30.9.08

Roubo e furto

Mais rigor

      Ana Catarina Santos, no noticiário das 5 da tarde na TSF: «Em silêncio, sem fazer disparar alarmes, pela madrugada, conseguiu entrar no edifício da PJ, vasculhou, roubou à vontade.» Os jornalistas são assim, de extremos: ora se encantam a lançar termos técnicos para cima do público, ouvintes, telespectadores, leitores, ora caem na mais rasteira imprecisão popular. O presidente da ASFIC, Carlos Anjos, bem usou o verbo furtar, mas não foi suficiente para a repórter.
      O furto, estabelece o artigo 203.º do Código Penal, consiste em «subtrair coisa móvel alheia», ao passo que o roubo, de acordo com o artigo 210.º do mesmo código, consiste na apropriação de coisa móvel alheia, sim, mas «por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou integridade física». Nada, segundo as insistentes notícias sobre o caso, do que sucedeu esta noite no edifício da Av. José Malhoa.

Frases parentéticas

Morde aqui

Talvez se recordem de um leitor, convenientemente anónimo, que me apontou o uso supostamente agramatical de períodos inteiros dentro de parênteses. Lembram-se? Pois bem, na altura, consultei a Academia Brasileira de Letras (ABL). A resposta desta denota um subtil traço de menosprezo, que remeti por inteiro, como era justo, para o leitor, que estava pela segunda vez a fazer o mesmo comentário. Disse a ABL: «Não há restrição quanto a isso. Leia em boas gramáticas sobre os diversos empregos dos parênteses. É interessante.»
Ando a ler o romance Adolescente Agrilhoado, de José Marmelo e Silva (1911-1991), escritor que tem agora a obra completa, não muito extensa mas altamente recomendável, publicada pela Campo das Letras. Há ali larguíssimas dezenas de frases parentéticas. E não se trata de modernices, não: a obra é de 1958, e a edição que estou a ler e vou citar, a 3.ª, de 1967.
«O cunhado, esforçando-se por reter as lágrimas, respirou, baixou as pálpebras. (Tinham ficado ambos ofegantes.) Decidiu-se, momentos depois, a encará-la severamente» (p. 131).

Construções anafóricas

Mais variedade

Vejo agora muito usada esta construção anafórica (e a pontuação está correcta!): «Foi um jogo interessante, aquele que ontem marcou a visita do Monsanto ao terreno do Nelas.» Bom é variar a forma como escrevemos, lançar mão de outras maneiras de expressão. O árbitro, esse… O jogador, este… O jogo, aquele… não convém usar em todos os textos.

Como se escreve nos jornais

Nada exemplar


      «“Um exemplo”. O adjectivo utilizado aquando da visita da ministra da Educação, Maria de Lurdes Rodrigues, à Escola Básica Integrada da Malagueira, em Évora, referia-se à forma estratégica como a escola tem integrado crianças com necessidades educativas especiais, que estavam, até ao início do passado ano lectivo, colocadas em instituições unicamente dedicadas ao ensino especial» («O exemplo integrado da Escola da Malagueira», Pedro Coimbra do Amaral, Diário de Notícias, 29.09.2008, p. 3).
      Vou ser brando: esta parvoíce só tem a seu favor o não ser inédita, escasso consolo para o leitor. Havia mil e uma formas de redigir correctamente a frase, mas o jornalista foi por ali. Além disso, a segunda frase, pela sua extensão, vai contra tudo o que recomendam os manuais de jornalismo.

29.9.08

Recursos

Bons ventos

Com interesse sobretudo para tradutores, eis a Biblioteca Digital Hispânica, um projecto da Biblioteca Nacional de Espanha, com 10 mil obras para consulta e descarregamento. (Já alguém perderá tempo a escrever-me: «Não é “Hispânica”, rapaz, mas “Hispánica”.» Obrigado por partilhar a sua sapiência connosco.)

Basónimos, outra vez

Pragas ameaçam jornais

Nos jornais, os basónimos continuam a ser mal grafados, provando que revisores, jornalistas e editores não lêem ou que estão fechados às críticas. É pena, pois os leitores merecem o melhor. «A Estação de Avisos do Baixo Alentejo (EABA), organismo dependente da Direcção Regional de Agricultura e Pescas do Alentejo, emitiu no dia 23 de Setembro uma circular onde alertava para os perigos resultantes da subida nas capturas de adultos da mosca da azeitona (bactricera oleae), no seu posto de observação biológica instalado na Vidigueira» («Pragas ameaçam olivais e pomares de citrinos», Carlos Dias, Público, 26.09.2008, p. 24). Na verdade, escreve-se, e já aqui expliquei mais de uma vez porquê, Bactricera oleae.

