31.8.08

Selecção vocabular


Uma coisa em forma de assim

      No programa 1001 Escolhas, de Madalena Balça, na Antena 1, que estou a ouvir de madrugada, a entrevistada é Margarida Pinto Correia. No perfil biográfico que inicia o programa, diz-se que Margarida Pinto Correia quando jovem era «boa aluna, inteligente e comunicadora». Comunicadora, contudo, como adjectivo significa «que comunica», e não era isso claramente que se pretendia dizer, mas sim «comunicativa», ou seja, «que comunica facilmente, expansiva», do latim tardio communicativus, a, um, com o mesmo significado.
      Para um insone atento (e não há insones desatentos, creio), estes erros irritam. Vou dormir.

30.8.08

«Mal-estar», não «mau estar»

Mau, mau

      Parece que pouco há a fazer: o cidadão comum, os jornalistas e os professores dizem e escrevem «mau estar». Esquecem-se de que mal é advérbio e se opõe a bem e mau é adjectivo e se opõe a bom. Se fossem coerentes, também diriam e escreveriam o antónimo assim: «bom estar». Mas na ignorância, tanto quanto tenho visto, não há coerência.


Actualização em 21.06.2010


      Mas há mais quem tenha escrito desta forma: «Isabela não tinha por hábito impressionar-se com facilidade, mas havia neste homem qualquer coisa que lhe causava mau-estar, acrescido ainda pela sensação de náusea proveniente do seu bafo avinhado, e que era quase insuportável» (Isabela, Ethel M. Dell. Tradução de Fernanda Rodrigues. Lisboa: Editorial Minerva, s/d, pp. 227-28).


29.8.08

Formas de tratamento. Publicidade

Você é (foi?) estrebaria

A propósito de marqueteiros, há agora aí um anúncio mais insistente do que todos que diz: «Se calhar tu ainda te achas nova, mas já está na altura de começares a poupar para a reforma. Não tarda nada, já estou a tratá-la por você. E nessa altura, o melhor é você já ter algum de parte. É a melhor maneira de prevenir que, quando a senhora começar a ser tratada por senhora, terá um nível de vida a que estava habituada quando era tratada por você ou por tu, minha senhora. No BES, há soluções de reforma que mudam contigo, aliás, consigo, perdão, com a senhora. Não é por acaso que somos líderes. Soluções de reforma BES. Quem sabe, sabe. E tu, você ou a senhora é que sabem.»
Deixem-me adivinhar: tratam por tu a jovenzinha que chega ao balcão (excepto se trouxer uma pistola na mão, suponho), por você uma pessoa com indícios exteriores de ser emigrante de Leste (vejam lá não se enganem) ou porteira num prédio e, por fim, por senhora… uma senhora. Uma pessoa idosa ou que indicia pertencer a certa classe social, digamos. É isso? Podem dominar as formas de tratamento no português contemporâneo (se calhar até leram Sobre “Formas de Tratamento” na Língua Portuguesa, de Lindley Cintra, à mesa de um McDonald’s), mas são uns hipócritas. E a quarta frase foi mal lida.
Se há questões complexas na língua portuguesa, a das formas de tratamento é uma delas. Há verdadeiras teses sobre o tema. Você é igualitário ou denota um pretendido distanciamento social? Senhor(a) é sempre tratamento cerimonioso, formal, sem distinções de classe, ou não? Vou voltar brevemente a este tema.

28.8.08

Publicidade

A sério


      As pessoas já sabem pouco, como se prova a cada passo, mas com campanhas em prol da ignorância, a coisa piora. Agora um pouco por todo o lado os toldos de cafés e pastelarias com o patrocínio da Olá têm a inscrição «Diverte-te à séria». São os senhores marqueteiros a martelarem a língua. Já alguém me dirá, talvez com erros, que não faz mal, a língua evolui, etc.

Selecção vocabular

Controla-te

Uma equipa de arqueólogos belgas e turcos descobriu partes de uma estátua que se supõe representar o imperador romano Marco Aurélio. O Público de ontem trazia uma chamada na primeira página. No Diário de Notícias, no artigo sobre o mesmo achado, da autoria de Luís Filipe Rodrigues, lia-se, entre outras coisas: «Marco Aurélio controlou Roma entre 161 e 180, sucedendo a Antonino Pio. Este membro da dinastia Antonina, foi o último dos “Cinco Bons Imperadores”, que entre 96 e 180 levaram a paz e a prosperidade (política, mas também militar e económica) ao Império, estabelecendo a célebre Pax Romana» («Estátua colossal de Marco Aurélio achada na Turquia», 27.08.2008, p. 48). Marco Aurélio «controlou» Roma? E a rainha Vitória, o que fez? E Cavaco Silva, o que faz?

27.8.08

Tradução do inglês


Parafuso com anel

Ficámos a saber: foi Arabella Tanios, sobrinha de Emily Arundell (e nas legendas da RTP Memória apareceu sempre «Arundel»), quem estendeu um arame no topo das escadas, entre o rodapé e um balaústre, para que Mrs Arundell caísse. E onde é que Arabella prendeu o arame? Florinda Lopes, a tradutora, quis que fosse a uma aselha, mas o que vimos é exactamente o que está na imagem acima. No original é nail. «“The thread which you merely deduce from a nail in the skirting board!” I interrupted.» Sempre conheci por camarão fechado. No Brasil, é conhecido por pitão. «Aselha», ma chère amie, é uma laçada, um nó corredio ou uma presilha, tira de pano que tem, numa extremidade, uma casa onde entra um botão para prender. Aselha.

26.8.08

Tradução

Tradução automática

Se eu volar sobre el cordón de la vereda porque vem lá um qualquer veículo que quase me atropela, onde estou eu? (Não vale: num sítio qualquer, falo é espanhol.) Estarei num país de fala castelhana, sim. Mas no campo ou na cidade? Pista: o veículo é um autocarro. Claro: voar sobre o lancil do passeio. Para certos tradutores, contudo, é voar sobre o cordão da vereda. O leitor mais proclive a enigmas que se desenrasque. ¡A la mierda!

Passagem ≠ passamento

De passagem

Confirmadíssimo: nenhuma das inúmeras acepções do termo «passagem» significa «morte». Confusão da tradutora, Florinda Lopes. Mas (re)começo do início, por complacência com os leitores. No episódio de ontem na RTP Memória, que tem hoje continuação, Poirot foi chamado a deslindar mais um assassínio. Trata-se do episódio Testemunha Muda (Dumb Witness), em referência ao fox terrier Bob, que assistiu ao crime. A determinada altura, uma das irmãs espíritas, não me perguntem qual, Isabel Tripp ou Julia Tripp, diz a Poirot, que aceitou um convite para as visitar: «A Emily [Arundell] sabe que se culpa pela sua passagem e acha uma tolice, M. Poirot.» Passage em inglês, sim. Em português, passamento. Morte. Falta de leitura. De dicionários e de obituários.

