30.10.08

«Pedir que» ‘vs.’ «pedir para»

Será mesmo assim?

Vejamos o que escreveu o Prof. Vasco Botelho de Amaral sobre a questão. «Se o povo diz pedir para, e se eu vejo que Herculano escreveu no Eurico — “pediu para falar a sós” — que me importa a mim que se critique a construção pedir para?
E que assim não lêssemos em Mestres da Língua?... Nunca se ouviu o povo dizer portuguêsmente pedir para ir e de modo semelhante?
Ocorre-me que alguém, algo pesaroso, me escreveu por eu ter defendido a construção pedir para seguida de infinitivo. Tal construção foi muito criticada por Cândido de Figueiredo e outros autores têm ido atrás da sentença do benemérito purista.
A verdade, porém, manda aconselhar paciência aos puritanos demasiado lógicos.
À minha análise lógica não repugna o dizer ou escrever peço-te para vires cá hoje, consoante já mostrei no Dicionário de Dificuldades.
Os gramáticos o que têm é de registar a dicção popular, pois já está apadrinhada pelas melhores penas da arte de escrever» (Glossário Crítico de Dificuldades do Idioma Português. Porto: Editorial Domingos Barreira, 1947, pp. 275-76).

A diferença entre «oh» e «ó»

Ó rapaz!

Escreveu o Prof. Carmo Vaz sobre a matéria: «Deve ainda acrescentar-se que, por tradição ou convenção de escrita, mas como consoante morta, usamos o “h” em poucas palavras como hã! hem! ah, oh, puh! (Note-se que, enquanto o “oh” exemplifica a função fática e emotiva da linguagem, o “ó” é geralmente seguido de outra palavra e exemplifica a função apelativa; ex.: “Ó João…”) (Carmo Vaz. Código de Escrita: Linguística Portuguesa 1. Segunda edição revista e aumentada. Lisboa: Editora Portuguesa de Livros Técnicos e Científicos, 1983, p. 126).

Verbo «haver»

Tudo na mesma

      O que me diz, cara Luísa Pinto — um professor a usar a forma hadem — deixa-me muito triste. Em 18 de Março de 1958, há cinquenta anos, dizia o padre Raul Machado no seu programa Charlas Linguísticas (na 10.ª): «Hadem. É a forma hadem do verbo haver. “Eles hadem cá vir.”
      É uma forma mal feita e incorrecta. Peço que notem exactamente o vigor desta minha anotação. Parece que, uma vez ou outra, quando falo um pouco mais baixo, as minhas palavras são levemente transformadas, deturpadas… Portanto, aquela forma é errónea, é falsa, por agora; mas se ela se introduzir na linguagem… Ai de mim!... será correctíssima.
      Actualmente é falsa, é errónea; se daqui a cinquenta anos todos nós… (Se eu lá chegasse, é claro) a empregássemos, essa forma seria forma correcta, perfeita, porquê?
Porque os fenómenos da linguagem não caminham por processos lógicos; vão pelo aspecto usual, por hábitos…
      Ora bem; aquela forma, escrita no quadro, hadem, “eles hadem fazer”, é péssima dentro das normas gramaticais; é péssima, mas há tanta gente já que diz “eles hadem fazer”, “eles hadem vir”, que até, às vezes, eu próprio tenho receio de a empregar descuidadamente; infiltra-se nos ouvidos, e como se infiltra nos ouvidos e na subconsciência, habituamo-nos. E se nos habituamos, já nada se pode fazer para que a forma desapareça; é errónea, é falsa, mas se vier a introduzir-se será magnífica, perfeita.
      Peço o favor de atentarem bem no que acabo de dizer; não afirmo que esta forma é boa, nem digo que vamos admiti-la; digo que é falsa e é errónea. Mas que já muita gente a emprega; e se todos a empregarem, pertencerá correctissimamente à língua portuguesa» (Raul Machado, Charlas Linguísticas na RTP. Lisboa: Sociedade da Língua Portuguesa, [s/d, mas de 1998], pp. 139-40).

29.10.08

Elemento de composição «recém» (II)

Um penso nisso, já

      O Panda Profissões debruçou-se ontem sobre a profissão de enfermeiro. Para isso, muniu-se de uma quase enfermeira (na verdade nem soubemos se estava no 1.º ano se no 4.º ano; de qualquer modo, a legenda dava-a erroneamente como enfermeira), aluna na Escola Superior de Enfermagem de Francisco Gentil, e pô-la a falar. Às tantas, ensinou às criancinhas que uma das «actividades» dos enfermeiros é a de ajudar as «recém-mães». Claro, a língua evolui, blá-blá-blá.
      Já o escrevi aqui por duas vezes: recém é um elemento de composição, forma apocopada do adjectivo «recente», que só se usa, por mais informal que seja a linguagem, com adjectivo: recém-casado, recém-nascido, recém-licenciado, recém-nomeado, etc. Com um substantivo, jamais. A estudante deveria, dando outra redacção à frase, ter usado o adjectivo ou o advérbio da mesma família: recente, recentemente.

Infinitivo não flexionado


Experimente assim

«“Temos a obrigação de fazermos um investimento rápido na língua portuguesa”, disse José Sócrates na declaração final da IX Cimeira Brasil-Portugal, que decorreu no Museu Santa Casa de Misericórdia, em Salvador da Baía», escreve na edição de hoje o Meia Hora. Disse, e disse mal. Deveria ter dito: «Temos a obrigação de fazer um investimento rápido na língua portuguesa.» Nesta frase, devemos empregar o infinitivo não flexionado ou impessoal, porque ele não tem sujeito próprio: o sujeito de fazer é também o sujeito de ter.
Quanto à necessidade de fazer um investimento rápido na língua portuguesa, concordo.