28.9.08

«Glamouroso»?

Enganos

      «Para os moradores de Suruí, o passado glamouroso da sua vizinha não passava de fantasia» («Namorada brasileira de McCain», Helena Tecedeiro, Diário de Notícias/DN Gente, 27.09.2008, p. 16).
      A jornalista havia de experimentar dar a ler a palavra a uma criança ou mesmo a uma qualquer pessoa. Sim, saia à rua, ponha-se com um cartão com a palavra nele inscrita à boca do metro ali no Marquês de Pombal. Depois de comprovar que poucas a sabiam ler, decerto que usaria outra — portuguesa e afeiçoada ao nosso modo de dizer.
      Interessante, é verdade, é a etimologia e a semântica do termo: foram os Escoceses, ao que consta, que cunharam o vocábulo glamour a partir do inglês grammar, o que decorreu da associação popular da erudição com práticas ocultas. (Ver aqui o que escrevi sobre o vocábulo «grimório».) Nós é que não nos devemos deixar embair: temos vocábulos correspondentes em português, basta usá-los.

Ortografia: «Sol Nascente»

E o dicionário?

«Sobrevivente da lendária batalha da II Guerra Mundial, o japonês Tsuruji Akikusa espreita Iwo Jima da perspectiva que tiveram, em 1945, os pais dos americanos que agora o levam à ilha num avião militar quando então se aproximaram daquele bastião da resistência dos militares do Império do Sol-Nascente» («Ao longe», Diário de Notícias/DN Gente, 27.09.2008, p. 24). Há-de ser confusão com sol-pôr e sol-posto, estes sim com hífen. Quanto ao resto, está correcto: já aqui vimos que os prosónimos se escrevem com maiúscula inicial. Àqueles, podemos juntar este e Império do Meio, por exemplo.

Preposição + pronome relativo

Outras confusões

«São várias as designações porque é conhecido este taco, “híbrido”, rescue, utility, e cá entre nós já outros nomes lhe foram atribuídos — alguns muito engraçados, por exemplo, o “boi-cavalo” ou mesmo o “pé-de-cabra”» («Usar ou não um híbrido», Nelson Ramalho, Diário de Notícias/DN Sport, 27.09.2008, p. 20). Por acaso não é assim, mas por que: tratando-se de uma frase declarativa, a seguir a um nome, exige-se a preposição por mais o pronome relativo que ou algo semelhante, como pelas quais. A confusão no uso do advérbio interrogativo ainda se compreende, pois os próprios «especialistas» muitas vezes não atinam, mas não neste caso.

27.9.08

Numeração dos séculos (I)

Só por tradição?



      Os séculos em numeração árabe e não romana, Fernando? Bem já aqui tinha abordado o caso. Em Portugal, só conheço um jornal a grafar os séculos, por determinação do director, em algarismos árabes: o Record: «Uma vitória e duas derrotas, num total de 3 pontos, é a pior marca dos arsenalistas no século 21, estando nesta altura abaixo do que se verificou, por exemplo, na temporada 2002/03, quando o conjunto minhoto terminou o campeonato na sua posição mais baixa da última década: 14.º lugar» («Alerta vermelho», Rui Sousa, Record, 26.09.2008, p. 11).
      Repensando no caso, acho que pode ser prático, mas é de evitar usar os algarismos árabes para este fim. Por duas razões: porque não acho que o falante não compreenda (e é este o argumento, não esqueçamos, de quem defende o seu uso) e porque não devemos cortar mais uma amarra ao latim.



«Homem das arábias»

Pelo plural

Cara Maria Pereira, será como diz, mas o certo é que Rebelo Gonçalves regista na página 99 do seu Vocabulário da Língua Portuguesa «arábias, el. subst. f. pl. Compon. das exprs. homem das arábias, coisa das arábias, etc.».

Actualização em 3.04.2009

«O músico das arábias [Maurice Jarre (1924–2009)]» (L. A. M., Visão, 2.04.2009, p. 20).