25.8.08

Pleonasmos em vídeo

Aprender a rir


É o primeiro vídeo deste blogue. E se vale a pena… Agradeço a Amélia Pais, que mo enviou.

24.8.08

«Nelson» e «Nélson». «Triplo salto»


Vamos contá-los

Muito curioso: o Diário de Notícias, entre outros jornais, escreve sempre «Nélson Évora». O Record, «Nelson». No que se refere aos nomes próprios, já sabem, respeito sempre (até para que sempre me respeitem) a forma como os escrevem quem os tem. A fonte mais acessível é o sítio do atleta, em que se pode ler «Nelson Évora».
Estabelece a Instrução n.º 38 do Vocabulário Ortográfico Resumido da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa (1947): «Para ressalvar de direitos, poderá ser mantida a grafia dos nomes próprios adoptada pelos seus possuidores na assinatura, bem como a grafia original de firmas comerciais, nomes de sociedades, marcas e títulos inscritos em registo público.»
A primeira página do Record que ilustra este texto é paradigmática. Por um lado, grafa «Nelson Évora», por ser, estou convencido disso, o nome do atleta; por outro, grafa «Nélson», o lateral-direito do Benfica. Não, não é a minha influência a fazer-se sentir. Não concordo com tudo, de resto. Porquê «triplo-salto»? É, tanto quanto sei, o único jornal que escreve assim. O que é que o atleta faz? Dá três saltos: primeiro, segundo, terceiro. Triplo salto. Só há uma obra a registar a ortografia «triplo-salto»: o Novo Prontuário Ortográfico de José Manuel de Pinto Castro.

23.8.08

Símbolos. Medidas de tempo

Ah, pois

A propósito do texto «Só se for na China» (e espero que o leitor já tenha encontrado o poste, seja lá qual for a intenção), devo acrescentar que, ainda que o correcto seja não afastar o símbolo da parte numérica — 36’ —, esta indicação da medida de tempo é incorrecta, pois os símbolos e ’’ representam minuto e segundo enquanto unidades de ângulo plano e não de tempo. Logo, o correcto é escrever, por exemplo, 4 h 32 min 3 s (com afastamento de até um carácter) e não 4:32 h ou 4 h 32’ 3’’. Ora, basta ler qualquer jornal desportivo ou secção de desporto de um generalista para vermos esta forma incorrecta.

22.8.08

Plural dos nomes próprios

Muito bem

«Os Mukaseis escreveram ainda um livro de memórias, publicado em 2004, intitulado Zephyr, do nome de código de Mikhail» («Um espião que prestou grandes serviços à Rússia», Diário de Notícias, 22.08.2008, p. 37). O excerto faz parte de um obituário e os Mukaseis são Mikhail Mukasei e Elizaveta Mukasei. São dois, logo, Mukaseis. Sim, com qualquer nome: o Bush, os Bushes.

Transliteração de nomes

Respeitinho


      Sim, sou apologista de se escrever os antropónimos tal como são nas línguas originais. (No alfabeto latino, naturalmente.) Nos jornais, é claro, pensa-se de forma diversa. Um exemplo. O defesa sérvio Nemanja Vidić, actualmente a jogar no Manchester United, vê o nome desvirtuado para Vidic nos jornais portugueses. Podia ser pior, claro. Contudo, o correcto é ser grafado com o diacrítico no c, a indicar palatização (produção de som pelo contacto da língua com o palato) fraca.


21.8.08

Símbolos

Só se for na China

«Fez 9,69s mas, mais do que a marca que o torna o 19.º recordista do hectómetro, o jamaicano impressionou pela forma tranquila como a atingiu» («Bolt supersónico até a travar», Rui Hortelão, Diário de Notícias, 17.08.2008, p. 45). Talvez Rui Hortelão não o possa fazer em Pequim, mas em Lisboa o editor e o revisor da peça podem, se quiserem, saber se este símbolo fica sem espaço depois do valor numérico. E não fica. Deve ser confusão com isto, que está certo: «A Argentina defrontou a Holanda e Lionel Messi voltou a marcar (14’), tendo Bakkal empatado (36’)» («Argentina e Brasil medem forças na meia-final», Diário de Notícias, 17.08.2008, p. 49).

Erradamente «arreado»

Reincidentes

«Também a Praia de Olhos d’Água, em Albufeira, viu arreado na quinta-feira o símbolo de qualidade balnear, mas neste caso apenas até serem conhecidos os resultados das próximas análises. […] A praia da Baleia, no concelho de Mafra, perdeu ontem definitivamente a Bandeira Azul por diminuição da qualidade da água, anunciou a entidade que atribui o galardão e fiscaliza as condições das praias» («Praia da Baleia perde bandeira azul», Diário de Notícias, 20.08.2008, p. 10). Os editores e os revisores não lêem o jornal no dia seguinte? Deviam. A bandeira continua ornamentada. Ora é «Bandeira Azul», ora «bandeira azul». No mesmo texto… Ora «praia» (da Baleia), ora «Praia» (de Olhos d’Água). Pobre leitor…

Tradução

Aguanta firme

Na redacção do Record, por cima de cada sanita da casa de banho dos homens há (que luxo!) um dispensador de folhas de papel para cobrir o assento da sanita. Como a engenhoca é espanhola, a indicação está na língua de Cervantes: Presione hacia abajo. Pressionei, só para ver. Papel vegetal. Muito higiénico. Contudo, não é para escrever de assuntos escatológicos que serve este texto. Serve, isso sim, para lamentar que as traduções de espanhol que vou vendo sejam tão, tão más, quando os instrumentos (e a sensibilidade? e o discernimento? e o estudo? e o empenho? e o esforço? e a cultura geral?) abundam. Claro que sempre dá para escolher um menos mau entre os 10 milhões de tradutores do espanhol que vivem no território.

Ortografia: «porto-santense»

Espera lá

«Em declarações à Lusa, o presidente do município portossantense, Roberto Silva, garantiu que o grupo Plaza Prestige, que inclui o futebolista, mantém a aposta no projecto, tendo já adquirido alguns terrenos e “continua a comprar” na zona da Calheta» («Cristiano Ronaldo avança com hotel de luxo em Porto Santo», Diário de Notícias, 20.08.2008, p. 30). Ainda o leitor incauto vai julgar que é alteração imposta pelo Acordo Ortográfico de 1990. Nada disso: é erro. Erros e gralhas inçam agora o Diário de Notícias. Os próprios títulos, objecto de muito mais atenção nos jornais, são agora desprezados neste diário: «Contra-bando de bíblias descoberto» (19.08.2008, p. 41). Sobre uma ponte romana em Chaves: «Autarquia desfaz tabu sobre a ponta romana» (19.08.2008, p. 20).