Por que razão


Simples, mas…

É espantoso que um jornalista, alguém cuja ferramenta de trabalho é a língua, erre em algo tão simples. Erro, de resto, que vejo todos os dias em traduções e artigos jornalísticos. Cara Rute Coelho, as orações interrogativas directas e indirectas com nomes expressos como motivo, causa, razão, diabo, diacho, carga de água são introduzidas pela preposição por seguida do determinante interrogativo que. Logo, deveria ter escrito: «Adelina — Ele disse-me que vinha a tribunal e depois disse-me que tinha sido detido [na primeira sessão, em Dezembro de 2006). Até Janeiro [de 2007] não soube por que razão tinha sido preso.» E o revisor, está lá a fazer o quê?

Passar a tocha?


Passar-se

«We’re not going to let George Bush pass the torch to John McCain», disse Barack Obama num comício anteontem em Denver, Colorado. Toda a imprensa de língua portuguesa traduziu aquele «pass the torch» como «passar o testemunho». Bem, não foi toda. No 24 Horas, podia ler-se: «Falando a 150 mil apoiantes, em Denver, Colorado, Obama incitou-os a não permitirem que Bush “passe a tocha” a McCain» («É um clone de Bush…», 28.10.2008, p. 23).
Na Grécia antiga, uma prova de atletismo incluía a lampadodromia ou corrida das tochas. Cada equipa, formada por quarenta atletas, passava de mão em mão uma tocha acesa, vencendo a equipa que conseguisse acender uma fogueira na chegada. Nas universidades norte-americanas disputa-se ainda hoje uma prova em tudo igual. Quanto a torch, tem como étimo o latim vulgar torca, alteração de torques, exactamente o mesmo do vocábulo português «tocha».
A expressão «passar o testemunho», que pertence à linguagem desportiva, é correntemente usada em sentido figurado, especialmente no domínio da política. Talvez nem todos os leitores percebam a expressão «passar a tocha».

28.10.08

Prefixo neo-


Neografia, hein?

Como me dizia uma aluna, lá por serem gratuitos não estão isentos de respeitar a ortografia. O prefixo neo- só conserva o hífen quando o segundo elemento da palavra tem vida à parte e começa por h, r, s ou vogal. Quando lêem as notícias em língua inglesa, têm de adaptar um pouco, não desconhecem isso, espero. Leram, por exemplo, no Washington Post: «In court records unsealed Monday, federal agents said they disrupted plans to rob a gun store and target a predominantly African-American high school by two neo-Nazi skinheads» («Assassination plot targeting Obama disrupted», Lara Jakes Jordan, 27.10.2008). Neo-Nazi. São as regras do inglês. Em português é neonazi.

Grafia dos nomes próprios

Fácil e gentil

A propósito da grafia dos nomes próprios, matéria várias vezes aqui abordada, escreve o Prof. Carmo Vaz: «Em todo o caso, o acordo ortográfico [de 1945] permite o uso de outras consoantes duplas, por razões de ordem etimológica, nobiliárquica ou decorativa, em nomes próprios pelo portador do nome, supõe-se que por isso, ilustre. Assim “Marcello”, “Telles”, etc. É um caso curioso e único de dupla escrita, pois o próprio pode grafar o seu nome com dupla consoante, enquanto os outros terão de grafá-lo apenas com uma consoante, por obediência ao código de escrita, ou por delicadeza, com dupla, como o próprio faz. Por extensão, há casos pessoais de grafias como “Thiago”, “Mathias”, “Ayres”, “Ruy”, etc., que hoje não surpreendem, considerando o leque cada vez mais largo da antroponímia luso-brasileira, originária das línguas mais longinquamente aparentadas, como o árabe, o chinês, alemão, etc., razão por que ainda o mais seguro é escrever o nome dos outros tal como os outros os usam nos seus cartões de visita. É fácil e socialmente gentil» (Carmo Vaz. Código de Escrita: Linguística Portuguesa 1. Segunda edição revista e aumentada. Lisboa: Editora Portuguesa de Livros Técnicos e Científicos, 1983, pp. 127-28).

Palavrões

In Os meus livros, n.º 68, 7.10.2008, p. 7

Tabus e transgressões


Não é de surpreender que dizer palavrões seja o tabu desde sempre mais transgredido, pois as alusões hipócritas são constantes. Lembrem-se do infeliz «phone-ix». Os eufemismos (e, por vezes, também disfemismos) são mais que muitos. Reparem: na banda desenhada, um conjunto de sinais está em vez dos palavrões ou os palavrões são efectivamente escritos mas na fase de impressão é colocada uma faixa negra sobre as palavras. Contudo, como os erros acontecem, eis que alguém se esquece — ou deverei escrever se «esquece»? — de pôr a faixa. «Os coleccionadores, por seu lado, correram a comprar o número proscrito.» É um jogo, claro.

27.10.08

Notas tironianas

Imagem: http://aedilis.irht.cnrs.fr/

Notarii &c


«E se Cícero ficou na história pela obra portentosa que nos legou, o seu ex-escravo Tiron [ou Tiro] também ficou por se lhe atribuir o primeiro sistema de notação gráfica abreviada, conhecido como Notas Tirónias (Fr. notes tironiennes) que foi usado até à Idade Média. O sistema é simples, pois consistia em fazer corresponder a uma palavra uma breve sinalefa, embora obrigasse os “estenógrafos”, chamados notarii (funcionários que tomavam as “notas”) a bem conhecerem todas as sinalefas, o que ainda mais se complica, quando Séneca elevou estes signos a cinco mil» (Carmo Vaz. Código de Escrita: Linguística Portuguesa 1. 2.ª edição revista e aumentada. Lisboa: Editora Portuguesa de Livros Técnicos e Científicos, 1983, pp. 141-42).
A designação mais corrente entre nós é notas tironianas ou notação tironiana. É uma matéria amplamente estudada e de grande interesse para os amantes da língua.