Topónimo


Não se percebe

«Corria na aldeia de Santa-Clara-a-Nova, ao lado de Almodôvar, que ali vivia gente debaixo do chão, imagem construída devido ao facto de as ruínas de povoados romanos aparecerem abaixo do nível do chão» («Escrita do Sudoeste», Ana Machado, Público/P2, 26.09.2008, p. 4). Vá-se lá saber porquê, os topónimos são frequentemente vítimas de maus tratos nos jornais. Neste caso, como o topónimo aparece assim grafado três vezes, é de supor que não se trata de gralha, mas erro. Erro, porque nenhum topónimo português, e não há excepções, em que entre a palavra «santo» esta se liga por hífen à palavra seguinte. Escreve-se, e é fácil confirmar, Santa Clara-a-Nova.

26.9.08

Plural dos nomes próprios

Em 1943

Porque ainda há quem continue a falar na questão, lembro aqui o romance Casa na Duna, de Carlos de Oliveira. («O cuidado na prosa distingue Casa na Duna do neo-realismo rasteiro», lembra Pedro Mexia em recensão publicada no Diário de Notícias.) A narrativa centra-se em Mariano Paulo, proprietário de uma quinta, em Corrocovo, situada no alto de uma duna. Mariano Paulo e o filho Hilário. Logo, são os… Paulo ou Paulos? Vejam o que escreveu o autor (citações da edição da Assírio & Alvim, Lisboa, 2004):

«O povoado cresce sobre a duna que há perto de duzentos anos os pinhais começaram a fixar. No alto, a descer para o poente, fica a quinta dos Paulos.» (p. 8)

«Os Paulos, um após outro, tinham conseguido alargar a quinta, leira sobre leira, num tempo em que os camponeses trocavam a terra a canecas de vinho.» (p. 11)

«Não deixaria escapar nenhuma ocasião de manter intacta a herança dos Paulos.» (p. 93)

«Se os Paulos já mortos andassem por ali, discretos e atentos, pisando a sua velha quinta, sentir-se-iam orgulhosos dele.» (p. 106)

«Uma herança como a dos Paulos tem de perdurar para além das pessoas, de tudo o que passa.» (p. 109)

«A maldição dos Paulos, a névoa dum precipício sobre a profundidade desconhecida.» (p. 121)

24.9.08

Sinónimos rejeitados


Mitos urbanos

No programa O Amor É…, Júlio Machado Vaz acabou de dizer que desde sempre a virgindade foi valorizada, «através de presentes, camelos»… Será «presentes» ou «prendas»? Já vi pessoas serem corrigidas em público por dizerem «prenda» em vez de «presente». São, porém, termos sinónimos. O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora diz de «prenda» que é o «objecto que se dá ou recebe como oferta; presente» e de «presente» que é o «que se dá ou recebe como oferta; prenda». Qual a diferença? Talvez através da etimologia se possa estabelecer alguma distinção, de relevância meramente académica, mas o certo é que no dia-a-dia são sinónimos puros. Tanto como «pomada» e «graxa». Recentemente, foi a minha vez de ser corrigido: que não se diz «pomada», mas «graxa». A sério? Mas os dicionários são unânimes em afirmar que a pomada é um «produto para polimento, de consistência pastosa». Tanto assim é que os fabricantes deste produto é a palavra «pomada» — ou nunca leram? — que inscrevem nas embalagens. São os mitos urbanos linguísticos…

23.9.08

Antropónimos


Questão maiúscula




      Lê-se na edição de hoje do Meia Hora: «Fomentar o gosto pela leitura é o objectivo da Comunidade de Leitores Almedina, que vai realizar várias sessões de leitura e debates no Atruim [sic] Saldanha com autores nacionais. Até amanhã, pelo telefone 213570428, pode inscrever-se no encontro com Valter Hugo Mãe» («Leitura Partilhada na Almedina do Saldanha», Meia Hora, 23.09.2008, p. 11).
      Fica a informação. Ah, mas esquecia-me do mais importante. Estão a ver como o jornalista escreveu o nome do escritor? Valter Hugo Mãe. Ora, precisamente ontem, o sólido, centenário e imprescindível Diário de Notícias escrevia: «O escritor valter hugo mãe apresentou sábado na Fnac do Colombo, em Lisboa, o romance, o apocalipse dos trabalhadores, e o projecto musical Cabesssa Lacrau, nascido no final de 2007, da reunião com três músicos: António Rafael, dos Mão Morta e Um Zero Amarelo, Miguel Pedro, também dos Mão Morta e dos Mundo Cão, e Henrique Fernandes, dos Mecanosphere de Adolfo Luxúria Canibal» («valter hugo mãe estreia novo projecto musical», Diário de Notícias, 22.09.2008, p. 52).
      Se tiverem de escrever o meu nome, quase certamente o sobrecarregam com um peso que ele oficialmente não tem: o acento agudo. Na verdade, o meu nome é Helder. Em contrapartida, vergam-se ao capricho de um indivíduo que quer que os outros lhe escrevam o nome com minúsculas. Estão a ver o símbolo que está na imagem acima? É o nome por que, a partir de certa altura, o cantor Prince quis ser conhecido. Imaginem agora que um escritor queria ser conhecido por um espaço em branco. Não seria complicado para os leitores? Vá lá, senhores jornalistas, sensatez.