20.8.08

Particípios regular e irregular

Morta está a língua

«No sangue de centenários que sobreviveram à pandemia da gripe de 1918, cientistas norte-americanos conseguiram ainda descobrir anticorpos activos contra aquela estirpe viral [,] que terá morto pelo menos 50 milhões de pessoas em todo o mundo» («Anticorpos contra gripe de 1918 ainda estão activos», Clara Barata, Público, 19.08.1008, p. 13). Pois, cara Clara Barata, mas com os verbos auxiliares ser e estar, devemos empregar o particípio irregular do verbo principal: foi/está morto; com os auxiliares ter e haver, devemos empregar o particípio regular: tinha/havia matado.
Outra vez: «No sangue de centenários que sobreviveram à pandemia da gripe de 1918, cientistas norte-americanos conseguiram ainda descobrir anticorpos activos contra aquela estirpe viral [,] que terá matado pelo menos 50 milhões de pessoas em todo o mundo.»

Bilião, outra vez

Desilusão


      Afinal, parece que o jornalista Rui Marques Simões não lê este blogue. «Liu Xiang desiludiu ontem um quinto da população mundial» («Pressão de um bilião de chineses foi calcanhar de Aquiles de Xiang», Rui Marques Simões, Diário de Notícias, 19.08.2008, p. 36).

19.8.08

Léxico: «basónimo»

Ficam a saber

Já sei que sabem o que são acrónimos, alónimos, antónimos, antropónimos, asterónimos, astiónimos, astrónimos, autónimos, axiónimos, bibliónimos, criptónimos, cronónimos, etnónimos, fitónimos, hagiónimos, heortónimos, heterónimos, hidrónimos, hierónimos, hiperónimos, hipónimos, holónimos, homónimos, matrónimos, merónimos, mitónimos, orónimos, ortónimos, panteónimos, parónimos, potamónimos, prosónimos, pseudónimos, sinónimos, tautónimos, teónimos e topónimos — mas sabem o que são basónimos? Não sabem? Então já têm algo em comum com os jornalistas. Estes não os sabem grafar, os leitores não conhecem o conceito. Pois basónimos são epítetos binominais ou trinominais, em latim, usados para designar um ser vivo, seus Homo sapiens.

18.8.08

topónimo

Até que enfim!

No Diário de Notícias já perceberam — aposto que à custa de muitos protestos de leitores — que o topónimo não se escreve como o estavam a fazer, mas assim: «As aventuras dos cinco da Abrançalha de Baixo» (reportagem de Isabel Lucas, Diário de Notícias, 17.08.2008, pp. 6-7).

Transliteração de nomes

Ouvindo o provedor

Karadzic ou Karadžič? «Não existe em Portugal», lembra o provedor do jornal Público em resposta à carta de um leitor, João Sousa André, «nenhuma convenção que os jornais sigam a este respeito. Mas o provedor recomenda que, nas transliterações, o jornal consagre para cada nome a forma foneticamente mais aproximada em português, e não siga a mera grafia usada na imprensa anglo-saxónica, que é o que mais se pratica (tal como antes se seguia a francófona)» («Ouvindo os leitores», Joaquim Vieira, Público, 17.08.2008, p. 16). Agora só falta que ouçam o provedor.

Dixit e dixerunt


Latim de cozinha

Metade está errada. Qual? Uma qualquer. Não, não estou a tresler. Uma qualquer. A demonstração? Ei-la: Treinador dixit. Treinadores dixerunt. Fica sempre bem usar latim no meio daquilo que escrevemos, excepto quando está errado. Traduzindo a metade latina, temos: «Treinadores disse.» Isto está correcto? É claro que não. Fica o recado. Aqui e lá.
No latim há, como em português, três pessoas: a primeira, que fala: ego; nos; a segunda, com quem se fala: tu; vos; a terceira, de quem se fala: ille; illi.
Dico, dicis, dixi, dictum, dicere
. Há, em relação à conjugação verbal latina, uma especificidade no ensino: costuma-se enunciar os verbos pelas formas dos chamados tempos primitivos: a primeira pessoa do singular do presente do indicativo (dico); a segunda pessoa do singular do presente do indicativo (dicis); a primeira pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo (dixi); o supino (dictum) e o infinitivo (dicere). O pretérito perfeito do indicativo conjuga-se assim: dixi, dixisti, dixit, diximus, dixistis, dixerunt. De nada. Aprendam sempre. Voltem sempre, digo.

17.8.08

Arrear ≠ arriar

Arriar no público leitor



      «A Bandeira Azul voltou ontem a ser arreada na praia dos Olhos d’Água, no litoral de Albufeira, por existir indícios de que a água do mar não reúne as condições para exibir o símbolo europeu de qualidade» («Praia dos Olhos d’Água volta a arrear Bandeira Azul devido aos resultados das análises à qualidade da água», Idálio Revez, Público, 16.08.2008, p. 24).
      Bem pode o Livro de Estilo do Público registar: «rédea — Como arrear (dif. de “arriar”) e arreata.» Os jornalistas e os revisores não o lêem. As bandeiras, os cabos, as linhas, as redes e as velas arriam-se, isto é, fazem-se descer, abaixam-se, soltam-se. As montadas é que são arreadas, isto é, aparelhadas, lhe são postos arreios. Se querem uma mnemónica, ei-la: é com i, arriar, quando tem o significado de fazer descer, abaixar. Dois ii: arriar, abaixar.
      Em catalão é que tanto se pode arriar uma bandeira como uma cavalgadura: «Estimular (una bèstia) a continuar o accelerar la marxa, amb la veu, les xurriaques, etc.» Curiosamente, temos a palavra «arrieiro», o condutor de bestas de aluguer, de arre+-eiro.

Actualização em 18.08.2008


      Também o Diário de Notícias traz o mesmo erro: «A Praia Olhos d’Água, Albufeira, ficou este fim-de-semana prolongado sem bandeira azul, situação que ocorre pela segunda vez este Verão, depois de já ter sido arreada no início deste mês por descargas de esgotos» («Olhos d’Água de novo sem bandeira azul», Diário de Notícias, 17.08.2008, p. 16). A fonte, é claro, é a mesma: Lusa. O problema também é o mesmo: aceitação acrítica do que se recebe.


16.8.08

Léxico: «sagging»


Linda figura

      Se José Rentes de Carvalho, escritor e bloguista seriíssimo e vernáculo, pode escrever, no Tempo Contado, sobre o camel toe, sinto-me autorizado a abordar aqui o sagging. Foi o Diário de Notícias que veio lembrar o fenómeno e a designação: «É um mistério como conseguem andar com as calças pelo meio da coxa, mas os adeptos desta moda (sagging, em inglês) são cada vez mais e insistem em mostrar ao mundo roupa interior de todas as cores e tamanhos. A moda terá surgido nas prisões norte-americanas, onde os cintos são proibidos devido ao eventual uso em enforcamentos» («Calças baixas», Diário de Notícias, 11.08.2008, p. 9).

15.8.08

Espanhol do Uruguai


Coisas do Uruguai


      Aposto que alguém, por esse mundo fora, me irá mentalmente agradecer por indicar aqui este léxico com 1000 palavras do espanhol do Uruguai.

