglês é saddle of lamb. Mas um chefe grafara «cela de borrego» e ele, tradutor, ficou «às escuras». Vê-se logo que nunca entrou num talho. Ora veja lá: a imagem sugere-lhe uma gaiola ou uma sela de montar? Trata-se de uma catacrese, e muito bem conseguida, com que se designa esta peça anatómica do borrego, correspondente às costelas, numa só peça. A consultora não foi muito esclarecedora, como por vezes acontece: «No que diz respeito à sua segunda dúvida, também me parece que o mais correcto (quer pela correspondência anatómica, como refere, quer pelo significado da palavra cela) será “sela de borrego”.» Não apenas o inglês, mas também o espanhol nos serve de ajuda, pois nesta língua diz-se «silla de cordero (piernas y cadera sin cortar)». Descarnadas, sim, pareceriam o cavername de uma embarcação, e então a semelhança com uma gaiola seria maior.
      E porque vem a talhe de foice (e melhor diríamos, no caso, a talhe de cutelo), refiro uma tradução recente que me chegou às mãos. Dizia o original inglês: «The famous Tuscan crostini, rounds of bread for many delicious toppings, here are deep-fried disks of pizza dough, which are then spread or piled with whatever the cook fancies.» Verteu o tradutor: «O famoso crostini Toscano, círculos de pão para muitos toppings deliciosos, são aqui rodelas bem fritas de massa de pizza, cobertas ou empilhadas com qualquer que seja a fantasia do cozinheiro.» Esqueçamos o «Toscano»; detenhamo-nos nos toppings. Mas então, a tradução não era do inglês para português? E desde quando toppings não tem equivalente português? O contexto, valha-me Deus, não ajudava de uma forma inequívoca? Use your head. O nome o sugere: são coberturas, guarnições usadas em culinária.

Mouros e muçulmanos

É o mesmo?

A propósito de moedas visigóticas cunhadas no actual território português, escreve José Norton: «Dos muçulmanos, alguma coisa mais ficou, para além dos castelos, que geralmente se considera serem herança dos mouros» («Moedas visigóticas em Portugal», Expresso/Actual, 3.3.2007, p. 44). A pergunta que se impõe é: a distinção é técnica ou meramente literária? Isto é, usa o autor os termos «muçulmanos» e «mouros» apenas para não repetir um deles, ou é uma distinção técnica? Vejamos o que, a propósito da mesma matéria, escreveu Vasco Botelho de Amaral: «Lembrarei também o facto curioso de se designar com a palavra Mouros ou Moiros os Muçulmanos que estiveram dominando a Península. Propriamente, Mouros refere os naturais da Mauritânia, isto é, os da região do norte africano correspondente ao Marrocos actual na maior parte. Quando se deu a invasão da Península, além de Mouros propriamente ditos, outros invasores se contavam no número dos Muçulmanos, isto é, no número dos que, seguindo a doutrina do alcorão, por ela vinham conquistar o território hispânico. Nestas condições, a exactidão pediria que lhes chamássemos Muçulmanos, e não apenas Mouros.
Todavia, a palavra Mouros ou Moiros entrou para sempre na língua com o significado genérico de Muçulmanos.
O nosso povo, diante de ruína antiga, diz que “é do tempo dos Mouros”. E dizemos todos — moiras ou mouras encantadas, e não… muçulmanas encantadas, o que seria exacto, porém cómico» (A Bem da Língua Portuguesa, edição da «Revista de Portugal», Lisboa, 1943, p. 81).

24.3.07

Corão e Alcorão, outra vez

Ainda estão a tempo

Uma vez que se trata de um erro fundamente enraizado, gostaria de apresentar a posição do Prof. Vasco Botelho de Amaral, constante da obra A Bem da Língua Portuguesa, edição da «Revista de Portugal», Lisboa, 1943, pp. 80-81:

«E porque falei em Alá, aproveito a oportunidade para lembrar que o livro sagrado da religião maometana se denomina alcorão. Ora, como o artigo árabe corresponde em tradução ao artigo português, há por aí algumas pessoas (até autores de livros de certa responsabilidade) que imaginam ser errado dizer o alcorão, e chamam antes (talvez por imitação do francês ou do espanhol) corão (sic!) ao livro sagrado dos Árabes. E raciocinam: o alcorão equivale a — o o corão, pois al = o. Tal imaginação é algo ridícula, visto que, se passarmos a substituir alcorão por corão, nesse caso a lógica mandará que, disparatadamente, chamemos finete ao alfinete, gibeira, à algibeira, mofada à almofada e assim por diante…
Em português a denominação correcta da bíblia muçulmana só deve ser, pois, alcorão!»

23.3.07

Termos técnicos da edição

Dos livros

Entende-se por depósito legal o depósito obrigatório de um ou vários exemplares de toda e qualquer publicação, feito numa instituição pública para tal designada. Em Portugal, esse serviço é administrado pela Biblioteca Nacional. É justamente do site da BN que respigo o seguinte vocabulário relativo à edição, que reputo de alguma utilidade.


Edição corrente — Publicação, em formato normalizado, de uma obra destinada ao mercado geral. Edição normal. Edição ordinária.

Edição especial — Diz-se da edição de uma obra clássica ou das obras de um autor clássico reimpressa com outro formato, compreendendo por vezes uma introdução, notas, apêndices, ilustrações e apresentando com frequência um novo título; diz-se de uma edição que se distingue da edição vulgar, quer pela qualidade do papel e da encadernação quer pela adição de ilustrações. Edição extra; número extra ou aumentado de uma publicação periódica ou outra dedicada a determinado assunto, cidade país, região ou editada aquando de um aniversário, Natal ou número especial; edição extraordinária.

Edição de luxo — Tipo de edição que se caracteriza pela riqueza dos materiais e trabalho apurado em que cada exemplar constitui o belo livro levado ao máximo de perfeição, trata-se, em geral, de uma edição limitada com exemplares numerados.

Monografia — Publicação contendo texto e/ou ilustrações apresentados em suporte destinados à leitura visual, completa num único volume de conteúdo unitário ou a ser completada num número determinado de volumes. Publicação monográfica.

Monografia em vários volumes — Monografia com um número de volumes limitado.

Nova edição — Edição feita de novo. Reedição; uma nova edição supõe que o conteúdo da obra se apresenta modificado numa proporção de cinquenta por cento relativamente à primeira edição.

Nova impressão — Impressão feita de novo. Reimpressão.

Publicação periódica — Publicação colectiva com o título legalizado, que é editada a intervalos regulares, durante um determinado período de tempo, cujos fascículos se encadeiam cronologicamente uns nos outros, para que no fim de um ano constituam um ou vários volumes, que tomam a sua ordem numa série contínua. Caracterizam a publicação periódica os factos de possuir um título, ser editada regularmente sob a forma de fascículos com artigos regra geral de autores diferentes e a circunstância de teoricamente não ter um fim.

Publicação em série — Publicação impressa ou não, editada em fascículos ou volumes sucessivos, ordenados geralmente numérica ou cronologicamente, com duração não limitada à partida e independentemente da sua periodicidade; as publicações em série incluem os periódicos (revistas, jornais, boletins, anuários), as séries das actas e relatórios de instituições e congressos, bem como as colecções de monografias. É uma obra formada por parte ou volumes publicados sucessivamente com um título comum e com a intenção de ser continuada indefinidamente, mas não necessariamente a intervalos regulares. Publicação seriada.