26.10.08

Nome das letras

Então, se é assim…

Bem sei que Rebelo Gonçalves tinha outra opinião sobre a matéria, mas todos nos podemos enganar: «Portanto, quando os mestres, animados de boas intenções, insistem em chamar a um c quê e a um g guê (o mais corrente e quase geral até no ensino secundário), para que os seus meninos e meninas leiam bem cama, cola, cuba, gato e gume, esquecem-se de que as crianças, muito mais racionalistas do que possamos imaginar, se amolam a ler cera, cimo, gema e giro» (Carmo Vaz. Código de Escrita: Linguística Portuguesa 1. 2.ª edição revista e aumentada. Lisboa: Editora Portuguesa de Livros Técnicos e Científicos, 1983, p. 118).

Álvaro Carmo Vaz

Injustamente esquecido

      Ontem citei aqui Carmo Vaz e decerto que para quase toda a gente não é uma autoridade, mas isso deve ser porque a memória é curta e o nome não aparece na Internet: aparece um homónimo Álvaro Carmo Vaz, engenheiro especialista em barragens e professor na Universidade Eduardo Mondlane, que vim a descobrir que é sobrinho. Socorrendo-me do que sei (cheguei a corresponder-me com o Prof. Carmo Vaz quando ele tinha uma coluna, ah, agora já se lembram!, linguística no Tal & Qual) e da badana da obra ontem citada, direi: Álvaro Fernando Aleixo Peres de Carmo Vaz era natural de Goa (1915-1994), licenciou-se em Filologia Clássica pela Universidade de Lisboa, tendo-se graduado mais tarde pela Universidade de Cambridge. Foi escritor (Regresso ao Velho Mundo, entre outras obras) e tradutor de autores como James Joyce, Dylan Thomas, Aldous Huxley, Frank O’Connor, etc. Foi colunista na imprensa nacional e estrangeira, professor do ensino secundário e superior. Fundou a revista Vértice em Coimbra nos anos 40, dirigiu a revista Actualidades em Lourenço Marques nos anos 50, foi director e professor do Instituto Britânico, filial de Beja, nos anos 60, director da Biblioteca Nacional de Angola e galardoado com o prémio de ensaio no centenário d’Os Lusíadas nos anos 70.
      Nos próximos tempos, citarei aqui abundantemente a obra do Prof. Carmo Vaz.

25.10.08

Pontos invertidos

Ajudavam na leitura

Há mais de um mês, Rogério da Costa Pereira, no Cinco Dias pedia: «Alguma alma caridosa terá a arte e o saber para me esclarecer quando e por que forma foram os pontos de exclamação e interrogação invertidos retirados do uso corrente em português?» Seria, contudo, o próprio autor a dar a resposta algumas horas depois: a Base XLIX do Acordo Ortográfico de 1945 decreta expressamente a «abolição das formas invertidas do ponto de interrogação e do ponto de exclamação, os quais serão apenas usados nas suas formas normais (? e !), para assinalar o fim de interrogações ou exclamações».
A verdade é que não se encontra muito mais informação sobre esta questão, mas ontem, ao consultar a obra de Carmo Vaz Código de Escrita: Linguística Portuguesa 1 (2.ª edição revista e aumentada. Lisboa: Editora Portuguesa de Livros Técnicos e Científicos, 1983), a propósito dos sinais de pontuação encontrei isto: «O ponto de interrogação (?) indicando uma entoação em crescendo de voz, e função interrogativa da linguagem. Note-se que anteriormente chegou a usar-se no princípio do discurso directo um ponto de interrogação invertido, para indicar que a entoação em crescendo devia começar com o princípio do texto (¿), mas foi abolido; também se usa o p. de i. entre parênteses, intercalado no texto, para o autor indicar que “se interroga”, isto é, não sabe ou não entende o que escreveu anteriormente» (p. 133).

24.10.08

Recursos

Copiem isto

Ora aqui está uma excelente ideia. Chama-se Wordia é um dicionário em linha. Os conteúdos textuais são fornecidos pela prestigiada editora HarperCollins e qualquer pessoa, com um telemóvel ou uma câmara de vídeo, filma o contexto. Surpreendente. Por cá, alguma grande editora podia seguir o exemplo, e esse seria um grande serviço a toda a cultura e língua portuguesas.

Prefixo mega-, de novo

Assim não vamos lá

Depois de andarem há anos a massacrar os leitores com estas formas comezinhas de dizer, ainda assim os jornalistas não dominam a sua escrita: «É o que deve pensar Kate Moss, que pediu perto de 260 mil euros para assistir a um mega-evento de moda no Rio de Janeiro, programado para os dias 5, 6 e 7 de Novembro» («Moss pede milhões para assistir a filme», Davide Pinheiro, Diário de Notícias, 24.09.2008, p. 63). Ao menos que escrevam bem: megaevento.

Estrangeirismos

Era escusado

«O cachet milionário da modelo incluiria ainda uma passagem para o Brasil em primeira classe, estadia em hotel de cinco estrelas e uma limousine sempre ao seu dispor. Em contrapartida, Kate Moss teria que estar sempre presente, para além de encerrar o certame» («Moss pede milhões para assistir a desfile», Davide Pinheiro, Diário de Notícias, 24.09.2008, p. 63). Muito havia a corrigir nestas duas frases, mas fiquemos nisto: depois de os dicionários a registarem, os jornais, como o próprio DN!, a usarem, toda a gente a conhecer, que sentido faz preterir a forma limusina a favor de «limousine»? Nenhuma, claro. Tanto mais que já temos as vacas limusinas.

23.10.08

Dicionário


Homónimos e equívocos

Eis uma boa notícia para os amantes dos dicionários: a Biblioteca Nacional Digital acaba de pôr à disposição dos leitores a versão digitalizada do Diccionário da Maior Parte dos Termos Homónymos, e Equívocos da Lingua Portugueza, da autoria de António Maria do Couto, publicado em Lisboa em 1842. São 432 páginas numeradas, que podem descarregar aqui.