14.8.08

Pontuação

Vírgulas a mais

Estou cada vez mais convicto de que existem usos arbitrários deste sinal de pontuação, ainda que não o aparentem. Tome-se este excerto da obra Algumas Distracções, de Francisco José Viegas, já aqui citada: «Aliás, uma das coisas que mais me preocupa hoje, em Portugal, é a tendência para que a opinião individual desapareça diante das chamadas “opiniões maioritárias” — é cada vez mais rara a figura do colunista, do cronista ou do cidadão comum que arrisca a sua opinião sem cuidar das consequências e do desprestígio que uma “má opinião” lhe pode trazer. Alguns, perdem o emprego. Outros, perdem a consideração das maiorias» (p. 7). Por mais voltas que se dê, a pontuação das últimas duas frases está errada. E está errada porque não se separa o sujeito do verbo por vírgula, a não ser que haja entre ambos um termo intercalado, que não é o caso destas frases. Por exemplo: Alguns, menos precavidos, perdem o emprego. Outros, desprestigiados por algum motivo, perdem a consideração das maiorias.
O erro, neste caso concreto, decorre da malfadada crença de que onde há uma pausa há uma vírgula. Nada mais errado. Até pode acontecer que onde haja vírgula não haja pausa.

Milhões e biliões

Menos é mais… certo

«Parece mentira, mas é verdade: a Índia, gigante demográfico com 1 bilião de habitantes, só ontem obteve a sua primeira medalha de ouro individual em Jogos Olímpicos — o melhor que conseguira, desde 1896, fora a vitória, em oito ocasiões, no hóquei em campo» («Novo herói da Índia vai receber 370 mil dólares», Rodrigo Cordoeiro, Público, 13.08.2008, p. 23). Veja lá, caro Rodrigo Cordoeiro, se faz a coisa por menos. Por menos zeros. Parece mentira, mas é verdade: a confusão persiste, apesar do que regista o próprio Livro de Estilo do Público: «bilião — Um milhão de milhões, em português.»

13.8.08

Tradução

Será plausível?

Mentiria se dissesse que não gostei de ler a crónica de ontem de José Vítor Malheiros no Público. Eis um excerto: «Pode-se pensar que os carros deixaram de obedecer à passadeira em virtude daquilo que os americanos chamam plausible deniability. (“Passadeira? Qual passadeira? Eu vi umas marcas muito sumidas, mas pensava que fossem de uma passadeira antiga que já nem existisse.”) Pode-se pensar que alguns dos automobilistas não vejam mesmo as marcas (é por isso que a deniability é plausible)» («Da pintura das passadeiras», José Vítor Malheiros, Público, 12.08.2008, p. 33).
O que me pergunto é se o autor não podia ter traduzido as palavras e expressões inglesas que usa, e nomeadamente a que se lê acima, plausible deniability, para cabal compreensão do leitor. A não ser — ponho ser esta hipótese — que o objectivo não seja ser-se compreendido. Pois traduz-se por negação plausível ou negação capciosa. A negação plausível refere-se à recusa de responsabilidade nas cadeias de comando informais, em que os escalões mais elevados de poder atribuem a responsabilidade aos escalões mais baixos de comando. É uma estratégia muito usada na política, na guerra e nas acções de espionagem, para dar cobertura a actos ilegais ou impopulares. Não sei é se se aplica com propriedade ao caso dos automobilistas. Vou pensar.

Léxico: «georgiano»

Isso é no Brasil

A propósito da guerra no Cáucaso Meridional, o ex-embaixador José Cutileiro dizia ontem num serviço noticioso da Antena 1 que «o presidente geórgio» não sei quê. Quanto ao não-sei-quê, estamos de acordo, mas «geórgio»? Em Portugal, o adjectivo do que é relativo ou pertencente à República da Geórgia é «georgiano». O mais parecido com o que José Cutileiro disse é «geórgico», também adjectivo, mas este relativo aos trabalhos agrícolas, com etimologia grega através do latim (não é assim, Adriana?). Talvez, a influência entre as línguas é incalculável, o gentílico provenha do vocábulo grego para cultivar, γεωργία (gueōrguia).
No português do Brasil é que o adjectivo do que é relativo ou pertencente à República da Geórgia é «geórgio». «O presidente geórgio tem acusado a Rússia de apoiar as regiões para sabotar o seu governo. Moscou nega as alegações» (in BBC Brasil, aqui).

12.8.08

«Arcebispo emérito». Tradução

Mais elevação

Ainda a propósito da tradução do programa Panorama BBC de anteontem, na Sic Notícias, nas legendas o sul-africano Desmond Tutu foi dado como «ex-arcebispo». Bem, ainda que esta formulação apareça com alguma frequência, a verdade é que se deve dizer «arcebispo emérito». Não sei o que pretendem os tradutores fazer com os milhares de vocábulos que jazem, empoeirados, nos dicionários. Não há-de ser assim, com esta pobreza lexical, que elevarão o espírito dos leitores nem o seu próprio. Antecipo-me a qualquer objecção: desculpas. As pessoas aprendem.

«Pastel de bacalhau»?

Imagem: http://www.fajardoeteresa.kit.net/

Fornos e frigideiras


É notícia na maioria da imprensa (a estação parva leva a isto…) que o restaurante do pavilhão de Portugal na Exposição Internacional de Saragoça está a servir 40 a 50 quilos de bacalhau por dia. Não sabemos se o restaurante servirá os tão característicos croquetes de bacalhau. Ou serão pastéis de bacalhau? É o desafio que me lançam daqui.
Bem, de facto, em culinária, um pastel é uma porção de massa de farinha com recheio de picado de carne ou de peixe, doce, etc., cozida no forno. Talvez venha do italiano pastello: «massa rassodata di varie sostanze (vegetali, animali o minerali) tritate, impastate e fatte rassodare» (in De Mauro).
Um croquete, por seu lado, é um bolo aproximadamente cilíndrico feito de picado de carne, de peixe ou de marisco, envolvido em pão ralado e frito. Vem do francês croquette: «Boulette de composition très diverse, frite après avoir été roulée dans la farine, trempée dans du jaune d’œuf et saupoudrée de chapelure ou de mie de pain fine. Croquette de bœuf, de/au fromage, de morue, de poisson, de pomme de terre, de riz, de volaille. Croquettes aux abricots, de marrons» (in TLFI).
Entre bolinho de bacalhau e pastel de bacalhau, venha o Diabo e leve os dois para o Inferno, para os cozer. Sempre disse croquete de bacalhau, tal como a minha mãe, exímia a fazê-los.