Reimpressão — Acto ou efeito de reimprimir. Nova tiragem; reprodução de obra impressa, que não apresenta ou traz alterações de conteúdo ou de apresentação, além das correcções tipográficas feitas sobre o texto da impressão anterior; conjunto de exemplares; conjunto dos exemplares impressos de uma só vez.

Tiragem — Transferência para o suporte da forma registada na matriz; número de exemplares de uma edição que saem da tipografia de uma só vez ou que são impressos de uma só vez; uma mesma edição pode comportar várias tiragens ou impressões; […] hoje em dia tira-se geralmente a primeira edição em 1000 exemplares; as tiragens subsequentes são indicadas como 2.º, 3.º, 4.º, etc., milhar...

Tiragem especial — Parte de uma tiragem normal, executada em bom papel, com numeração especial, muitas vezes com a assinatura autógrafa do autor e na qual consta o número total de exemplares dessa tiragem.

Tiragem limitada — Edição de reduzido número de exemplares aos quais se atribuem números consecutivos, impressos e encadernados mais luxuosamente que a edição corrente.

A propósito de «Allgarve»

«Los ayres andan corruptos
los hombres cada vez más»

Sá de Miranda
Do Minho ao Olgarve

Como é que podemos confiar que os estrangeiros, os turistas, não vão confundir uma marca com o nome de uma região, se já hoje alguns nos julgam uma província da Espanha? Quanto a mim, a nova campanha publicitária para promover o Algarve tocou onde não devia. Com nomes próprios — antropónimos ou topónimos — não se mexe. A agência de comunicação tinha mil e um aspectos que podia explorar, sem tocar numa característica tão identitária como é o nome. Além disso, que é uma marca senão um nome? E nem podemos afirmar, como o narrador de uma obra de Robert Walser, que «isto aconteceu nos Cárpatos, o que pode servir de desculpa». Nem quero falar, pois logo me dirão alguns que misturo tudo, do custo da campanha, pago com os nossos impostos.

22.3.07

Apostila ao Ciberdúvidas: «explicitação»

Ora veja melhor

Vamos fazer uma vaquinha para oferecer um exemplar do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa ao consultor do Ciberdúvidas F. V. P. da Fonseca. Vejamos porquê. «Explicitude e explicitação não se encontram registadas», afirma ele, «embora se compreendam, visto parecerem bem formadas. Amplamento não há, mas amplitude tem como sinónimo parcial amplidão. Em latim há amplitudine (ablativo de amplitudo), mas attitudine é italiano, e completudine não me parece existir.» Em que dicionário é que «explicitação» não se encontra registada? Está tão bem formada que se encontra registada… No dicionário que acabei de referir, podemos ler: «explicitação s.f. acção de explicitar, de tornar explícito. ◘ Etim explicitar + -ção; ver cheg.» Mais cuidado não fazia mal a ninguém. Digo eu. F. V. P. da Fonseca vai ter de mudar de dicionário ou de método: nota-se que nem tudo está bem. Veja-se o «diminuitivo» (entretanto corrigido, para desgosto de quem pretendia ver ali um defensor de uma forma popular). Sim, eu sei: «ameacei» um leitor que poderia vir a defender esta forma — mas apenas no campo do que poderia ser, não do que é, não da ortografia oficial. De facto, na obra A Bem da Língua Portuguesa (Edição da «Revista de Portugal», Lisboa, 1943, p. 204), Vasco Botelho de Amaral escreveu: «Na pág. 117, opina o douto filólogo [Augusto Moreno, na obra Lições de Linguagem] que se não deve dizer constituitivo, diminuitivo. Discordo. Constitutivo e diminutivo provêm do latim. Mas constituitivo e diminuitivo formaram-se por analogia, não apenas com diminuir e constituir, senão também com retribuitivo, intuitivo, etc. E, havendo i em diminuição, constituição, etc., diminuir, constituir, etc., a derivação de diminuitivo, constituitivo, posto que não conforme ao latim, é lógica, pelo menos em português. Lógica e de uso corrente. De facto, quem diz ou escreve retribuitivo, intuitivo, contribuitivo, etc., não erra se disser ou escrever diminuitivo, constituitivo, etc.»
Só mais uma coisa: completudine existe e recomenda-se. Na licenciatura em Direito nas faculdades brasileiras há uma disciplina de Reda(c)ção e Expressão Forense, que devia também cá ser obrigatória, na qual se estudam os diversos argumentos: a contrario, a simili, a fortiori, a coherentia, e por aí fora. A um deles dá-se o nome de argumento a completudine. Trata-se de um procedimento discursivo segundo o qual, não se encontrando uma proposição jurídica que atribua uma qualificação jurídica qualquer a cada sujeito por referência a cada comportamento materialmente possível, se deve concluir pela existência e a aplicabilidade de uma disposição jurídica que atribui aos comportamentos não regulados de cada sujeito uma classificação normativa especial: ou sempre indiferente, ou sempre obrigatórios, ou sempre proibidos, ou sempre permitidos.

Apostila ao Ciberdúvidas: frase sem verbo

Fora!
A. Tavares Louro, consultor do Ciberdúvidas, perdeu uma boa oportunidade de não de estar calado mas de explicar o conceito de holófrase. A uma pergunta de um consulente sobre se é obrigatório que uma frase tenha verbo, limitou-se a usar um provérbio e a afirmar que alguns de nós somos prolixos, ao passo que outros somos lacónicos. Ora, se é verdade que alguns leitores têm a pecha de não referir o contexto em que foi usado o termo ou expressão que querem ver esclarecidos, nem sempre se pode censurar com «não é possível darmos uma resposta definitiva porque não nos é dado o contexto».
Não, senhor, caro leitor, não é obrigatório que uma frase tenha verbo. As frases de um só termo — como o tão parlamentar «Apoiado!» —, ou holófrases, não têm necessariamente verbo. Curiosamente, a fase inicial de desenvolvimento da linguagem nas crianças, por volta dos dezoito meses de idade, é constituída por holófrases ou palavras-frase, como teorizou o linguista Gustave Guillaume, em que há uma ligação a uma acção real. Assim, quando uma criança diz «água», tanto pode querer dizer «dá-me água, mamã», como «estou a ver que há aí água», etc. Também alguns doentes mentais se exprimem exclusivamente através de enunciados holofrásticos.

20.3.07

Léxico: «ântifen»

Ao Sr. correitor…



      O leitor C. L., revisor (?), pergunta-me se o sinal habitualmente chamado cardinal (#) tem designação específica no âmbito da revisão de provas. De facto, este sinal, que pertence ao conjunto da notação desta actividade, e que isoladamente serve para indicar que se devem afastar duas letras ou palavras indevidamente pegadas, tem o nome de ântifen. Ainda um dia aqui direi qual o nome de cada um dos sinais usados em revisão, tanto mais que é uma pergunta repetida já por alguns leitores.



«Sem-abrigo» pluraliza?

Panem et circenses

      A iniciativa, integrada na vertente de solidariedade social deste organismo, de a Federação Portuguesa de Futebol oferecer aos sem-abrigo quinhentos bilhetes para o jogo Portugal-Bélgica é tocante. Pelo menos nesse dia, vão esquecer-se de todas as discriminações, toda a fome, todo o abandono, todo o ar de não-presta que os restantes cidadãos lhes tributam. Entretanto, na RTP não há forma de aprenderem que o vocábulo «sem-abrigo» é invariável, e não «sem-abrigo/sem-abrigos», como insistem em escrever. Sim, é verdade que se trata de uma excepção, pois os nomes compostos em que o primeiro elemento é verbo ou palavra invariável e o segundo é nome, adjectivo ou verbo, só o segundo vai para o plural, como guarda-chuva/guarda-chuvas, ruge-ruge/ruge-ruges, bem-aventurado/bem-aventurados, vice-presidente/vice-presidentes, entre muitas outras. Conhecer a gramática, porém, implica conhecer e bem as excepções e não somente as regras.