Como se escreve nos jornais

E isso significa?...

George Michael foi novamente apanhado numa casa de banho pública, e tem sempre alguma coisa na mão. Desta vez foram drogas e aconteceu em Hampstead Heath, Londres. «O cantor teve de prestar declarações na esquadra, tendo-lhe sido imputada a acusação de posse de estupefacientes dos tipos A e C [categorias em que se incluem o crack e a cocaína], disse outra fonte policial» («George Michael detido numa casa de banho», João Paulo Mendes, Diário de Notícias, 22.09.2008, p. 63).
O que significa imputar? Pois atribuir a culpa ou a responsabilidade de um acto a alguém ou, segunda acepção, acusar com deslealdade, assacar. Só uma situação rebuscada, que não é aquela que os factos mostram, poderia justificar tal redacção, no contexto completamente sem sentido. A redacção poderia ter sido algo semelhante a isto: «O cantor teve de prestar declarações na esquadra, tendo sido acusado da posse de estupefacientes dos tipos A e C, disse outra fonte policial.» Não viu o jornalista, não viu o editor, não viu o revisor.

Traduzir do espanhol

Dez milhões

      O Diário de Notícias de ontem refere que duas freiras das Concepcionistas Franciscanas de Segóvia, em Espanha (também estão em Portugal, em Campo Maior, no Mosteiro da Imaculada Conceição), têm um programa televisivo, um reality show, sobre culinária. Humildes, dizem: «“Para nós isto não é o estrelato, mas sim cumprir a vontade de Deus, prestando um serviço à comunidade como qualquer outro que nos tivesse enviado”, diz a irmã Beatriz, a mais veterana. A sua habilidade entre as panelas vem “das antigas mães”, um legado ainda visível na cozinha onde trabalha» («Freiras abrem a porta do convento em ‘reality show’», M. J. E., Diário de Notícias, 22.09.2008, p. 61).
      O que me intrigaria, se não tivesse logo intuído que é má tradução, é a palavra «mães». O artigo não cita fontes (porquê?), mas é quase integralmente mera tradução de um que aparece no sítio do jornal espanhol El Mundo. Eis o trecho acima: «“Para nosotras no ha sido un estrellato, sino cumplir la voluntad de Dios, prestando un servicio a la Comunidad como cualquier otro que nos hubieran mandado, ya que dependemos de la obediencia”, explica sor Beatriz, la más veterana. Su destreza entre fogones viene “de las madres antigas”, un legado aún visible en los anacrónicos calderos y un alicatado sin mácula que horrorizaría a cualquier decorador de platós» («Las ‘grandes hermanas’ de la cocina»).
      É claro que no contexto madres se traduz por «madres» e não por «mães». É que em espanhol madre também é o «título que se da a ciertas religiosas». E mais: «como cualquier otro que nos hubieran mandado» não se traduz por «como qualquer outro que nos tivesse enviado», mas sim por «como qualquer outro que nos tivessem ordenado». A parte final da frase, «un legado aún visible en los anacrónicos calderos y un alicatado sin mácula que horrorizaría a cualquier decorador de platós», ficou prudentemente truncada em «um legado ainda visível na cozinha onde trabalha». Antes assim.