Casaco de trespasse


Trespassado

      Uma personagem vestia uma «giacca a doppio petto». O tradutor verteu para «casaco de trespasse», e eu, confesso, nunca tinha visto esta designação. Encontrei-a tanto num simples dicionário da Porto Editora como no Dicionário Têxtil Multimédia Explicativo, donde provém a imagem acima. Conhecia, isso sim, o qualificativo «assertoado», que é o mesmo. Eis a definição do Dicionário Têxtil Multimédia Explicativo: «Casaco de Trespasse: Tem duas filas de botões, sendo normalmente uma para fechar e a outra para fins decorativos. O casaco é relativamente largo e tem normalmente um virado fechado e colarinho pequeno. Forma normalmente parte de um fato, mas pode em certos casos ser um item desportivo isolado. Tende a ser mais comprido que um casaco simples do mesmo tamanho.» Ficamos a saber que equivale ao double-breasted jacket inglês, à chaqueta cruzada espanhola e à veste croisée francesa, por exemplo.

22.10.08

Casamento branco

As cores da vida

Caro J. V.: não se diz «casamento em branco», mas casamento branco. Assim se designa, com recurso ao simbolismo de uma cor, o casamento em que não há relações sexuais. Por coincidência, estou neste mesmo momento a rever uma tradução de uma obra italiana, em que se pode ler: «Questo amore difficile, il matrimonio forse bianco perché è quasi certo che Poe fosse impotente […].» De resto, também noutras línguas ocorre a expressão, como em francês: marriage blanc. Nesta como noutras expressões, a cor branca é usada para transmitir a ideia de vazio, de fracasso: votar em branco, cheque em branco, etc.

21.10.08

Adjectivos em -esco

À volta das palavras

No programa da Antena 1 À Volta dos Livros, de Ana Aranha, na Antena 1, J. A. Gonçalves Guimarães, autor do recentíssimo Marquês de Soveral, Homem do Douro e do Mundo, lembrou ontem que o adjectivo «soveralesco», cunhado a partir do nome do seu biografado, o marquês de Soveral (1850-1922), designava algo de «enorme charme». E isto faz-me lembrar que li há não muito tempo (no Ciberdúvidas?) que o sufixo –esco tem sempre um sentido pejorativo, o que não é obviamente verdade. Deixo 113 exemplos, dir-me-ão quantos e quais têm sentido pejorativo.



abadesco
andantesco
animalesco
arlequinesco
arraialesco
babelesco
bacharelesco
barbaresco
berberesco
bernardesco
boticelesco
brasileiresco
brutesco
burlesco
canibalesco
carnavalesco
carrachesco
catedralesco
cavalheiresco
cervantesco
charlatanesco
clownesco
comadresco
compadresco
comtesco
conselheiresco
cortesanesco
dantesco
detectivesco
dom-joanesco
donzelesco
entrudesco
escolaresco
estudantesco
feiticeiresco
fialhesco
fidalguesco
fidiesco
folhetinesco
fradesco
funambulesco
furbesco
gargantuesco
gatesco
gigantesco
gil-vicentesco
grotesco
guinholesco
jogralesco
júlio-vernesco
juvenalesco
lacaiesco
leviatanesco
liberalesco
livresco
madrigalesco
malabaresco
marianesco
marinharesco
marinheiresco
marinhesco
mauresco
miguel-angelesco
moiresco
molieresco
montanhesco
mouresco
nababesco
novelesco
ossianesco
padresco
palharesco
pedantesco
petrarquesco
picaresco
pidesco
pinturesco
pitoresco
plateresco
policiesco
pombalesco
poussinesco
principesco
provençalesco
quixotesco
rafaelesco
ramerranesco
rembrandtesco
ribeiresco
rilhafolesco
rocambolesco
roldanesco
romanesco
rubenesco
rufianesco
sardanapalesco
sebastianesco
senegalesco
simiesco
soldadesco
soldadesco
sultanesco
tartarinesco
tedesco
trovadoresco
truanesco
tudesco
turquesco
ugolinesco
vampiresco
velhaquesco
vilanesco
vítor-huguesco
zolaesco
zolesco

Ortografia: «semiescravidão»

Semierudito

A leitora Clara Boléo pergunta-me se as palavras que contenham o prefixo semi- seguido de elemento começado por e, exemplificando com a palavra «semi-escravidão» (ou «semiescravidão»), têm hífen. Começa, aliás, por afirmar telegraficamente: «Houaiss: semi + palavras começadas por e = com hífen». Isto não é exacto. Lê-se no Dicionário Houaiss: «registe-se, além disso, que este pref. é seguido de hífen quando se lhe junta el. começado por h, i, r ou s». Ora, estes são os precisos termos em que a Base XXIX, 3.º, do Acordo Ortográfico de 1945 trata a questão.

20.10.08

Abreviaturas


Um só em contrário

Caro João Simões: as abreviaturas das palavras que indica, «sargento», «sargento-ajudante» e «doutor», escrevo-as com inicial maiúscula: Sarg., Sarg.-ajte. e Dr. Quanto a esta última, já aqui tinha falado sobre ela. Não creia no que lhe disseram. A imagem acima reproduz uma página da obra Pequenos Burgueses, de Carlos de Oliveira, na 3.ª edição, refundida, editada pelas Publicações Dom Quixote em 1970, em que se pode ver a abreviatura de «doutor». E é literatura, evidentemente.

19.10.08

«Rinque» e «ringue», de novo

Imagem: http://centralparkny.com/

Cada coisa em seu sítio


      No filme O Caminho para a Fama (Ice Princess, no original), uma comédia romântica sem méritos assinaláveis, que passou esta tarde na SIC, a tradutora, Astride Fernandes (da Dialectus), decidiu, e muito bem, traduzir a palavra rink por rinque. Reserve-se o ringue para a prática do boxe.