19.3.07

Glossário da seda


Anafaia f. Primeiros fios de bicho-da-seda, antes da formação do casulo.
Baba f. Humor glutinoso, que largam de si o caracol, o bicho-da-seda e outros animais.
Batagem f. Operação de bater os casulos, que se faz na fiação da seda, para os imergir na água e ao mesmo tempo, levantar e enredar os fios destramados.
Bicho-da-seda m. É a designação comum para a larva que produz seda de qualquer das diversas espécies de mariposas. Existem diversas espécies de bichos-da-seda usadas na produção comercial de seda, no entanto a Bombyx mori é a mais comum.
Borra f. A parte do casulo que se não fia, e de que se fazem cadarços ou telas mais grosseiras.
Carilho m. Aparelho antigo com que se fiava o casulo da seda e se dobava esta.
Carretilha f. Depressão circular que forma uma espécie de cinta ao meio dos casulos finos e ovais da seda.
Carril m. Espécie de roda para fiar a seda.
Casulo m. Invólucro que várias larvas fiam, para fazerem a sua metamorfose, nomeadamente a do bicho-da-seda.
Cruzada f. A operação de cruzar os fios no fabrico dos tecidos de seda, antes de passar ao vaivém.
Dupião m. Casulo resultante do trabalho de dois bichos-da-seda em comum.│Seda grossa que se tira dos casulos dobrados.
Exúvias f. pl. Tegumento deixado pelos animais, como o bicho-da-seda, por ocasião das mudas.
Fiadilho m. Borra de seda em fio torcido.│A parte não fiada, cadarço que se tira dos casulos da seda.
Garfete m. Instrumento cilíndrico de pau ou vidro, empregado no fabrico da seda.

Guingão m. Excremento do bicho-da-seda.│Parte mais grosseira e espessa da seda.
Moróforo m. Bot. Nome dado outrora por alguns botânicos à amoreira.
Organsim m. Fio de seda formado por dois fios de casulo torcidos, cada um no mesmo sentido, e depois retorcidos juntos, em sentido contrário.│O primeiro fio de seda que se coloca no tear para formar a urdidura.
Parcha f. Casulo em que o bicho-da-seda morreu de doença.
Pebrina f. Vet. Doença epidémica e contagiosa dos bichos-da-seda devida à presença de corpúsculos que vivem nas glândulas sedosas, nos dejectos, nas sementes e, de um modo geral, em qualquer órgão do bicho atacado.
Retrós m. Fio de seda ou conjunto de fios de seda torcidos.
Rodete m. Carrinho de madeira, em que se dobra o fio da meada de seda.
Rota da Seda loc. Ligava a China Oriental ao Mediterrâneo, e foi considerada a maior rota comercial do mundo. Aberta em 139 a. C., só posteriormente veio a ter esta designação.
Sedígero adj. Que produz seda.
Seríceo adj. Poét. Relativo à seda.│Feito de seda.│Que tem a aparência da seda.
Sericícola adj. 2 gén. Relativo à produção de seda.│s. 2. gén. Pessoa que trata da criação dos bichos-da-seda.
Sericicultor adj. e m. Que ou aquele que exerce a sericicultura, que promove a indústria da seda.
Sericicultura f. Indústria que tem por fim a criação do bicho-da-seda.
Sericífero adj. Que tem ou produz seda. │Que contém o fio segregado pelo bicho-da-seda.
Sericígeno adj. Que produz seda (falando-se das espécies de bichos-da-seda).
Sericímetro m. Instrumento para apreciar a elasticidade e a tenacidade de um fio de seda. O m. q. serímetro.
Serígeno adj. Que produz seda.│Diz-se do bicho-da-seda.
Serigueiro m. Aquele que faz obras de seda, passamanaria, também chamado sirgueiro e passamaneiro.
Sirgaria f. Estabelecimento de sirgueiro; o m. q. serigaria.│Lugar em que se faz criação do bicho-da-seda.
Sirgueiro m. Aquele que trabalha em obras de fio de seda ou lã; serigueiro.
Sirgo m. O m. q. bicho-da-seda.
Tussá m. Nome genérico das sedas produzidas por outros bichos-da-seda que não sejam o Bombyx mori.



[Glossário em construção: 35 entradas]

18.3.07

Tradução: «moufle»


Corte e costura

Ao recriar o quotidiano de uma senhora da sociedade chinesa, o autor escreveu: «Sa journée, à l’intérieur de la maison, se passait en travaux de couture, de broderie, en confection de moufles ou de chaussures.» O tradutor achou, e bem, que nenhuma das quatro acepções do vocábulo «mufla» se adequavam ao que se pretendia aqui dizer. Enganou o leitor crédulo (e a obra vai na 3.ª impressão, que o editor insiste, por pura ignorância e não por má-fé, certamente, em chamar «edição»), traduzindo: «O seu dia, dentro de casa, era passado em trabalhos de costura, de bordados, na confecção de mitenes ou de sapatos.» Ora «mitene», como qualquer costureira sabe, «é uma espécie de luva que apenas cobre o corpo da mão, deixando os dedos livres; meia-luva». A moufle, por sua vez, é a luva só com o polegar separado. Nestas circunstâncias, o que deve fazer o tradutor, além de estudar mais? Aportuguesar o termo estrangeiro? Deixar o termo no original e acrescentar uma nota de rodapé? Dar um sinónimo tão pouco sinónimo como «mitene» o é de «moufle»? Ou traduzir simplesmente por «luvas»? Nestes casos, creio que é de preferir sempre o hiperónimo. Tudo são luvas, mas há manicas, guantes, mitenes…



«Moufle: Gant épais qui couvre toute la main, sans séparation pour les doigts sauf pour le pouce. Moufle fourrée; moufle de ski. Elle quittait pas ses mitaines à cause de ses mains délicates et des moufles épaisses en hiver, mais à résille, et ornées de roses pompon (CÉLINE, Mort à crédit, 1936, p.127). Les mains qui disparaissent dans de grandes moufles chaudes (TRIOLET, Prem. accroc, 1945, p.282).» (TLFI)

Tradução

Tiro e queda

No âmbito da ciência, todos conhecemos a lei da causa e efeito. Para os budistas, também há, para além desta, outra lei da causa e efeito: o renascimento em formas superiores ou inferiores é determinado pelas boas ou más acções, ou carma, que se foi produzindo durante as vidas anteriores. Já os tradutores se vêem em dificuldades para verter uma frase tão simples como a que se segue: «Pour un peu, se rappelant la loi bouddhique de cause à effet, il est prêt à croire que Lan-ying a contribué à racheter Shun-zi pour cette raison aussi, celle d’assurer une période de transition, afin de lui épargner un trop brusque sentiment de délaissement.» As dúvidas do tradutor transbordaram para as margens acolhedoras do original. Por fim, traduziu: «Pouco lhe falta para, lembrando-se da lei budista de causa a efeito, acreditar que Lan-ying contribuiu para a compra de Shun-zi a pensar também naquela possibilidade de lhe proporcionar a ele, Dao-sheng, um período de transição que o poupasse a um sentimento demasiado brusco de abandono.» Ah, sim, a frase precisava de outras roupagens, e o adjectivo «búdico», tão pouco usado, ter-me-ia agradado aqui muito.