Voz «off»

♫ O Areias…


      Herman José vai voltar com a Roda da Sorte. «As diferenças são que não voltará a voz-off, haverá nova assistente (cujo casting está em curso) e um Herman século XXI» («Dezoito anos depois, o Herman José do século XXI regressa à Roda da Sorte», Joana Amaral Cardoso, Público/P2, 11.08.2008, p. 10). Quem diz «o Herman José», podemos supor, também dirá o Camões, o Vasco da Gama, o Cavaco Silva… Mas isso agora não interessa, mas sim a voz: para já, arrepia-me sempre que numa palavra composta metade apareça em itálico e metade em redondo. No caso, para quê o hífen? Sempre li «voz off». Leio no sítio da Universidade Aberta: «A voz off é proferida por alguém fora do campo visual em questão. Identificamos-lhe três funções: contextualização, como é o caso dos documentários; reflexão interior, o monólogo do pensamento de uma personagem; criar situações imaginárias.»

Regência do verbo «aconselhar»

Mais um conselho

«Em comunicado, o subeditor da Random House anunciou que foi aconselhado de que a obra [The Jewel of Medina, de Sherry Jones] poderia ofender o islão, mas também incitar à violência dos grupos mais radicais» («Livro cancelado por medo de ofender islão», J. M., Diário de Notícias, 11.08.2008, p. 48). Foi «aconselhado de que a»? A sério? E ele percebeu o conselho? Com esta redacção, só omitindo a preposição a frase fica apresentável: aconselhado que.

Verbo «meter». Confusões (I)

Mete-te na tua vida

Estranhamente, alguns jornalistas confundem os verbos pôr, colocar e meter. Veja-se este caso lamentável da edição de ontem do Diário de Notícias: «Morreu electrocutado na madrugada de ontem o jovem espanhol de 20 anos que meteu a cabeça num poste de alta tensão» («Colocou a cabeça num poste e morreu», Diário de Notícias, 11.08.2008, p. 26). E no pós-título: «Jovem espanhol faleceu electrocutado quando meteu a cabeça num poste de alta tensão em Valência».
Como é que ele se foi arranjar para fazer entrar, inserir, pôr dentro, introduzir a cabeça no poste, querem ter a bondade de me explicar? Se está bem contado, foi numa frincha do poste.
Com erros destes, como é que o leitor pode meter dente num artigo? Meter água nestas questões básicas da língua não é um pouco humilhante para um jornalista? Como é que metem os pés pelas mãos desta maneira? Não quero meter à bulha ninguém, nem meter o nariz, mas os revisores não tinham obrigação de emendar estes erros tão óbvios, deixando de se meter nas encolhas? Sim, porque meter na cabeça dos jornalistas que é assim ou assado nem sempre resulta, é melhor sermos nós a fazer. Claro, porque não os podemos meter a ferros. Mas eles que não venham agora meter-nos os dedos pelos olhos dizendo que o tempo, a pressa… E nós? Sim, a pobre língua... mete pena. Mete raiva também. Não, não, não vamos agora metê-los à cara. Calma, calma! Vamos antes metê-los num chinelo.

Rei Sol. Pontuação. Etimologia

Assim está melhor

A propósito da provável etimologia da palavra «gravata», lia-se ontem no Diário de Notícias: «Reza a lenda que a culpa da gravata foi dos mercenários croatas ao serviço do rei de França, Luís XIV, o “Rei-Sol”. […] Ninguém sabe ao certo a etimologia da palavra “gravata”. Julga-se que vem da palavra “croata”. Pode não ser verdade, mas faz sentido» («Gravata é parecido com croata», João Pedro Henriques, Diário de Notícias, 11.08.2008, p. 6). A primeira frase saiu um pouco torta ao jornalista. Endireitemo-la, pois: «Reza a lenda que a culpa da gravata foi dos mercenários croatas ao serviço do rei de França Luís XIV, o Rei Sol.» Sem mais comentários.

11.8.08

Pronomes de reverência. Tradução

Falsas realezas


      O Panorama BBC de ontem, na Sic Notícias, era sobre a Igreja Anglicana e a crise que a está a afectar. Um dos entrevistados foi, como seria inevitável, o arcebispo da Igreja Anglicana da Nigéria, Peter Jasper Akinola, «o Bin Laden do anglicanismo», tradicionalista que é contra a ordenação de religiosos homossexuais. Porque está na Bíblia, diz, é só ler. Em duas ocasiões, o repórter Ben Anderson profere o pronome de reverência inglês usado habitualmente no trato com um arcebispo da Igreja Anglicana: Your Grace. A tradutora portuguesa não teve dúvidas e verteu para Sua Alteza. Estava-se mesmo a ver. Ora, para um arcebispo, em português a forma de tratamento é Excelência, e por escrito, V.ª Exc.ª Reverendíssima.

10.8.08

Insultos indígenas

Imagem: http://www.bbc.co.uk/

À distância


Estou aqui a ler Algumas Distracções, uma recolha de textos que Francisco José Viegas foi publicando no extinto Aviz e no bem vivo A Origem das Espécies (publicada pelas Quasi Edições, Vila Nova de Famalicão, 1.ª ed., 2007). Quanto a distracções (e qualquer dia, distrações), só na pontuação, mas não é disso que quero falar, antes deste texto: «Senhor, Sr. Tornou-se moda, em Portugal, para insultar os adversários à distância, tratá-los por “Senhor”: o “Senhor Bush”, o “Senhor Aznar”, o “Senhor Blair”. Esse arrivismo de pacotilha é irritante mas demonstra a parvoíce em que anda a gramática: quando se ouve alguém a ser tratado por “Senhor”, já se sabe — é insulto. 25.5.04» (p. 200). A simples leitura deste texto fez-me evocar, por contraste, Cambridge e o carteiro que cumprimentava toda a gente (até a mim, um estrangeiro de passagem) com um aceno de quem parece que vai tirar o chapéu. Gesto, aliás, que homens idosos mesmo sem chapéu também fazem. Com pessoas assim, eu até esqueço os dias de chuva inopinada no Verão e a comida intragável.

BBC Radio 4


Ouçam

Diana Athill, considerada a melhor editora em Londres durante 50 anos, escreve na sua obra Somewhere Towards the End: «Tenho amigos queridos em Nova Iorque que estão quase prontos a mudar-se para Londres por causa da Rádio 4.» É porque os amigos não têm ligação à Internet. Sim, a melhor estação de rádio do mundo está aqui.

9.8.08

Verbo haver

Hão, hão, hão

      De todas as vezes que referi aqui o verbo «haver» na sua acepção impessoal, aposto que houve sempre, por esse mundo fora, algum sorrisinho trocista de quem se julga a salvo de erro tão básico. O sorrisinho não é grave — se não provier, afinal, dos que caem em erro tão básico. «— Amo-te mais que tudo! És tu! — disse-lhe baixinho, ansiosa por tudo o que ele lhe poderia dizer, e querendo garantir que não houvessem dúvidas ao que ela sentia por ele» (1613, Pedro Vasconcelos. Revisão de Henrique Tavares e Castro. Oficina do Livro, Lisboa, 2.ª ed., 2006, p. 236). É bom trabalhar nas obras.
      José Neves Henriques escreveu uma vez, referindo-se a frases com o verbo haver nesta acepção erradamente conjugado no plural, que «estas frases estão tão profundamente erradas, que inferiorizam quem as diz». De caminho, ficam a saber como se pontua uma oração subordinada consecutiva.