18.10.08

Guinéu-equatoriano

Não precisamos


      Cara Leonor Costa: escrever «equato-guineense» é macaquear servilmente o inglês, língua em que se escreve, como sabe, Equato-Guinean ou Equatoguinean. Em português diz-se e escreve-se guinéu-equatoriano. Não afirmo que se não leia em jornais portugueses, pois isso seria negar uma evidência. De facto, ainda recentemente se lia no Público: «Em Fevereiro último, o presidente da Galp Energia, Manuel Ferreira de Oliveira, e o administrador Fernando Gomes deslocaram-se à capital equato-guineense para estudar oportunidades de negócio, que podem passar também pela distribuição de combustíveis» («Petróleo da Guiné Equatorial traz Presidente Obiang a Lisboa», Lurdes Ferreira, 24.07.2008).

Topónimos


Recuemos então

Não é, cara M. C., exactamente «há meia dúzia» de anos que se escrevem os acidentes geográficos com inicial minúscula, como afirma. Tem é andado distraída. Uma vez que o exemplo que eu dei foi serra da Estrela, é sobre este topónimo que dou um exemplo tirado do relatório Expedição Scientifica á Serra da Estrella em 1881: Secção de Ethnographia, da autoria de L. F. Marrecas Ferreira, e publicado pela Imprensa Nacional em 1883. Não tem de quê.

17.10.08

Tradução e legendagem

Desesperos

Canal Hollywood, ontem à noite. Em Romance Perigoso (Out Of Sight, no original), a agente federal Karen Sisco (Jennifer Lopez) diz a Jack Foley (George Clooney) que ele é um desperado. Na legenda, pôde ler-se que era um «cowboy do Velho Oeste». Bem, no Velho Oeste quase todos eram cowboys. Havia uns, porém, dispostos a tudo, desesperados, que faziam trinta por uma linha: os desperados. Independentemente da etimologia da palavra (alteração de um obsoleto desperate ou do espanhol desperado), o certo é que são os próprios dicionários unilingues de inglês que o registam: «a bandit of the western United States in the 19th century».

16.10.08

«Mafia» outra vez


Voltam os mafiosos

O actor Robert De Niro e o realizador Martin Scorsese vão voltar a trabalhar juntos. «Desta vez», lê-se na edição de 11 do corrente da revista Actual/Expresso, «o actor vai vestir a pele de um assassino a soldo da Mafia com mais de 25 mortes no armário» («Estamos juntos», p. 6). Também o Expresso prefere, como eu e o Diário de Notícias, como já aqui vimos, esta forma. Álvaro Gomes não refere esta palavra, mas exemplifica com muitas outras o que chama indeterminação na acentuação, «sem que se tenha chegado», conclui, «a um consenso que não passe pela tolerância de ambas as formas»: estereótipo/estereotipo; Flórida/Florida; Oceânia/Oceania; protótipo/prototipo; túlipa/tulipa, etc. (O Acordo Ortográfico, Francisco Álvaro Gomes. Porto: Edições Flumen/Porto Editora, 2008, p. 51).

Léxico: «semelfactivo»

Semel… quê?

Caro Pedro Pires: o termo correcto é semelfactivo, e pertence à gramática. Habitualmente, opõe-se iterativo (também designado frequentativo), a acção que se repete, a semelfactivo, a acção que só ocorre uma vez (em latim, semel significa uma só vez). Algumas gramáticas e prontuários usam o termo. Por exemplo, o Prontuário Actual da Língua Portuguesa, da autoria de Olívia Figueiredo e Eunice Figueiredo, publicado pela primeira vez em 2005 pela Asa Editores, usa-o na página 342 ao tratar do aspecto verbal.

15.10.08

Ortografia: «primodivisionário»

No mundo do futebolês

Uma aluna perguntou-me ontem como se escrevia: «primo-divisionário» ou «primodivisionário»? É que, argumentou, não encontrara em nenhum dicionário. Tanto quanto sei, não se encontra registado em nenhum dicionário. Usei a analogia para demonstrar como se devia grafar. Em termos morfológicos, a palavra que me ocorreu foi «veterotestamentário», constituída pelo elemento vetero- (do latim vetus, vetĕris, «velho») e pelo adjectivo «testamentário», «relativo a testamento». A MorDebe, comprovei agora, regista «primodivisionário».
A imprensa desportiva, como se sabe, abusa do termo. A propósito, o Livro de Estilo do Público adverte: «futebolês — Uso sistemático de expressões-muleta, algumas ridículas, que redundam numa linguagem pobre e estereotipada, quando se escreve sobre futebol. Use-se uma linguagem mais variada e que mais leitores compreendam. Não se escreva, por exemplo: “apostado em ganhar”, “direccionar”, “denotar sentido de baliza”, “progressão”, “denunciar fome de bola”, “intenção de flanco”, “impedido de penetrar na área adversária”, “faltou objectividade atacante”, “moldura humana”, “muita ofensividade”, “milita nos escalões cimeiros”, “averbar uma clamorosa derrota”, “primodivisionário”, "contra-ataque venenoso”, “postura em campo”, “posicionamento”, “trabalho ao nível do entrosamento”, “tirar do caminho da bola”, “tapete verde”.»

Pronúncia: «ressurreição»

Tudo é recente

      O consultor do Ciberdúvidas F. V. P. da Fonseca afirmou numa consulta datada de 2006 que a pronúncia da palavra «ressurreição» com o e da 1.ª sílaba aberto «é pronúncia viciosa relativamente recente e que se deve evitar». Será mesmo recente? E o que é recente? Desde há dez anos, vinte, trinta? Ou menos? É que, há oitenta anos, nas escolas das missões católicas e nos seminários das nossas antigas colónias africanas a pronúncia dos professores da língua pátria era com a vogal aberta — e os professores iam de Portugal, sobretudo do Norte.

Separador decimal

Qual lei?...