22.9.08

Ortografia: «prazo-limite»

Analogia

Caro Pedro Pires: deveremos escrever prazo-limite, como escrevemos data-limite e data-valor, por exemplo. Em todos os casos, o segundo elemento é um determinante específico, sendo invariável: prazos-limite, datas-limite, datas-valor. Ainda na semana passada se lia no Diário de Notícias: «Os condutores com 50 ou 60 anos vão receber a partir de Outubro avisos a alertá-los para o prazo-limite da renovação da carta de condução, disse à Lusa fonte do Instituto da Mobilidade e Transportes Terrestres» («Condutores recebem avisos em Outubro», Diário de Notícias, 19.09.2008, p. 18).

21.9.08

O grama/a grama

Dois gramas!

      Guilhermina Sousa no noticiário das 11.30 na TSF: «A PSP do Porto deteve nove pessoas por conduzirem alcoolizadas. Os condutores tinham um vírgula duas gramas [1,2 g] de álcool por cada litro de sangue e foram detectados numa operação que abrangeu toda a cidade do Porto entre as 3 e as 8 da manhã.» Santo Deus, quando é que aprendem?

O «pop» ou a «pop»?

Depende dos dias


      Não sei se todos, mas a maioria dos dicionários da língua portuguesa registam o termo inglês pop, redução de pop music, como sendo do género masculino. Nos jornais, contudo, nem sempre seguem o que se recomenda: «O homem mais completo da pop nacional» (Davide Pinheiro, Diário de Notícias/DN Gente, 20.09.2008, p. 3).


Glossário de gíria

Agora já percebo

O Diário de Notícias de ontem publicou um glossário de gíria dos gangues (Diário de Notícias, 20.09.2008, p. 5), numa excelente reportagem assinada por Kátia Catulo. Com a devida vénia, ei-lo:

Glossário


Bago. Termo usado para designar uma munição de arma; bala ou balázio são outras expressões usadas

Batedores. São vigilantes do bairro que estão em pontos (“spots”) estratégicos e dão o alerta sempre que detectam um carro da polícia

Caixa baixa. Expressão usada quando os mais velhos se referem aos miúdos até 16 anos e que ainda não fazem roubos ou assaltos de grande envergadura

Canijo. Significa canavial ou terrenos baldios: locais sem iluminação onde os miúdos do bairro se escondem da polícia

‘Cap’. É a expressão em inglês para boné

Fechar. Termo que significa atacar em grupo um rapaz que entrou sozinho num bairro que não é o dele

Litrolas. É uma garrafa de cerveja de um litro, que os miúdos compram para dividir por todos

Pipoca. Tanto pode significar um polícia (“bófia”) como um carro-patrulha da PSP

‘Street fight’. Expressão inglesa que significa um combate de rua. Trata-se de lutas entre os bairros, em que os miúdos levam tudo o que têm à mão para lutar — tacos, barras de ferro, pedras ou facas

Sócio. Tanto pode ser um companheiro do seu bairro como dos jovens de outras urbanizações

Toques de bairro. Formas de cumprimentar ou saudar os companheiros. Cada bairro tem um “toque” próprio, mas há também “toques” que são comuns a todos

‘Thug life’. Expressão original do rap que significa não ter nada e, mesmo assim, saber ultrapassar os obstáculos. Entre os rapazes da região de Lisboa, no entanto, significa “vida de bandido”

Tropa. São todos os que moram no bairro e que seguem o mesmo código — nunca denunciarem-se uns aos outros

2Pac. É aquele que não mostra medo e que sabe usar a palavra para incitar à rebeldia

‘West side’. Expressão inglesa que os miúdos usam para designar os bairros sociais da zona ocidental da região de Lisboa

Ortografia: «paraolímpico»

Finalmente

     
      Depois de muitas semanas a ver a defesa da forma «paraolímpico», já ansiava por que alguém usasse, na imprensa, a forma recomendada. Aconteceu ontem: «Agora, a sua vida voltou a dar uma volta de 180 graus: foi fotografada a andar de skate com a sua filha Victoria Frederica, liderou a delegação espanhola na cerimónia de abertura dos jogos paraolímpicos de Pequim, carregou a bandeira espanhola e gritou entusiasmada pela sua equipa e voltou a acordar todos os dias cedo para praticar uma hora de equitação» («A nova vida da infanta Elena de Espanha», Rita Roby Gonçalves, Diário de Notícias, 20.09.2008, p. 65).