17.3.07

Futebolês

Campo do esférico

Apesar de julgarmos sempre viver no pior mundo possível no que diz respeito à língua, a verdade é que, no que se refere ao futebolês, por vezes tão ridículo, já se sofreram outras modas, como a de chamar «esferódromo» ao campo de futebol. Leiamos Vasco Botelho de Amaral: «Então peço licença para contar o seguinte:
O campo de futebol é um campo, está claro. Mas, às vezes, chama-se-lhe para aí com palavra inglesa — “ground”.
Outras vezes ainda, escreve-se, e não me parece mal: rectângulo.
Pois, não contentes com isto, os desportistas descobriram outra palavra toda grega: esferódromo. Como já havia aeródromo, hipódromo, velódromo, agora, para o jogo da bola, há o esferódromo. Acho a palavra engraçada, e não na tenho por mal formada, analogicamente, posto que me pareça um tanto supérflua.
Ora, se já tínhamos campo e rectângulo, ninguém, no entanto, protestou contra a inovação do esferódromo» (Subtilezas, Máculas e Dificuldades da Língua Portuguesa, edição da Revista de Portugal, Lisboa, 1946, p. 119).

13.3.07

Glossário dos castelos

Glossário dos castelos e acampamentos



Adarve m. Caminho no alto do muro das fortalezas, atrás das ameias. O m. q. caminho de ronda.│Muro ou muralha da fortaleza.
Ager m. Trincheira ou baluarte de terra nos acampamentos romanos.
Alcáçova f. Castelo ou fortaleza.
Alambor m. Plano inclinado ou talude na zona baixa dos muros, cubos ou torres de uma fortificação, que serve para aumentar a superfície de apoio da obra e manter à distância as máquinas de assalto, provocando o ricochete dos projécteis defensivos e reduzindo os ângulos mortos.
Almedina f. A parte de uma cidade construída em sítio alto e defendido.
Almenara f. Facho ou farol que outrora se acendia nas torres para dar sinal ao longe: a torre em que se acendia o facho.
Alquiez m. Risco gravado na parede, à entrada dos castelos ou residências senhoriais, para servir de medida linear destinada a servir de padrão nesse domínio ou senhorio.
Ameia f. Cada uma das aberturas, feitas de distância em distância, no alto de muro, torre ou obra fortificada.
Antefosso m. Cava aberta em redor da esplanada.
Atalaia f. Torre donde se observa e vigia ao longe o mar ou a terra.
Balhesteira f. Pequeno vão, das torres medievais, para se lançarem por ele bestas, quaisquer projécteis.
Baluarte m. Corpo de terra, sustentado por muralhas.
Barbacã f. Muro que se construía diante das muralhas e mais baixo do que elas e que servia para defender o fosso.
Bastião m. Obra de terra, revestida de muro e disposta em ponta nos ângulos salientes de uma praça de guerra.
Bombardeira f. Postigo por onde se metia a boca da bombarda.
Bonete m. Obra avançada de fortificação de duas faces, formando ângulo saliente, adiante do antefosso.
Caminho de ronda loc. O m. q. adarve.
Canhoeira f. O m. q. canhoneira.
Canhoneira f. Aberta do muro, do parapeito ou dos flancos do navio, para se assentarem os canhões e pela qual eles atiram.
Cárcova f. Ant. Porta falsa das praças fortificadas ou entrada encoberta.
Castelejo m. Na fortificação antiga era a parte mais alta do castelo, para se descortinar o terreno.
Cidadela f. Fortaleza que domina e defende uma cidade ou povoação.
Contraforte m. Reforço de muralha, reparo e terrapleno.
Contravalação f. Fosso com parapeito, para impedir as surtidas dos sitiados.
Cubelo m. Torreão das fortificações antigas em forma de cubo e que foi substituído pelo baluarte.
Falsa-braga f. Ant. Antemuro baixo construído como defesa da muralha principal e que correspondia à barbacã.
Fosso m. Escavação aberta à frente de fortificações e entrincheiramentos, em geral envolvendo-os para fornecer terras para o parapeito e constituir obstáculo à penetração do assaltante inimigo.
Hurdício m. Ant. Grade de madeira com que se protegiam as muralhas para não serem muito danificadas pelos projécteis.
Mata-cães m. pl. Espécie de galeria saliente nos velhos castelos e sobre as antigas portas das cidades, com aberturas, pelas quais se arremessavam pedras ou outros projécteis para evitar a aproximação do inimigo.
Meia-gola f. Linha tirada do ângulo da cortina ao centro do baluarte.
Merlão m. Parte saliente de um parapeito que separa duas ameias.
Poterna f. Porta falsa ou galeria subterrânea, para sair secretamente de uma praça fortificada.
Redente m. Obra de fortificação, aberta na gola, formada por duas faces que se cortam, formando um ângulo saliente.
Revelim m. Construção externa e saliente, de forma angular, para defesa de ponte, cortina, etc.
Seteira f. Pequena abertura nas muralhas, pela qual se atiravam setas contra os inimigos ou sitiantes.
Tenalha f. Pequena obra de fortificação, com duas faces e um ângulo reentrante para o lado do campo.│Tenalha dobre, a tenalha que tem quatro faces, formando três ângulos salientes e dois reentrantes, e flanqueando-se cada duas reciprocamente. O m. q. tenalha flanqueada.
Tenalhão m. Obra de fortificação que assenta algumas vezes em cada uma das faces de uma meia-lua.
Torreão m. Torre de maiores dimensões, integrada ou destacada, mas ligada à cerca ou anexa a um castelo, erguida a um e outro lado de uma porta ou no interior do recinto fortificado.
Troneira f. Intervalo dos merlões por onde se enfia a boca do canhão ou bombarda; bombardeira. O m. q. boca-de-fogo.



[Glossário em construção] [44 entradas]





11.3.07

«Bracelete»: feminino ou masculino?

Já aconteceu

      Já chegámos ao ponto de se rejeitar, por erróneo, o género masculino do vocábulo «bracelete». E são mesmo os editores, melífluos, a dizerem-me: «Veja lá, “bracelete” é feminino.» «Bracelete» é, e sempre foi, do género masculino, em português e em francês, língua de que procede (le bracelet). A explicação possível, já adiantada por certos estudiosos, é a influência do sinónimo «pulseira», do género feminino, e mesmo de outras palavras terminadas em -ete, a começar por nomes próprios, como Odete, Gorete, Ivete, Elisabete, Rosete, etc., e por nomes comuns, também do género feminino, tais como bandelete, cassete, disquete, retrete, etc. Curiosamente, todos (?) os vocábulos femininos terminados em -ete têm a penúltima sílaba aberta, ao contrário dos vocábulos com a mesma terminação mas do género masculino, que são a maioria. Com excepção de «bracelete».



10.3.07

Aço: «corten», «cor-ten» ou «cortene»?

Imagem: http://www.georgetown.edu/

Cortem!