Errado, cara Luísa Pinto: em português, o separador da casa decimal é a vírgula, não o ponto (Portaria n.º 17 052, de 4 de Março de 1959). Tal como é o espaço o separador dos grupos de três algarismos. Uma vez, foi-me dito que a imprensa passou, a determinada altura, a usar, contra legem, o ponto apenas nos números com quatro algarismos, para os distinguir das datas. Posteriormente, passou a fazer-se o mesmo, desnecessariamente então, com quaisquer números, tivessem quatro ou mais algarismos. Importava investigar bem a imprensa portuguesa, ao longo das últimas décadas, para se saber se foi assim e quando aconteceu.

14.10.08

«Detalhar»?

Minúcias íntimas

«Hoje é apresentada uma proposta para um referendo sobre a eutanásia. É um assunto que vamos detalhar ao meio-dia» (José Guerreiro, Antena 1, 14.09.2008, síntese informativa às 11 da manhã). Se embirro, e embirro mesmo, com o vocábulo «detalhe», de «detalhar» nem digo nada. Nos meios de comunicação social, está agora em voga. Recentemente, uma professora de Português dizia-me que sim, senhor, «esse anglicismo é horrível». Pois… Ignorava, coitada, que a língua inglesa integra em si largos milhares de palavras francesas. Ainda no episódio de ontem da série Inimigo à Porta uma personagem usou a expressão francesa agent provocateur.

Topónimo: Abruzos

A Pulha

Dizemos e escrevemos, Diogo. Que entidade portuguesa mais se refere a Itália? A Agência Ecclesia, sem qualquer dúvida: «Bento XVI visitará, a 1 de Setembro, o santuário do Santo Rosto em Manoppello, uma localidade italiana da região dos Abruzos (Abruzzo). No local encontra-se o véu em que, segundo a tradição, teria ficado impresso o rosto de Jesus após ter sido limpo pela Verónica» («Papa visita santuário italiano do Santo Rosto», Octávio Carmo, Agência Ecclesia, 21.08.2006, aqui). Escrevem, como vê, Abruzos, como também escrevem Sicília, Calábria, Sardenha…Puglia é Apúlia. Sim, também nós temos uma Apúlia: fica no concelho de Esposende.

Tradução do inglês

Dentro de dias

No episódio de anteontem de Inimigo à Porta (Enemy at the Door, no original, a passar na RTP Memória), o Dr. Philip Martel foi ver um doente, George Trenett. No fim da consulta, o Dr. Martel prometeu que voltaria «within a couple of days». Na legenda, da responsabilidade de Teresa Silva Ribeiro, podia ler-se «dentro de dois dias». Ora, a verdade é que se alguém nos diz isto em inglês hoje, o melhor é não esperarmos com toda a certeza revê-lo na quinta-feira, porque pode acontecer que ele volte apenas na sexta-feira ou até mesmo no sábado ou no domingo. A expressão couple of days (ou hours, ou weeks, ou months, ou years, ou times) remete quase sempre para um lapso temporal mais impreciso. Será então «dentro de dias», «daqui a alguns dias», etc.

13.10.08

Pronúncia: «mesa-tenista»

Meso?

Na síntese da actualidade desportiva das 7.30 na Antena 1, o jornalista Alexandre Afonso informou: «Dois mesa-tenistas portugueses estão também em destaque, Marcos Freitas e Tiago Apolónia.» E «mesa-tenistas» (vocábulo de que já aqui falei) foi pronunciado /meso-tenistas/. Só pode ser confusão com palavras compostas como histórico-cultural, pedagógico-didáctico, técnico-científico e outras, em que, mantendo-se embora os acentos gráficos e tónicos que teriam se fossem escritas independentemente, há um acento secundário na última sílaba da primeira palavra do composto.

12.10.08

Colocação do pronome clítico

Chamem a polícia!

Pode, no caso, ser lapso (mas também não acredito em bruxas), mas serve para ilustrar uma regra frequentemente atropelada, até na escrita: «Também regista-se a apreensão de duas viaturas de transporte de pessoas à entrada em território nacional, não estavam habilitadas a circular em território nacional e tinham matrícula estrangeira» (inspector César Inácio, do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, em declarações hoje à Antena 1). Ora, os advérbios de inclusão até, mesmo e também levam o pronome para antes do verbo: também se regista… (Não é o discurso de um político, como Telmo Bértolo queria, mas de um polícia. Espero que sirva.)

Iliteracia

Abaixo de cão

As televisões (e as empresas em geral) gostam muito de ter pessoas a trabalhar para elas gratuitamente. A particularidade da televisão é que as pessoas são usadas e ainda agradecem. Claro que, sendo muitas vezes pessoas impreparadas, fazem, como não deixaria de dizer Miguel Esteves Cardoso, merda. Na sexta-feira, o programa Panda & Cia, do Canal Panda, foi entrevistar uma tratadora de cães. (A legenda, porém, dava-a como groomer…) Para fechar a sua lição de como se dá banho a um cão, disse duas sonoras vezes: «Aprendestes, Panda?»
Mas estava a ser injusto: na verdade, há também professores, oh horror!, que também falam assim, o que é uma absoluta, completa e irremissível vergonha. Na televisão, na escola… estamos bem entregues.

Lexicografia


Bem observado

Devem os dicionaristas ir à frente ou atrás da realidade? Parece óbvio que os dicionários não são prospectivos, antes descrevem uma realidade que existe. O Dicionário Editora da Língua Portuguesa 2009 da Porto Editora, porém, quer ajudar a modelar a realidade. Cristina Espada, no Meia Hora, apercebeu-se do facto e escreve: «A definição de casamento na imagem é retirada dos dicionários já ajustados ao Acordo Ortográfico e, pelos vistos, a futuras tendências, pois não menciona “pessoas de sexo diferente”» («Disciplina de voto do PS impede hoje casamento de homossexuais», Cristina Espada, Meia Hora, 10.10.2008, p. 3).
Só faltou, para o exercício ser completo, mostrar qual era a definição de casamento em edições anteriores do mesmo dicionário. Ei-la: «casamento, s. m. acto ou efeito de casar; contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir legitimamente família mediante uma comunhão plena de vida; enlace; núpcias; matrimónio; (fig.) união. (De casa+mento).»