Grafia dos prosónimos

Por intuição, pois…

      Bem, caro A. M., emendo para Cidade Berço porque também escrevo Arco Atlântico, Capital do Móvel, Celeste Império, Cidade Condal, Cidade das Acácias, Cidade dos Arcebispos, Cidade dos Doutores, Cidade dos Pináculos Sonhadores, Cidade dos Ventos, Cidade Ferroviária, Cidade Invicta, Cidade Luz, Cidade Maravilhosa, Continente Negro, Hexágono, Lusa Atenas, Meca do Cinema, Nação Arco-Íris, Novo Continente, Novo Mundo, País das Pampas, País das Montanhas, País das Tulipas, País dos Cedros, Planeta Vermelho, Riviera Inglesa, Tecto do Mundo, Terras de Sua Majestade, Tigres Asiáticos, Velho Continente, Velho Mundo, etc. São todos eles prosónimos, já ouviu falar? São nomes próprios que servem de cognome ou apodo. No caso, estão em vez de topónimos, e estes, lembra-se?, grafam-se com inicial maiúscula. Regista o Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, na página 250: «cidade, s. f. Locs. substs. fs.: cidade livre, cidade universitária, etc.; locs. pros. fs.: Cidade Eterna, Cidade Invicta, Cidade Maravilhosa, etc.

20.9.08

Ortografia


Para ficar só na anatomia

Claro que lhe posso chamar tendão calcâneo, mas não é isso que está em causa. É só uma divagação: porque é que, por um lado, se escreve cova-do-ladrão e maçã-de-adão, e, por outro, tendão de Aquiles e monte de Vénus?

19.9.08

Revisão III

Frasicida

Gostava de ter uma rubrica sobre as frases que poderiam existir se eu não estivesse lá para as matar à nascença. Mas não posso, claro. A antológica de ontem seria esta: «Apesar de tudo, é uma fase difícil para Tarik, dado que o extremo é adepto do Ramadão e cumpre todas as regras nesta fase.» «Adepto do Ramadão»? Não aderi, a frase não vingou. Ah, este texto soa-me, já li isto em qualquer lado…

«Fast food» ou «fast-food»?

Imagem: http://scruss.com/blog/tag/sign/

Pronto-a-comer


      «Dos portugueses residentes no continente que têm entre 15 e 64 anos, quase dois terços (65 por cento) consumiram pelo menos uma refeição de fast food durante o último ano» («Portugueses comem tanta fast food como os alemães», Inês Sequeira, Público, 18.09.2008, p. 8).
      No Ciberdúvidas não têm dúvidas: «A palavra inglesa fast-food deve grafar-se com hífen e, como se trata de uma palavra estrangeira, em itálico ou entre aspas.» Contudo, uma consulta a dicionários de língua inglesa deixa-nos outra certeza: fast food é substantivo e fast-food é adjectivo. E há quase unanimidade na afirmação. Seguindo a norma, no artigo citado do Público, nem todas as ocorrências do termo se grafariam sem hífen, como sucede.


Tradução: «short-selling»

Opções venda curta

«A actual turbulência dos mercados, com gigantes bolsistas a verem derreter o seu valor em poucos dias, levou a autoridade supervisora dos mercados norte-americanos, a Securities and Exchange Commission (SEC), a alterar as vendas de acções a descoberto (short-selling). Este mecanismo, que permite aos especuladores ganhar dinheiro nos momentos de queda dos mercados, consiste em vender acções que ainda não se detêm, para as recomprar pouco tempo depois, mas mais baratas» («Deixa de ser possível vender acções que não se detêm», Raquel Almeida Correia, Público, 18.09.2008, p. 30).
O Banco Big chama-lhes opções venda curta, como podem ver aqui.

18.9.08

Uso da maiúscula. Basónimos

Pois é

«“O problema do homo sapiens é ser apenas humano. As pessoas e as instituições cometem erros e os cristãos e a igreja não são excepções», admite Malcolm Brown no site da igreja anglicana» («Anglicanos pedem desculpa a Darwin», D. M., Diário de Notícias, 16.09.2008, p. 32). Quanto aos basónimos, estamos conversados, tanto mais que o jornalista parece ter-se limitado a copiar o que se lê no sítio da Igreja Anglicana: «The trouble with homo sapiens is that we’re only human. People, and institutions, make mistakes and Christian people and churches are no exception.» De resto, não acham que faltam ali maiúsculas iniciais?