      Agora os arquitectos e os escultores andam entusiasmadíssimos com o aço — «cortene», «corten», «cor-ten»? Um leitor ouviu a palavra e quer saber do que se trata e como se escreve. Bem, trata-se na verdade de uma marca, COR-TEN®. Com o uso tão comum deste material actualmente, ocorreu, como acontece com tantos outros nomes próprios, um fenómeno de derivação imprópria, pelo que alguns passaram a escrever «corten», outros «cortene» e outros ainda «cor-ten». Esta última forma, hifenizada, não me parece fazer qualquer sentido, pelo que é de rejeitar. À primeira, «corten», falta-lhe um acento agudo na primeira sílaba, pois é (seria) palavra paroxítona terminada em n, à semelhança de «cânon», «gérmen», «íman», «líquen», «regímen», «sémen», etc. Num boletim informativo da Fundação Calouste Gulbenkian, lê-se a palavra em itálico, corten, o que é desnecessário.
      O aço cortene contém um alto teor de cobre, cromo e níquel, que lhe proporciona a característica cor avermelhada, como se estivesse enferrujado, mas na realidade funcionando como camada protectora contra a corrosão.


Actualização em 17.10.2010


      «O arquitecto, que partilha com José Martinez o Atelier Central, quis ainda assumir os efeitos da exposição dos materiais ao longo do tempo e às intempéries: o aço córten das portadas do exterior muda de cor e textura ao longo do tempo, no betão aparente já existem marcas do efeito da erosão, e na cobertura de zinco fortemente inclinada será sempre visível a água das chuvas a escorrer» («Falemos de casas», Cláudia Melo, Diário de Notícias, 17.10.2010, p. 66).



8.3.07

Verbo «imergir»

Veja bem

Tal como um lojista não sabe se o facalhão que está a vender é para o cliente trinchar perus se para espostejar a mulher, também Helena Figueira, consultora das Dúvidas Linguísticas do jornal Público, não sabia que uma consulente pretendia saber se o verbo imergir é regular ou defectivo para, possivelmente, participar no Campeonato Nacional da Língua Portuguesa. Contudo, sabendo ou não, nunca poderia ter afirmado que, entre as obras que dão o verbo imergir como regular está a Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra. Porque não está. Na página 445 (estou a citar a 3.ª edição, de 1986, que espero que não seja muito diferente da edição de 1998, citada pela consultora) da referida gramática o que se pode ler é: «Pelo modelo de banir [apresentado como defectivo] conjugam-se, entre outros, os seguintes verbos: abolir, aturdir, brandir, brunir, carpir, colorir, demolir, emergir, exaurir, fremir, fulgir, haurir, imergir, jungir, retorquir, ungir».

Apostila ao Ciberdúvidas: «corete»

E depois?


       Um consulente do Ciberdúvidas, presidente de uma comissão técnica de normalização, quis saber se podia usar a palavra «corete» na redacção de uma norma portuguesa (NP) que está a elaborar. F. V. P. da Fonseca respondeu que não encontrou registado «courete» nem «corete» (também escreveu que o francês courette é um diminuitivo de cour, mas isso agora não interessa). Isso de o não ter encontrado tem muito que se lhe diga. Os dicionários, como sabemos, não são sacrossantos. O vocábulo «corete» é usado correntemente e está registado em glossários, como o Glossário de Telecomunicações da Anacom. Neste, até se lhe dá como sinónimo a locução «chaminé de cabos». Ora, não apenas «chaminé» também nos veio do francês, como uma locução perde sempre em relação a um só termo. Caro Gregório Laranjo, escreva «corete» à vontade, é termo consagradíssimo no âmbito da construção civil.


Corete f. (do francês courette, pequeno pátio sombrio encaixado entre as divisões de uma habitação). Construção civil. Oco de construção, espaço existente na estrutura ou nos elementos da construção de um edifício e acessível apenas em certas zonas, destinado a tubagens, ligações eléctricas e de telecomunicações, canalizações e saída e entrada de fumos, etc. O conceito liga-se, sem se confundir, com o de coluna montante, pois esta é o conjunto de tubos e caixas interligados, a toda a altura do edifício, e fazendo parte da rede colectiva de tubagens.