Frases longas

Viver dentro das frases

A propósito da tradução no Brasil da obra História do Pranto, o escritor argentino Alan Pauls foi entrevistado pelo Jornal do Brasil («Elipses e enigmas da sintaxe narcótica», Alvaro Costa e Silva, 8.08.2008, p. L3). Diz o entrevistador: «Como n’O passado, as frases são longuíssimas, à la Proust.» Ao que Pauls responde: «Gosto de trabalhar a frase como se fosse um transe, e não há dimensão mais narcótica na literatura que a sintaxe. Uma frase longa transforma a literatura numa arte ambiental: o leitor pode viver dentro da frase, como se estivesse num ecossistema raro, cheio de prazeres e perigos.» A obra de Alan Pauls, traduzida já para inglês, não está publicada em Portugal. No Brasil, uma tiragem de 3000 exemplares de O Passado vendeu-se num mês.

A verdade das entrevistas

Hum…


      A estranheza de Ferreira Fernandes é a minha estranheza: na entrevista ao Público, as palavras eram mesmo de Cristiano Ronaldo? De facto, há elementos a afiançarem ao leitor que foi uma entrevista presencial: «O Manchester e os seus adeptos podem ter a certeza que nunca os esquecerei, aconteça o que acontecer. São especiais e têm um cantinho aqui guardado [bate com a mão no coração]» («“Ficar no Manchester não será um sacrifício mas uma honra enorme”», Nuno Prata, Público, 7.08.2008, pp. 2―3). Conclui Ferreira Fernandes a sua crónica no Diário de Notícias: «Pois eu não lhe ‘tou grato por ele falar como Paulo Rangel interpela o Governo. Não vai a bota do mais genial dos extremos com a perdigota do falar de um qualquer professor agregado. CR corre, não tem motricidade; CR é bom sempre, não tem sustentabilidade. Se ele falasse como parece na entrevista, a transferência não seria para o Real Madrid mas para o ISCTE» («Alinhar na equipa barata do falar caro», Ferreira Fernandes, 8.08.2008, p. 64). Até eu, no Record, ponho os atletas, em especial os futebolistas, a falarem com menos erros, mas coisa ligeiríssima, evitando apenas os erros que suponho (e se calhar suponho mal) chocariam os leitores. Nunca me passou pela cabeça pô-los a falar com a eloquência de Catão, o Censor.


8.8.08

«Tutsis» («Tútsis») e «Hutus» («Hútus»)

Sic, sic, sic...

«No Ruanda, os belgas ficam na história por terem patrocinado a estratificação étnica, reconhecendo aos tutsis a supremacia sobre os hutu» («Bélgica: país à beira da divisão?», Alexandra Carreira, Diário de Notícias, 21.07.2008, p. 28). «Tutsis» e «hutu»? Há-de ser «Tutsis» e «Hutus», ou, seguindo a adaptação registada no Dicionário Houaiss, «Tútsis» e «Hútus», porque são palavras graves (também chamadas «proparoxítonas» por Carlos Rocha aqui, e ninguém corrige). Mas o «hutu» foi lapso do Diário de Notícias, pois duas semanas mais tarde lia-se no mesmo jornal: «Ainda segundo aquele relatório, os militares franceses “deixaram operacional [sic] as infra-estruturas do genocídio, em especial os postos de controlo das milícias Interahamwe (os extremistas hutus). Os franceses pediram expressamente que as Interahamwe continuassem a controlar os postos de controlo e a matar os tutsis, [sic] que por aí tentassem passar”» («Ruanda acusa Paris de envolvimento em genocídio», Diário de Notícias, 6.08.2008, p. 25).

7.8.08

Estação parva

Parva mas portuguesa

      Arrastado por Ferreira Fernandes, também eu me começo a interessar pelo paradeiro de Pascal Henry, o gourmet suíço misteriosamente desaparecido. Os mais importantes jornais já referiram a notícia, desde o The Times, The Independent (que tem o melhor título), El País… you name it… Perdão, os que quiserem. Aliás, a propósito de inglesices, o que eu queria mesmo era congratular-me com o facto de Ferreira Fernandes não ter usado a expressão silly season, mas «estação parva».
      «Bendita a estação parva que permite atenção a notícias parvas: um homem desapareceu. Fosse ele Fevereiro ou Novembro, dias de estações cheias, não ligaríamos, ocupados que estávamos com uma moção de censura. Assim, dou conta que um homem desapareceu. Ele foi comer ao restaurante El Bulli, catalão e o mais premiado do mundo — “tenho uma reserva no El Bulli”, digo quando quero relançar o interesse de uma amiga —, ao pagar, não tinha carteira, foi ao carro e nunca mais foi visto. Simples caloteiro? Não — vou sabendo, saboreando o caso (que já vai numa semana). O homem visitava todos os restaurantes do mundo, são 68, com 3 estrelas Michelin. Com o El Bulli estava a meio da lista (restaurante 40.º). Já engoli o anzol. O homem era simples estafeta, desses que entregam envelopes de moto. Já não preciso de anzol, estou viciado. O homem tinha um patrocinador misterioso. Parva ou não, só darei por encerrada a estação quando souber tudo sobre o homem que desapareceu» («Um dia, as notícias serão todas assim», Ferreira Fernandes, Diário de Notícias, 8.08.2008, p. 64).

Títulos da imprensa

Imagem: http://www.judo.ethz.ch/

Bom golpe


      O melhor título, por mais criativo, mais inesperado, da imprensa portuguesa de ontem foi este: «Telma Monteiro faz ‘ippon’ ao peso». É do jornalista Rui Hortelão, do Diário de Notícias, e refere-se à dieta que a judoca portuguesa tem estado a seguir para poder competir nos Jogos Olímpicos na categoria de -52 kg. E, naturalmente, explica-se o que é o ippon: «Restringiu o prato a grelhados de carne e saladas e deixou de beber refrigerantes, ficando-se apenas pela água. Tudo para fazer ippon (golpe que dá a vitória imediata) ao peso» (p. 34).

6.8.08

Crítica literária

Venham mais assim

Haverá críticas literárias que interessem a tradutores, revisores, editores e leitores em geral? Poucas, mas há — e esta, assinada por José Mário Silva, é uma delas: «Se uma editora decide apostar num romance extraordinário (como “Os Detectives Selvagens” [do chileno Roberto Bolaño (1953-2003)]), ninguém lhe poderá levar a mal que alinhe na contracapa, como numa vitrina de troféus, os encómios da melhor imprensa: “El País”, “Le Monde”, “The New York Times”… A Teorema fez isso — e bem —, mas infelizmente borrou a pintura ao prometer-nos “o primeiro grande romance latino-americano do século XXI”, quando ele foi originalmente publicado em… 1998. Mais graves são outras lacunas, como: o facto de não se mencionar a proveniência da imagem da capa (o quadro “The Billy Boys”, de Jack Vettriano); a excessiva compactação do texto, que permitiu reduzir cem páginas em relação às edições espanhola (Anagrama) ou inglesa (Picador), mas que sujeita o leitor a uma cansativa mancha de texto, demasiado larga e densa; um número inadmissível de gralhas; uma tradução razoável mas que fica ferida por erros básicos (”cadáveres requintados” em vez de “esquisitos”; “corrector” em vez de “revisor”; “Teoria da Libertação” em vez de “Teologia da Libertação”; “índice” em vez de “dedo indicador”, etc.)» («Quando o século XXI em 1998», José Mário Silva, Expresso/Actual, 2.08.2008, p. 25. Ver aqui também).