17.9.08

Léxico: «marketing viral»

Como um vírus

«Qualquer português pode ser capa da revista Caras. Esta é [a] lógica da acção de marketing viral que a revista do social do grupo de Pinto Balsemão lança hoje online» («‘Caras’ dá exclusivo ao seu leitor», P. B., Diário de Notícias, 17.09.2008, p. 62). Viral porque actua como um vírus: as pessoas em contacto com a mensagem acham-na tão apelativa, que a transmitem a terceiros, espalhando-se assim rapidamente.

Ortografia: «megassucesso»

Mais megas

«Ainda não escrevera [Gabriel García Márquez] o megasucesso que haveria de ser Cem Anos de Solidão, ainda não escrevera o emocionante O Amor Nos tempos de Cólera» («Antes de ‘Cem Anos de Solidão’ veio ‘A Hora Má’ agora reeditada», Isabel Lucas, Diário de Notícias, 17.09.2008, p. 51). Muito bem, o elemento nominal de composição mega- solda-se sempre ao elemento seguinte. Contudo, se este começa por s, como é o caso, dobra-se a consoante: megassucesso. Ou não, cara Isabel Lucas?

Nélson e Nelson, de novo

Como calha

Eu disse aqui que o Diário de Notícias escreve sempre «Nélson Évora»? Bem, não é exactamente assim: é mais como calha. «Entre eles, os medalhados olímpicos em Pequim, Nelson Évora, ouro no salto em comprimento, e Vanessa Fernandes, prata no triatlo» («‘Vice’ do Benfica Fernando Tavares pede demissão», Diário de Notícias, 17.09.2008, p. 64).

Ortografia: «comandante-chefe»

Francesias

      «Dois bombardeiros estratégicos russos TU-160 efectuaram patrulhas sobre as águas internacionais da costa oriental da América Latina, anunciou o porta-voz do comandante em chefe da Força Aérea, Vladimir Drik» («Bombardeiros russos sobrevoam América Latina», Diário de Notícias, 17.09.2008, p. 31). Por esta altura, já toda a gente devia saber que em português se escreve comandante-chefe, pois comandante em chefe é galicismo. «En chef. En fonction de chef. Rédacteur, ingénieur, général en chef» (in TLFI).

Tradução do inglês

Isso bem traduzido

Até podemos desconhecer o que se faz na Universidade de Verão do PSD, mas todos sabemos que John McCain was trained as a fighter pilot, tenho a certeza. Mas só o dizemos assim, com o artigo indefinido, em inglês, ou não, caro Hugo Coelho? «McCain era um piloto da Marinha americana no Vietname quando foi preso» («John McCain recebe o inesperado apoio do seu carcereiro comunista», Hugo Coelho, Diário de Notícias, 16.09.2008, p. 28).

Pontuação

Frases espinhosas

Atentem neste pedaço de prosa sobrevirgulada: «Mergulhadores dos bombeiros recuperaram ontem, na Albufeira do Ermal, em Vieira do Minho, o corpo de Bruno Araújo, de 18 anos que, anteontem, desapareceu naquelas águas fluviais» («Mergulhadores resgatam corpo de jovem afogado», Susana Pinheiro, Diário de Notícias, 16.09.2008, p. 24). É como comer uma castanha com o ouriço. Cara Susana Pinheiro: não precisava de tantas vírgulas, acredite. Use somente as necessárias, nem mais uma. No jornal, boa parte do que faço é atirar vírgulas para o caixote do lixo. Ainda ontem: «Os capões recebem, hoje, pelas 16 horas, em jogo-treino, o FC Maia.» E que tal sem nenhuma vírgula? «Os capões recebem hoje pelas 16 horas em jogo-treino o FC Maia.»

Personagem

Mentes criminosas

Entrando na mente do criminoso… Então, se percebo, cara Luísa Pinto, essas criaturas aceitam escrever a personagem se a personagem é do sexo feminino. Se se tratar de uma pessoa do sexo masculino, de um cocheiro, por exemplo, já não aceitam que seja outra coisa a não ser o personagem. É isso? Até tremo, de tanto riso. (Mas também, oh diabo, 12.38, pode ser da fome.)