Glossário: terra, terreno

Alcantil m. Rocha escabrosa em margem a pique.׀ Culminância. Sítio íngreme.
Almarge m. Prado natural; pastagem.│Campo inculto.│O m. q. almargeal.
Andamo m. Passagem, atravessadouro de quintas, casais, etc., atalho, carreiro.
Aramio m. Porção de terra que se lavra num dia.
Arneiro m. Terra delgada e muito areenta.│Terra estéril.
Arregateiras f. pl. Montículos de terra húmida feitos por animais como as toupeiras.
Arregoão m. Montículo de terra.
Balça f. Terra inculta.
Baldio m. Terreno inculto, desaproveitado, que serve de pastos comuns e logradouro do lugar.
Barrada f. Terra de semear nas encostas, fora das vargens.
Barreada f. Faixa de terreno, quase ao cimo de uma encosta suave.
Belga f. Pedaço de terra cultivado, separado de outras secções do mesmo prédio rústico por valados, regos, batoréus, etc.
Boçoroca f. Fenda profunda, rasgada no solo pelas enxurradas.│Escavação profunda em terra arenosa.
Bôlhara f. Derrocada de terras e pedras de uma encosta.
Brejo m. Terra que só dá urzes; matagal.│Terreno alagadiço ou pantanoso; paul.
Brejoeiro m. Tracto alongado e estreito nos terrenos pouco ondulados, condicionado pelo relevo.
Brenha f. Terra quebrada entre penhas, selvosa, povoada de silvados: mata, bosque, selva emaranhada e espessa; matagal.
Brenseda f. Terreno cheio de brenhas e paludes.
Cabedulho m. Extremidade, termo de uma ladeira.
Caluno m. Mancha de terreno fértil, encravada num todo que é pobre.
Camalhão m. Porção de terra entre dois regos, na horta ou jardim.
Camarção m. Terra areenta, quase estéril, onde há todavia pinheiro, medronheiros e mato rasteiro.
Carva f. Barranco em caminho ou estrada.
Cerrado m. Horto, jardim ou quintal murado.│Chouso, souto, devesa para plantas aromáticas, flores, hortaliças, talvez para pasto de reserva.
Cerrito m. Pequeno cerro.│Elevação de terreno maior que a cochilha.
Cerro m. Colina, outeiro.│Pequeno monte penhascoso.
Chada f. Zona baixa de solos profundos, livre de pedras e facilmente arável usando os métodos tradicionais.
Chalorda f. Pequena terra cultivada; horta, leira.
Chana f. Planura, planície.
Chapada f. Planura, chã no meio da encosta de um monte.│Superfície plana.│Planície no alto da montanha; planalto.│Planície de vegetação rara, sem arvoredo.│Clareira.
Chouseira f. Baldio tapado.
Chousseira f. O m. q. tapada.
Chouso m. Fazendola, quintarola, rodeada de muro; pequena tapada.
Clivo m. Encosta de monte.│Outeiro.│Ladeira.│Pendor.
Clusa f. Vale transversal.
Cole m. Outeiro.
Colhado m. Colina, outeiro, monte algum tanto elevado.
Combrão m. Combro grande.│Pequena elevação longitudinal que separa propriedades rústicas.
Combro m. O m. q. cômoro.
Cômoro m. Pequena elevação isolada de terreno; montículo, outeiro.│Escalco, botaréu.
Convale m. Planície entre colinas.
Corca f. Depressão natural de terreno, muito funda, formada pelas águas pluviais ou pelo trânsito de carros.
Cortadouro m. Depressão de terreno entre montes.
Coteiro m. Montículo de terra ou de areia.
Courela f. Nesga de terra cultivável comprida e estreita; hastim.
Coutada f. Mata ou terra, cerca, terras demarcadas e defesas, onde se criava caça e onde era defeso pescar, caçar.
Coutelho m. Pomar cercado e murado.
Covada f. Depressão no terreno.│Pequena planície entre montes.│Regueira, valeiro.
Covão m. Nome dado na serra da Estrela aos pequenos vales.
Croa f. Crosta de terreno que não foi mexida recentemente por enxada ou arado.
Desfiladeiro m. Passagem estreita entre montanhas; garganta geográfica.
Desladeiro m. Direcção transversal ou oblíqua na encosta.│Subir ao desladeiro, subir ladeando a encosta.
Emarjar v. tr. Demarcar com regos as margens ou leiras de (campo lavrado).
Eminada f. Terra que levava uma émina de semeadura. A émina era uma medida de capacidade para os sólidos, igual à quarta e meia que se usava em Lisboa.
Espinhaço m. Lombada dos montes.
Fajã f. Açor. Extensão pequena de terreno plano, susceptível de cultura, junto a uma rocha, geralmente à beira-mar, formada, em regra, por materiais desprendidos da quebrada ou acumulados na foz de uma ribeira e assentes quase sempre num banco de lava muito resistente.
Falda f. Sopé, abas, pendor de uma serra, monte, etc.
Fraga f. Rocha escarpada; penhasco, rochedo.
Fundão m. Lugar situado ao fundo de um monte.│Lugar em nível muito baixo no terreno.
Fundego m. Ribanceira.│Campo ao fundo de uma ribanceira.
Galaio m. Outeirinho; espinhaço de um monte.
Garganta f. Colo de montanhas e vales, em regra pouco comprido, em que o perfil transversal estreita em relação à média geral.
Girão m. Faixa, courela de terra.
Grotão m. Depressão funda entre montanhas de lombadas muito alcantiladas.
Hastim m. Prov. Courela; faixa; tira de terreno mais comprida do que larga.
Ladeira f. Inclinação mais ou menos acentuada de terreno; encosta; rampa.
Lúbrigo m. Terreno, lugar escorregadio.
Malhadil m. Prov. alent. Espaço cultivado em meio de charneca.
Malhadio m. Prov. alent. Planalto em que se estacionam gados.
Mama f. Ant. Elevação de terreno.
Mamelão m. Elevação no terreno; montículo.
Mamoinha f. Prov. Pequeno outeiro ou pequena mamoca.
Mamoa f. Outeiro de aspecto análogo ao de um seio de mulher.
Mamua f. Outeiro.
Mamunha f. Montículo de terra, que cobre sepulturas pré-históricas.
Matagal m. Bosque espesso; floresta; brenha.│Terreno cheio de ervas daninhas.
Médão m. Monte, montão de areia; o m. q. medo.
Menoça f. Prov. trasm. Socalco de vinha, geio, arreto.
Montezinho m. Monte pequeno, montículo, outeiro.
Montículo m. Monte pequeno; montezinho; montareco, cômoro, combro, outeiro.
Natio m. Terra onde, sem cultura, crescem plantas.
Nava f. Des. Planura, planície cercada de montanhas.
Nesga f. Espaço pequeno de terreno entre extensões mais dilatadas.
Olga f. Courela, leira.│Planície entre outeiros; baixa de terreno fértil.
Penela f. Pequena elevação, outeiro.
Penha f. Rocha, penhasco fraga.
Penhasco m. Penha elevada.│Rocha extensa.
Portela f. Passagem estreita entre montes; desfiladeiro.
Ravessa f. Prov. alent. Montículo que pode abrigar contra o vento.
Rechã f. Planalto, chapada, planura.
Recorte m. Acidente no contorno das costas marítimas.
Regola f. Corte que se faz num terreno, para se marcarem os limites laterais de uma estrada ou os limites de uma construção qualquer.
Regota f. Prov. trasm. Ligeira depressão nos montes.
Reprego m. Dobra do terreno.
Revência f. Vale situado abaixo da barragem dos açudes e refrescado pela infiltração da água dos mesmos açudes.
Ruz m. Geol. Vale cavado nas montanhas em anticlinal.
Sáfara f. Terreno sáfaro.│Penha, penhasco, deserto.
Safra f. Terra que não produz ou produz pouco; o m. q. sáfara.
Selada f. Depressão na lombada de um monte; cavidade oblonga numa montanha.
Serro m. Espinhaço; aresta de monte.
Setial m. Cômoro ou elevação de terra em que alguém se pode sentar como se fosse um banco.
Sochão m. Abrigo escavado em ladeira de monte; cava.
Solão m. Terreno arenoso ou barrento.
Submorro m. Elevação pequena que serve de contraforte a um morro ou a um mouroiço.
Subpico m. Forma montuosa que se aproxima do pico; socume.
Subserra f. Contraforte de uma montanha ou serra.
Talar v. Abrir sulcos na terra (especialmente para o desalagar).│Fazer escoadouro em campo.
Talhado m. Aba pedregosa de serra.
Talude m. Inclinação na superfície lateral de um terreno, de um muro ou de qualquer obra; rampa; escarpa.
Talvegue m. (do alemão talweg). Linha, mais ou menos sinuosa, no fundo de um vale, pela qual se dirigem águas correntes.│Linha de intersecção dos planos de duas encostas.
Tapada f. Mata cercada por muro dentro da qual se cria caça.│Terreno murado.
Tronio m. Massa principal de montanha ou cordilheira, dominando as suas ramificações.
Uádi m. (do árabe ﻭﺍﺩﻱ). Rio de alimentação esporádica, nos desertos.
Valeirão m. Terreno deprimido, fracamente arborizado.
Valeiro m. O m. q. regueiro ou valeta.│Prov. Vale pequeno; terreno deprimido e arborizado.
Valejo m. Vale pequeno.


[Glossário em construção] [117 entradas]

7.3.07

Tradução

Desistam

«Cierra el siglo, ya lindando con la pintura neoclásica, el arte sentimental, rousseauniano, de madame Elisabeth Vigée-Lebrun (1755-1842), cuyo autorretrato del Louvre (con su hija) es celebérrimo.» Estes tradutores do espanhol, que desta língua o mais próximo que viram foi o néon do El Corte Inglés, são pagos para escrever desconchavos destes: «O século terminou, já a lidar com a pintura neoclássica, com a arte sentimental, rousseauniana, de madame Elisabeth Vigée-Lebrun (1755-1842), cujo auto-retrato do Louvre (com a sua filha) é muito famoso.» «Nem às lindas da porta!», diziam os meus avós. Este gente não teve avós nem lê nada de jeito, se é que lê alguma coisa. Bla-blá-blá…

Palavras divergentes

Aaargh!


      Num artigo — «Optimus Pessimus» — do jornal 24 Horas, de quinta-feira, podia ler-se: «Marisa Correia, Paula Graça, Andreia Gomes, Luís Raimundo e dezenas de assistentes e supervisores programados para aldrabar, bolsaram que “não há equipamento em stock pós-venda em lado nenhum”» (p. 48). Com a perturbação, a ofensa não saiu lá muito escorreita. Vou deter-me apenas na palavra «bolsaram», esquecendo a pontuação. Como direi? A palavra está correcta, mas no contexto errado. Bolsar significa fazer bolsos e foles (um vestido mal talhado, por exemplo). O jornalista deveria ter escrito «bolçaram», isto é, vomitaram. Bolçar e vomitar provêm do mesmo étimo latino, sendo assim palavras divergentes ou alótropos. Através de vários fenómenos fonéticos, de vomitiare* chegou-se a bolçar. Esta última costuma aplicar-se mais às criancinhas de colo. Adentrando-me mais nesta matéria escatológica, direi que o bolçar é menos abundante e o vomitar é mais de esguicho.