11.10.08

O trema

Sem trema, a pronúncia treme

Eu já aqui lamentei a supressão do trema em Portugal? Já, foi aqui. Escreve Francisco Álvaro Gomes na obra que ontem citei: «O trema, por exemplo, fora instituído em 29 de Novembro de 1920, pela Portaria 2.553. Em 1945 foi eliminado, em plena juventude (durou 25 anos), apesar de vozes muito discordantes […]» (O Acordo Ortográfico, Francisco Álvaro Gomes. Porto: Edições Flumen/Porto Editora, 2008, p. 64).

10.10.08

As consoantes mudas

Falam mais alto


      A propósito do Acordo Ortográfico de 1990, lembra, e bem, Álvaro Gomes: «O facto de algumas vogais serem abertas antes de consoante muda não significa que necessariamente sofram alterações fonéticas, no caso de queda da consoante. A língua regista muitas outras vogais abertas sem qualquer consoante muda: além, alerta, aquém, Aveiro, caleira, caveira, corar, delação, doravante, especado, especular, expletivo, ilação, padaria, pegada, pregar, racismo, supletivo, translação, vadio…)» (O Acordo Ortográfico, Francisco Álvaro Gomes. Porto: Edições Flumen/Porto Editora, 2008, p. 81). Tirando o vocábulo «caleira», em que não abro a vogal, estamos em sintonia.

Ortografia: «interbancário»


Dizem eles

«O objectivo desta decisão é, numa primeira fase, contribuir para o estímulo do mercado inter-bancário, onde os bancos negoceiam entre si os empréstimos. Neste momento, nenhuma instituição financeira arrisca emprestar dinheiro a outra, com medo de que se verifiquem falências na sequência da crise do crédito hipotecário de alto risco nos EUA (subprime)» («BCE corta juros em acção concertada a nível global», Global/DN, 9.10.2008, p. 3).
Por alturas de mudança horária, na Primavera e no Outono, uma senhora idosa minha vizinha, depois de querer saber as horas, pergunta sempre se é «pela hora antiga ou pela moderna». O mesmo se passará com a ortografia. «Inter-bancário», escrevem eles, com chamada na primeira página. Respeitando que acordo? Nenhum.

9.10.08

Símbolo do grama


Mais uma

Lembram-se do texto em que falei do meio de transporte chamado americano? Vá lá, não mintam, já nos conhecemos há muito tempo. Este selo, que os CTT emitiram no ano passado, pretende lembrá-lo. Não é, contudo, este o propósito deste texto. Vejam bem (ampliem a imagem): 20 grs. Sim: plural e ponto de abreviação. Nada mais errado, pois devia ter-se escrito o símbolo de grama, que é g, e sem plural, pois os símbolos, sinais convencionais e invariáveis utilizados para facilitar e universalizar a escrita e a leitura das unidades SI, não o têm. Também eu me pergunto: quem é o responsável destas inépcias? Não há-de ser a empresa de artes gráficas.

8.10.08

Evolução linguística

Podemos contá-las

«Aqui há dias, reencontrei o Moura, um antigo condiscípulo do liceu (duas palavras, entre tantas, que estão a desaparecer do nosso vocabulário: “condiscípulo” e “liceu”)» («O Moura que não usava capacete», Eurico de Barros, Diário de Notícias/DN Gente, 27.09.2008, p. 23). A estas, recordadas por Eurico de Barros, poderíamos juntar umas quantas outras, mas não muitas. O período temporal da vida humana é demasiado breve para podermos assistir a uma renovação significativa da língua. Ainda assim, alguns termos e expressões vão caindo em desuso, muitas vezes por força da própria lei. Há dias, um adolescente perguntava-me o que é «ir às sortes», esse autêntico ritual de iniciação, que por vezes implicava, por exemplo, viajar de comboio pela primeira vez ou afastar-se dos pais. Pois é, por alteração recente da Lei do Serviço Militar, actualmente nem sequer é necessário fazer o recenseamento presencialmente.

7.10.08

Aparelho fonador

Imagem: http://i93.photobucket.com/

Que ciência?




      Na última edição de Os Dias do Futuro, programa da Antena 1, Clara Pinto Correia disse, a propósito das salamandras-dos-poços, que também o embrião humano tem inicialmente guelras externas, que depois se transformam na faringe e no sistema… «fonético». Espera lá, mas até as gramáticas mais elementares falam em aparelho fonador. Fonético diz respeito à fonética; fonador diz respeito à formação de som ou voz.

Léxico: «coorte»

Coisa da estatística

Caro Pedro Pires: de facto, o termo «coorte» (do lat. cohorte-, décima parte da legião), usado correntemente em estatística, não está registado nos dicionários mais comuns. Aliás, o próprio Dicionário Houaiss apenas regista a acepção como pertencendo à Economia. É um termo técnico que designa o grupo de indivíduos que partilham um determinado acontecimento num certo período temporal, como seja o grupo dos indivíduos nascido no mesmo ano, o grupo de solteiras em 2008, etc. É, ao contrário do que escreve, do género feminino.

6.10.08

Informação


Curso de Técnicas de Revisão


      Entre amanhã e 23 de Outubro, vou estar novamente, ao final da tarde, na Booktailors, ao Chiado, como docente de Técnicas de Revisão (terceiro curso de formação inicial). Se quiser aparecer (há lanchinho no intervalo), inscreva-se. Mais informações aqui.