Topónimo: «Mêda»


Ai que meda!...

Ontem, na Antena 1, ouvi que «em Mêda», distrito da Guarda, havia um incêndio com duas frentes activas. Pois é, mas os medenses (de Aveloso, Barreira, Casteição, Coriscada, Fontelonga, Longroiva, Marialva, Meda, Outeiro de Gatos, Paipenela, Poço do Canto, Prova, Rabaçal, Ranhados e Valflor) e os meios de comunicação social mais judiciosos dizem «na Mêda». Alguma imprensa escreve «Meda», sem acento circunflexo. Contudo, a maioria das ocorrências do nome no sítio da Câmara Municipal desta cidade, por exemplo, tem acento. Os dicionários, pelo contrário, grafam sem acento, pois deriva do substantivo comum «meda». No Diário de Notícias, no título de uma notícia lemos Meda («Incêndio consumiu cem hectares em Meda», 6.08.2008, p. 14) e no corpo da notícia, Mêda.

5.8.08

Fotografias nos livros

Imagens tagarelas

Depois da reabilitação das notas de rodapé e dos índices remissivos, chegou o momento de os críticos abominarem as fotografias nos livros: «Quanto à edição. O editor tem uma excelente ideia e trata depois de torná-la antipática. Todo o livro que se preze tem hoje que incluir as suas previsíveis e insípidas fotografias. Cá estão elas a onerar a edição e, no caso, a contribuir para a detestável mística do Autor ou, melhor, dos seus Aposentos: clichés do escritório de Agamben, a biblioteca, os rostos emoldurados que só a ele pertencerão. Não nego que a fotografia fale; ela anda é a falar demais e a calar tudo o resto» («O anjo descriador», Francisco Luís Parreira em recensão à obra Bartleby, Escrita da Potência, de Giorgio Agamben, publicada pela Assírio & Alvim, Público/Ípsilon, 25.07.2008, p. 33).

4.8.08

Pontuação

To my parents, Ayn Rand and God

Se fizerem uma pesquisa no Google à frase que serve de título a este texto, perceberão de imediato do que se trata e a importância que tem. Para os anglo-saxónicos, não para nós. Chamada serial comma ou Oxford comma, esta vírgula, opcional, é usada antes do último termo de uma enumeração precedido da conjunção and (e). No caso do título, não se usar a vírgula antes de and pode, advogam os defensores da Oxford comma, levar o leitor a crer que os pais do autor da frase (uma presumível dedicatória de um livro) são Ayn Rand e Deus. A blasfémia (e exemplo extremo) serve para demonstrar como faz falta ali uma vírgula. O Chicago Manual of Style «strongly recommends this widely practiced usage, blessed by Fowler [Fowler, H. W. A Dictionary of Modern English Usage. 2.ª ed. revista e editada por Sir Ernest Gowers. Oxford: Oxford University Press, 1965] and other authorities, since it prevents ambiguity».
Contudo, os jornais nem sempre a usam, sobretudo nos títulos. Entre nós, contudo, e é isto que importa, o uso desta vírgula é desnecessário e indefensável. (Não, Nuno, o Novo Prontuário Ortográfico, de José Manuel de Castro Pinto, não prevê «o carácter expressivo da famosa Oxford comma». Refere, isso sim, que «não poucas vezes, é a própria linguagem expressiva que leva o escritor a colocar a vírgula antes de conjunções», e nenhum dos exemplos aduzidos por Castro Pinto se encaixa na definição da Oxford comma.)

Concordância: «horas extras»

Extraordinário

      «Ministra não quer pagar a dobrar por horas extras» (Diana Mendes, 31.07.2008, p. 11), titulava o Diário de Notícias, evitando um erro para que eu venho aqui prevenindo há anos: a falta de concordância. Antes, este jornal escreveria «horas extra». Afinal, nem tudo piora.

3.8.08

Léxico: «gastrossexual»

Menhã-menhã…

O noticiário das 18 horas da TSF dá-me a notícia: depois do termo «metrossexual», eis que surge o vocábulo «gastrossexual». Designa o homem entre 25 e 45 anos, não necessariamente rico, que gosta de misturar ingredientes para fazer pratos para impressionar os amigos. A designação e rebarbativa, é certo, mas encaixo nela. De resto, é algo mais simpático e proveitoso do que ser metrossexual ou ogrossexual ou… Não deixaram de referir, claro, Jamie Oliver.

Propriedade e clareza

Mas qual «qual»?

Cada época tem as suas manias, os seus modismos. Actualmente, e já com alguns anos, o abuso e uso inadequado das expressões «à qual» e «da qual» é algo de penoso. Na oralidade, e é a ela que me estava a referir, é simplesmente atroz e fonte de complicação. Na rádio e na televisão, todos os dias ouço «da qual», «à qual» e variantes, a maioria das vezes sem concordância. É também desta questão que o excerto de recensão a seguir trata: «Aspecto decisivo, porém, é o da tradução. Agamben é um estilista de grande clareza. Os tradutores deploram esta clareza; acham por vezes que têm de defender o filósofo de si mesmo e apõem-lhe uma complexidade mais adequada ao seu “estatuto”. Esta escusada generosidade tem o seu preço gramatical: ocorrem os “à qual” em vez de “pela qual”; uma ou outra expressão toscamente traduzida é grafada com aspas para desculpar-se da sua aspereza» («O anjo descriador», Francisco Luís Parreira em recensão à obra Bartleby, Escrita da Potência, de Giorgio Agamben, publicada pela Assírio & Alvim, Público/Ípsilon, 25.07.2008, p. 33).

Traduzir do inglês

Preferir não

«O editor decidiu também rever a tradução do texto de Melville, em particular a fórmula de Bartleby, agora rendida como “preferiria de não”. Segundo nota, é para torná-la conforme à leitura de Agamben. No entanto, “I would prefer not to”, que se saiba, é tudo menos agramatical (daí o seu interesse), e não se vê onde é que Agamben cauciona uma coisa tão ridícula» («O anjo descriador», Francisco Luís Parreira em recensão às obras Bartleby, Escrita da Potência, de Giorgio Agamben, e Bartleby, o Escrivão, de Herman Melville, ambas publicadas pela Assírio & Alvim, Público/Ípsilon, 25.07.2008, p. 33). Mas a opinião do crítico não é consensual, como se pode ver no ensaio «“I would prefer not to” ― Bartleby, a fórmula e a palavra de ordem», da autoria de António Bento, da UBI, que pode ler aqui.