      * Vomitiare era, em latim, o intensivo de vomere.

Contagioso e contagiante

Não me diga…


      «Le bonheur de vivre de Mariamne était contagieux.» Simples, diz? Isso também pensou o nosso tradutor: «A alegria de viver de Mariamna era contagiosa.» Coitada, e não está a ser tratada? Não será este um dos tais tradutores que falam de uma «alegria contagiosa» e de uma «doença contagiante»? E não podemos mandá-lo para as Berlengas? Obrigá-lo a tornar-se faroleiro? Putain de sort !

6.3.07

Tradução

Ta gueule!...

«Elle raconta que Salomé, sœur du roi, et son frère, Phéroras, que beaucoup soupçonnaient de vouloir accaparer le pouvoir, se terraient dans l’une des forteresses de Judée.» O nosso tradutor de serviço entendeu que devia ser algo como: «Contou que Salomé, irmã do rei, e o seu irmão, Feroras, que muitos desconfiavam de ter tentado conquistar o poder, se enterravam numa das fortalezas de Judeia.» Não quero ser desmancha-prazeres (ou trouble-fête, já que falamos de francesias...), mas a tradução não me parece lá muito escorreita. Esqueceu-se o tradutor de que se terrer também significa esconder-se. A propósito, e porque me perguntam com frequência por bons dicionários, devo dizer que o melhor dicionário bilingue francês-português que conheço tem o título de Dicionário do Tradutor, é da autoria de A. Soares e M. J. Santos e foi editado em Faro em 2003. Bom sítio para ser editor. Senhores capitalistas, se quiserem investir numa editora, convidem-me para Faro.

Léxico: «amentio»


Outro hápax?

      Depois de comprovar que o nome da flor da oliveira — enfarna, recordo — só no meu blogue aparece em toda a Internet, uma leitora lança-me o desafio de fazer o mesmo em relação à flor do castanheiro, isto é, se eu souber, diz-me. Tanto quanto sei, o que surge em relação ao castanheiro (Castanea sativa Miller) é o nome do próprio cacho espiciforme, que é o amentilho, mas este vocábulo também se aplica aos carvalhos, aos salgueiros e às bétulas. À flor amarela do castanheiro em particular dá-se o nome de amentio.

5.3.07

Internet ou internet?

Ah, isso depende…

Podemos ler no site da Fundéu: «La norma culta establece que Internet (International Net) debe escribirse con mayúscula inicial y con el artículo femenino antepuesto, aunque es frecuente encontrarlo escrito sin artículo y con minúscula.» E entre nós, como é? Pessoalmente, sempre escrevi, até hoje, com inicial maiúscula, e vou continuar a fazê-lo, mas vejo que, como se diz em Direito, a doutrina se divide. Afinal de contas, não deixa de ser um sistema, como o é a televisão, o rádio, o telefone, etc. — e a estes termos escrevemo-los com inicial minúscula. Michael Quinion, autor do site World Wide Words, diz que nos anos 60 o termo era escrito com minúsculas.
Podemos, por analogia, referir o caso do vocábulo «Multibanco», que também não se fixou definitivamente. No fundo, é também uma marca. Dois exemplos, ambos do Diário de Notícias: «Tiroteio com GNR mata assaltante de multibanco»; «Na outra faixa, elementos do grupo de criminosos vigiavam o trabalho de quatro ou cinco assaltantes encapuzados junto da máquina ATM» («Tiroteio com GNR mata assaltante de multibanco», 2.5.2006, p. 25). E outros dois do Público: «A gente passou a ter caixas Multibanco espalhadas pela cidade (a que chamam, não sei porquê, ATM) e todas as lojas sérias possuem um terminal (que se designa como POS)» («A avaria», Eduardo Prado Coelho»); «Os cinco suspeitos de envolvimento no assalto a uma caixa Multibanco em Milheiros de Poiares, Santa Maria da Feira, estavam ontem, à hora de fecho desta edição, a ser ouvidos pela juíza de instrução criminal do tribunal local» («Gang do assalto a Multibanco na Feira pode ter 25 elemento», Sara Dias Oliveira, 4.5.2006, p. 21).

4.3.07

Tradução

Estava-se mesmo a ver

«Me acerco y del apartamento sale Dayessi como una tromba y se choca contra mí.» O nosso tradutor não hesitou: esta é de caras! Ou de trombas. «Aproximo-me e do apartamento sai Dayessi como uma tromba e choca comigo.» Muito bonito, sim senhor, mas o que significa exactamente? Não terá a personagem aparecido de trombas por ver o trabalho do tradutor? É caso para isso. O Diccionario de la Real Academia regista a locução adverbial en trombas, que significa «de baldão», «abruptamente», etc. A expressão como una tromba, sinónima, é igualmente muito usada.

1.3.07

Glossário: ventos

Ares e ventos
São oito os ventos que desde a Antiguidade greco-latina marcam as direcções: tramontana (N), greco (NE), levante (E), siroco (SE), ostro (S), libeccio (SO), ponente (O) e maestro (NO). Mas há outros, entre os quais os que se seguem.