5.10.08

Tradução do inglês

Misérias

Esta frase até estava perfeitamente traduzida, mas serve para exemplificar o que pretendo dizer: «The comparative affluence of the preindustrial worker […].» Ultimamente, leio demasiadas vezes aquele affluence traduzido por «afluência». Sim, sim, todos os dias aprendemos, com modéstia ou sem ela, mas não podemos ser aprendizes a vida inteira. No caso, seria: «A riqueza comparativa do trabalhador pré-industrial […].» Traduzir-se-á quase sempre por prosperidade, riqueza, abundância, opulência… Sim, alguma vez o termo certo será «afluência», «afluxo», mas nunca vi. Quando vir, aviso.

Ortografia: cardeal-patriarca

Não é bem assim

      No caso, cara Luísa Pinto, não estamos de acordo: o caso parece-me abrangido pelo que estabelece a Base XXVIII do Acordo Ortográfico de 1945. E não, não «é coisa dos últimos anos». Aposto que tenho muitos leitores nascidos depois de 1979, ano de que data a obra de onde extraio a seguinte citação: «João Gilberto vê a Isabel a um canto, sentada a ler o jornal, vai ter com ela (vê-se a ir ter com ela). “O pároco de Belém removido das suas funções por decreto assinado pelo cardeal-patriarca de Lisboa”» (Sem Tecto, entre Ruínas, Augusto Abelaira. Lisboa: Livraria Bertrand, 1979, p. 230).

4.10.08

Ortografia

Como se escreve?...

É o segundo vídeo aqui no Assim Mesmo, e tão interessante, por outros motivos, como o primeiro. E tem alguma relação com aquele: foi-me também enviado por Amélia Pais, a quem agradeço. Ainda está para vir o acordo ortográfico que simplifique de facto a maneira como escrevemos.


3.10.08

«Pirilampo»

Divagações entomológicas

      É verdade que há pessoas que não sabem (apesar da campanha!) o que são pirilampos, como pude comprovar recentemente, confundindo-os com gambozinos. (Estou a falar a sério.) Acredito, porém, que é uma minoria. Agora, interessante é ver que «pirilampo» é um composto erudito, grecizante, cunhado nas Conferências Discretas e Eruditas do 4.º conde da Ericeira, D. Francisco Xavier de Menezes (1673-1743), justamente para substituir o popular «caga-lume» (he nome que naõ póde usarse em papeis sérios, justificou o padre Rafael Bluteau). E pirilampo (propozse Pirilampo; achouse affectado) vingou, como se vê pela sobrevivência da palavra.

«Desapontar»?


Aponta e desaponta

Paula Dias, na TSF, 15.30: «A Casa Branca já se mostrou desapontada com estes resultados, mas sublinhou que esta não é uma situação inesperada, dados os problemas que têm afectado a economia dos Estados Unidos.» Cada vez que leio ou ouço a palavra, lembro-me sempre da anedota do indivíduo que, depois de saber que afinal não lhe saíra o Totobola, manda desassar os frangos que mandara assar para festejar… Só não percebo porque é que Rodrigo de Sá Nogueira, no verbete «Desapontamento», manda conferir o verbete «Desinfeliz».

«To estimate»

A esmo

É claro (calma!) que estimar também é avaliar, fazer um cálculo aproximado, mas actualmente, a maioria dos tradutores do inglês quase sempre traduz o verbo inglês estimate por estimar. Já não se calcula nada? Estimo as suas melhoras…

2.10.08

O Opus Dei


Boas obras


      A doutrina divide-se, neste caso. Continuo (opus non est diei unius vel duorum: vide), contudo, a defender a opinião de que se deve dizer o Opus Dei. Apraz-me, pois, que alguns jornais e revistas, como é o caso da Sábado, na edição desta semana, assim escrevam.

Artigo em nomes de localidades

Aguardemos

«Aí está a Azambuja», escreve Almeida Garrett na obra Viagens na Minha Terra, «pequena mas não triste povoação, com visíveis sinais de vida, asseadas e com ar de conforto as suas casas. É a primeira povoação que dá indício de estarmos nas férteis margens do Nilo português.» Das vinte e uma ocorrências do topónimo, só numa delas (e não será, neste caso, erro, pois que vi numa edição moderna?) o autor não o faz anteceder do artigo definido. Ontem, porém, na Antena 1, o repórter João Rosário omitiu sempre o artigo. Não tenho aqui à mão um azambujense fiável que nos informe de como se diz, mas já aparecerá alguém.

1.10.08

Posição dos clíticos

Ora vejamos

Que influência tem a expressão enfática «é que» na posição dos pronomes clíticos? Um consulente do Ciberdúvidas, Orlando Vedor, que também se me dirigiu, quis saber se é correcto fazer a ênclise (ou seja, pospor o pronome átono à forma verbal) na seguinte frase: «Mas talvez saibas (é da tua área, em sentido lato) porquê essa mistura de fiambre e presunto. É que trata-se do mesmo produto, só em duas modalidades: a cozida e a defumada.»
O consultor, depois de uma divagação e usando de analogia, foi claro: «Neste caso, o pronome átono (ou clítico) fica em posição enclítica, isto é, segue-se ao predicado da oração que começa por “é que”.»
Analogia por analogia, vejamos então com outra frase. A Ana fez o jantar, mas a empregada comeu-o. Está certa, não é? E se introduzirmos a expressão enfática «é que», como fica? «A Ana fez o jantar, mas a empregada é que o comeu» ou «A Ana fez o jantar, mas a empregada é que comeu-o»?
A frase não é minha, mas de Lígia Arruda, na página 102 da Gramática de Português para Estrangeiros, publicada pela Porto Editora, e já aqui recomendada neste blogue. A autora dá-a como exemplo de oração em que ocorre próclise. Assim, esta expressão enfática é, pela presença de «que», sempre proclisadora ou dependerá da natureza do verbo? Em ambas as orações, repare-se, o verbo está flexionado.