Traduzir do inglês

Pateticamente


      «“O uso da tortura está a aumentar de forma dramática”, disse, citado pelo diário britânico Guardian, o investigador da Human Rights Watch, Fred Abrahams» («Fatah e Hamas torturam os respectivos prisioneiros», L. R., Diário de Notícias, 30.07.2008, p. 28). É qualquer coisa de fatal: em inglês aparece um dramatically ou um dramatic e o tradutor português não tem dúvidas: «dramaticamente» e «dramático» espelham bem o que o original pretende significar. «“The use of torture is dramatically up,” said Fred Abrahams, a senior researcher for the group» («Middle East: Palestinians 'routinely torture' rival detainees», Jonathan Steele, The Guardian, 29.07.2008). Talvez fosse bom saberem que dramatic também se traduz por acentuado, decisivo, drástico, profundo, radical…

2.8.08

Influência anglo-saxónica

Dignidade

Ana Margarida de Carvalho perguntou a João Ubaldo Ribeiro, distinguido com o Prémio Camões 2008, na entrevista que lhe fez para a Visão (edição de 31.07.2008, p. 18) como anda a língua portuguesa, ao que o escritor respondeu: «Não estamos no bom caminho. Vocês em Portugal se comportam com mais dignidade. E se recusam a se curvar, da mesma forma subserviente que nós, à influência americana.»

Uso das maiúsculas

Frases urgentes e destravadas

Isabel Coutinho entrevistou Valter Hugo Mãe para a Ípsilon. A determinada altura, a jornalista diz ao escritor que de certeza que aprendeu a escrever na escola primária com «letra grande», mas que «mais tarde, as minúsculas desaparecem dos seus textos». Resposta: «A dada altura percebi que as maiúsculas ligam o texto, aceleram-no, precipitam o leitor. As vírgulas ficam menos virguladas e os pontos menos pontuados. Então as pausas tendem a ser mais breves. Há uma aceleração que se junta a uma certa urgência da história. O leitor fica sem travões.» Isabel Coutinho pergunta (e era a minha curiosidade): «Tem tido reacções de leitores? Dificulta-lhes a leitura?» «Ao que sei», responde o entrevistado, «no início, a primeira reacção é um choque. As pessoas ficam aflitas, não sabem onde parar, não percebem onde a frase acabou. Mas o leitor menos preguiçoso habitua-se ao fim de quatro páginas e consegue deslizar. Consegue seguir naquela leitura com menos travões com alguma destreza. Fica contente quando percebe que este tipo de pontuação o leva mais rápido ao fim da história» («O escritor que não usa maiúsculas para o leitor ficar sem travões», Público/Ípsilon, 1.08.2008, p. 8).

Índices remissivos

Ponto por ponto

      Depois de ter visto, recentemente, a apologia das notas de rodapé, agora foi a vez de o índice remissivo ser exaltado. «É verdade que existem índices remissivos nos livros, mas muitos não os têm — Portugal é um caso dramático nesse aspecto —, e os índices são por definição incompletos. Seria absurdo um livro impresso com um índice remissivo de todas as palavras nele empregues. E, mesmo nos elementos em que ele faz sentido, é com frequência imperfeito, como o é qualquer tarefa humana, em particular as que envolvam maçada. Escrever pode ser ou não divertido, mas fazer índices de termos quase de certeza que não o é» («Vem aí o papel electrónico», Luís M. Faria, Expresso/Actual, 26.07.2008, p. 21). Um livro impresso com um índice remissivo de todas as palavras nele empregadas faz lembrar o mapa à escala 1:1 do conto de Jorge Luis Borges. «Con el tiempo, esos Mapas Desmesurados no satisficieron y los Colegios de Cartógrafos levantaron un Mapa del Imperio que tenía el tamaño del Imperio y coincidía puntualmente con él.»

Raça


Campanhas criativas

O Ministério do Trabalho, da Saúde e das Políticas Sociais italiano lançou uma campanha contra o abandono dos animais cuja face mais visível é o cartaz que está em cima, publicado em toda a imprensa italiana. «Tu di que razza sei? Umana o disumana?» (Tu de que raça és? Humana ou desumana?) Não está genial? Também Marlon Brando, a uma pergunta de um questionário dos serviços de incorporação militar sobre a que raça pertencia, respondeu «humana». Quanto à cor, escreveu: «Sazonal — de branco-ostra a bege» (Seasonal—oyster white to beige) (Brando mas Pouco, Darwin Porter, tradução de Maria Eduarda Colares e revisão minha, acabado de publicar pela Pedra da Lua Edições, p. 373. Foi esta biografia que Vasco Câmara, na Ípsilon (Verão Ípsilon, p. XI) de ontem, considerou que «talvez seja excessivamente “quente” para o Verão», o que é um absurdo. É como afirmar que qualquer coisa é demasiado boa).

1.8.08

«Sítio» em vez de «site»

Tê-los no sítio

Um leitor anónimo (e o anonimato preserva de muito ridículo) pergunta-me se não me deixo rir quando uso ou leio a palavra «sítio» em vez de «site». Bem, como deixou o comentário num post sobre futebol, pergunto-lhe se não ri ao ler «futebol» em vez de «football». Suspeito que não. Há mais portugueses inteligentes e não anónimos a preferirem «sítio» a «site», já reparou? «Os estudantes de Jornalismo da Universidade do Porto, que têm um belo sítio na Internet, fizeram chegar até mim uma mensagem com perguntas sobre a independência do Kosovo, à qual respondi o melhor que pude» («Estamos à espera de quê?», Rui Tavares, Público, 25.2.2008, p. 44).

Pontuação e títulos


Começa bem

Uma obra pode ser excepcional, mas convém que o título não contenha nenhum erro de pontuação ou ortográfico, entre outros. Na última obra de Mário Cláudio, publicada pela Dom Quixote, a editora não recorreu a nenhum artifício gráfico para omitir a vírgula obrigatória antes do vocativo: Boa Noite, Senhor Soares. Podia dar meia dúzia de exemplos de títulos recentes errados. Por 9 euros e com a oferta da peça de teatro inédita Medeia.

Retratação ≠ retractação

Lindo retrato

O Global de hoje noticia que Jardim Gonçalves exige que Joe Berardo tire um retrato público. Ah, não é isso?... «O ex-presidente do Millennium bcp, Jardim Gonçalves, interpôs uma acção judicial contra Joe Berardo e exige uma retratação pública das acusações ou uma indemnização de 500 mil euros. O pedido de retratação pública é inédito em Portugal, mas visa acabar com as acusações que Berardo tem feito a Jardim Gonçalves» («Jardim Gonçalves processa Joe Berardo», Global, 1.08.2008, p. 6). No sentido de mostra pública de arrependimento, é retractação que se escreve. Ainda bem que vão de férias.