Adalor m. Nome dado aos ventos de oeste, nordeste e sudoeste.
Áfrico m. Vento de sudoeste.
Alísio adj. Diz-se de certos ventos regulares que sopram durante todo o ano nas regiões tropicais, vindos do nordeste no hemisfério boreal e do sudeste no hemisfério austral.
Aquilão m. O vento do norte.│O vento do nordeste, segundo a náutica antiga.
Aracati m. No Ceará, vento forte e fresco, que, à noitinha, no Verão, sopra regularmente, com a direcção de nordeste para sudoeste.
Aragem f. Vento brando e fresco, viração, bafejo.
Aura f. Vento brando e suave; aragem; brisa.
Austro m. Vento do sul.
Bafejo m. Aragem, viração.
Banzeira f. Bras. Vento que sopra no rio Araguaia.
Bora f. Vento vindo da terra, muito seco e frio, que sopra no Adriático.
Bóreas m. O vento do norte.
Brisa f. Vento sereno e fresco; aragem; viração.
Burburinho m. Rumor de água corrente ou de vento sobre arvoredos.
Burlandeiro adj. Diz-se do tempo que é variável, que muda frequentemente de direcção.
Calafate m. Vento de leste que, às vezes, sopra nas costas do Estado de Rio de Janeiro e danifica as embarcações.
Camacheiro m. Vento que sopra em rajadas fortes de N ou NE na Madeira.
Camsim m. Vento quente da África, e que dura 50 dias.
Carpinteiro da costa loc. Vento sueste que sopra muito violentamente na costa nordeste do Brasil.
Cascarrão m. Vento que sopra do mar.
Cécias m. Vento nordeste.
Cicieira f. Vento fresco.
Ciclone m. Movimento giratório do ar, combinado com um movimento de translação; torvelinho de vento devastador; furacão na terra ou no mar, que faz redemoinho.
Cola m. Vento forte, que sopra nas costas das Filipinas.
Coro m. Vento do noroeste, segundo a náutica antiga.
Cruviana f. Garoa, chuvisco, vento frio acompanhado de chuva.
Espírito m. Ar, sopro.
Espiro m. Sopro, vento, aragem.
Euro m. Vento de leste.
Formigueiro m. Vento de sueste.│Diz-se do vento que sopra do lado das Formigas (Açores).
Frescor m. Frescura; ar fresco.
Furacão m. Nome que antigamente se aplicava às tempestades nas Índias Ocidentais e que depois se generalizou e hoje se aplica aos grandes temporais em que a velocidade do vento atinge mais de 120 km por hora.
Garbino m. Vento que sopra de sudoeste.
Garroa m. Vento forte do noroeste, na costa ocidental de Portugal, na linguagem dos marinheiros.
Gravana m. Vento fresco de sul e sueste, que sopra no golfo da Guiné, especialmente nas vizinhanças de S. Tomé.
Graviana f. Bras. do N. Brisa, que sopra da terra para o mar.
Greco ou gregal adj. Diz-se de um vento que sopra da Grécia ou do nordeste, no Mediterrâneo Oriental.
Guieira f. Pop. Vento suave mas frio; aragem fria.
Harmatão m. Vento que sopra, particularmente na costa da Guiné, entre os meses de Dezembro e Fevereiro.
Iápice m. Vento que sopra no Sul de Itália.
Jápix m. Vento do noroeste.
Lariço m. Vento bonançoso que sopra na baía de Cascais.
Lés-nordeste m. Vento ou rumo de entre nordeste e leste.
Lestada f. Vento forte e persistente que sopra de leste.
Léstia f. O vento de leste; lestada.
Levante m. Vento do este do Mediterrâneo.│O mesmo vento que sopra do leste, no Algarve, soão, este, solano, e a agitação do mar que o acompanha.
Maestro m. O m. q. mistral.
Mareiro adj. Diz-se do vento que sopra do mar.
Mata-vacas m. Nome que nos Açores dão ao vento que sopra de nordeste.
Mistral m. Vento seco e frio, às vezes violento, que sopra no Sul da França, sobretudo no Baixo Languedoque e na Provença.
Minuano m. Vento de oeste frio no Sul do Brasil, que costuma soprar com violência depois da chuva, no Inverno. Vem dos Andes e passa pela antiga zona dos índios Minuanos, de quem tomou o nome.
Monção m. Vento periódico soprando por largo período de tempo nas regiões do oceano Índico. A monção de Verão sopra de SW de Abril a Outubro acompanhada de grandes chuvadas, sendo também conhecida por estação das chuvas. A mudança da direcção do vento, que passa a NE de Outubro a Abril, anuncia a monção de Inverno.
Morget ou morgeasson m. Forte brisa do norte que, à noite, sopra no lago de Genebra.
Naulu m. Vento que sopra contrário ao vento Ukiukiu na ilha de Maui no Havai.
Nortada f. Vento agreste e frio, que sopra do norte.
Nortão m. Prov. Vento do norte.
Noto m. Poét. Vento do sul, entre os antigos Romanos.
Oressa f. Prov. Ar, viração, aragem.
Palmelão m. Pop. Vento forte que sopra do lado de Palmela para Lisboa; vento do sul para sueste.
Pampeiro adj. Vento sudoeste violento que sopra na costa brasileira e argentina, acompanhado de chuvas, cuja duração pode ir de 6 a 26 horas.
Pé-de-vento m. Vento forte mas de pouca duração.
Ponente ou poente m. Vento que sopra do ocidente.
Ponteiro adj. Diz-se do vento contrário à navegação e que sopra pela proa.
Puelche m. Ventos que atravessam a Patagónia argentina vindos do Atlântico e que ao chegarem ao litoral chileno chocam com os ventos do Pacífico e viram para norte com rajadas geladas.
Rabanada f. Rajada de vento.
Rafada f. Prov. Ventania forte mas passageira; rajada.
Rafalo m. Náut. Ant. Vento impetuoso que sopra da terra.
Rajada f. Vento forte, imprevisto e de curta duração; rabanada.
Rafega, refega ou refrega f. Pé-de-vento; redemoinho.
Redemoinho ou remoinho m. Pé-de-vento, rajada, tufão.
Refrega de vento loc. Rajada de vento, rabanada.
Reganho adj. Ant. Vento reganho: vento aquilão.
Remandiola f. Prov. Vento fraco, incerto, em ocasião de trovoada no Verão.
Rodéu m. Bras. Turbilhão tempestuoso; espécie de ciclone.
Salvante adj. Diz-se do vento favorável.
Samatra m. Temporal violento e normalmente de fraca duração que se levanta no estreito de Malaca vindo de Samatra.
Samiel m. Vento forte e perigoso, dos desertos da Arábia, e que só faz sentir as suas devastações a quatro pés acima do solo; os Árabes deitam-se no chão e assim escapam à influência do samiel.
Setentrião m. Vento do norte.
Simum m. Vento muito quente que sopra do centro da África para norte.
Siroco m. Nome dado no Mediterrâneo e nas costas da África a um vento quente que sopra do sudeste.
Soão m. Desus. Vento que sopra do oriente e do nordeste.
Sobrevento m. Rajada súbita de vento que perturba a marcha de um navio.
Solano m. Vento quente da África que se faz algumas vezes sentir em Espanha.
Suão ou sulão m. e adj. Vento quente do sul e sueste.
Subsolano m. Vento do levante.
Subvéspero m. Desus. Vento do sudoeste.
Suestada f. Vento forte que sopra de sueste.
Surim m. Vento de sueste, muito quente, que no Verão sopra das praias do golfo Pérsico.
Tarasco m. Prov. alg. Vento áspero e cortante.
Tarós m. Prov. alg. Vento de sueste.
Terral adj. Que sopra da terra.
Terralão m. Bras. Vento da terra, que sopra rijo.
Terrenho adj. O que sopra do lado da terra para o mar.
Tornado m. Vento ciclónico em área localizada; é um remoinho de ar com movimento no sentido do relógio, cuja velocidade pode atingir valores da ordem dos 200 km/h, cobrindo uma área que em regra não ultrapassa uma a duas centenas de metros.
Tramontana f. O vento do norte.
Travessão adj. Vento rijo; vento contrário.
Tufão m. Designação chinesa dos ciclones tropicais que ocorrem nas regiões ocidentais do oceano Pacífico; são designados furacões no oceano Índico e ciclones no mar da Arábia e na baía de Bengala.
Ukiukiu m. Vento alísio de nordeste que sopra no Havai na ilha de Maui.
Vara f. Tufão ou furacão do mar das Índias, geralmente em Setembro ou Outubro.
Vara do Coromandel loc. Vento fresco do quadrante leste que sopra no equinócio do Outono na costa do Coromandel, na Índia.
Vendaval m. Vento impetuoso; temporal.
Ventania f. Vento forte e contínuo.
Vento de porão loc. Também conhecido por vento auxiliar. A direcção e intensidade deste vento depende da direcção imprimida pelo leme à embarcação e da potência do motor instalado no porão.
Vento de repiquete loc. O que corre todos os rumos, durante pouco tempo em cada um.
Viração f. Vento brando e fresco.
Xamal m. Vento pestilencial que sopra em Ormuz.
Xaroco ou xarouco m. Vento quente de sueste sobre o Mediterrâneo.│Prov. alent. Vento frio que no Inverno sopra de levante.
Zéfiro m. Vento suave e fresco; aragem; viração.
Zoeira f. Prov. minh. Vento tempestuoso.


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