Revisão

Entendam-se

A propósito de Diário de Notícias. Neste jornal ainda andam em negociações para saber se devem escrever «blog» ou «blogue». Escreviam ontem: «Saramago iniciou participação em ‘blog’» (Diário de Notícias, 16.09.2008, p. 48). Há dois anos, contudo, optavam por escrever: «Em carta ao executivo, os subscritores, aos quais se associam também a Associação Lisboa Verde e o blogue Sétima Colina, apelam a que o perfil romântico ainda relativamente intocado do Príncipe Real seja mantido e que, a ser dado um uso hoteleiro ao Palacete Ribeiro da Cunha, dentro do conceito de unidade de charme, ele se desenvolva num modelo polinucleado» («Contestada a conversão em hotel de palacete do Príncipe Real», Maria João Pinto, 31.05.2006, p. 38). E não foi apenas uma vez, pois: «A deliberação está já a ser alvo de críticas. No blogue Dizpositivo, o juiz Paulo Ramos de Faria (o mesmo que exigiu o estudo sobre as férias ao ministro da Justiça) equipara esta situação à dos deputados, em relação a quem, em tempos, se ponderou também a obrigatoriedade de apresentarem relatório das suas missões no estrangeiro» («CSM vigia deslocações dos juízes ao estrangeiro», Inês David Bastos, 31.05.2006, p. 48).
Como noutros jornais, o problema decorre ou da falta de diálogo entre os revisores ou da ausência de directivas das chefias. No caso, compreendia muito mais facilmente se tivessem começado por escrever «blog» e agora tivessem optado por «blogue».

Discurso político

Português político


      João Miguel Tavares analisou, no Diário de Notícias de ontem, o discurso de rentrée de Manuela Ferreira Leite na Universidade de Verão do PSD. Eis um excerto do artigo: «Infelizmente, o discurso padece logo de uma doença grave: está escrito com os pés. Não sei se é por os speech writers estarem de férias ou por as eleições americanas aumentarem a exigência, a verdade é que estive para enviar uma mensagem a Ferreira Leite com o meu número de telemóvel. Eu não percebo muito de política, mas acho que podia contribuir modestamente para lhe endireitar o português» («Manuela Ferreira Leite e o ‘copyright’ de 2006», João Miguel Tavares, Diário de Notícias, 16.09.2008, p. 9).
      O jornalista exemplifica depois com vários lugares-comuns e algumas expressões ambíguas, nada (e ele próprio o escreve) que destoe do discurso político a que estamos habituados. Infelizmente. Ora, se é verdade que é preciso saber ler um texto (e eu que já fui speech writer, para usar a expressão inglesa, bem sei que alguns políticos não sabem fazer as pausas, as inflexões de voz requeridas, não sabem dar a ênfase que ideámos para o texto), a verdade é que no caso temos acesso ao próprio texto, e é a qualidade deste que está longe de ser boa. E quem quer governar o País, os Portugueses, deve começar por governar o discurso.

Verbo haver


Alma Mater?

No institucionalíssimo sítio da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, podemos ler o seguinte: «1) Avaliação Contínua — um mínimo de 75% de presenças Avaliação Contínua está disponível para turmas com 25 alunos ou menos. Haverão vários testes nas aulas e trabalhos de casa. É obrigatório o estudo do livro da gramática do curso, que será testado regularmente. Os alunos devem manter uma Ficha Pessoal de Vocabulário, avaliado oportunamente. Cada aluno fará um pequeno trabalho escrita [sic], a pesquisa, apresentação e discussão do qual fazem parte da avaliação oral.»
O destaque é meu, ao menos isso. Não haverá ali uma cabeça minimamente pensante que veja a enormidade e a corrija? Ou este é também o fado de Coimbra?

16.9.08

Ortografia: «Skeeper»

Imagem de Skeeper de pulso


Marca registada



      «Os skeepers são aparelhos que os idosos usam ao pescoço e lhes permite [sic], em caso de se sentirem mal, carregar num botão para pedir ajuda, sendo que o mecanismo faz uma espécie de chamada para determinados números de telefone» («Cavaco dá prémio a obra de Alegre», Diário de Notícias, 9.09.2008, p. 18). A maior parte da imprensa, porém, grafa «Skeepers», e vai no caminho certo. Mais correctamente, é SKeeper, que é uma marca registada. Como aconteceu com algumas outras invenções, a designação comercial pode vir a tornar-se nome comum, e então sim, skeeper.


13.9.08

Galicismo?

Imagem: in Jornal de Negócios, 9.09.2008, p. 2.

Claro está


Se rejeitássemos tudo o que nos veio do francês, do inglês, do espanhol, do italiano, se nos ocorresse essa infeliz ideia, o que nos sobrava? Sim, «bem entendido» parece vir do francês (e se for mera coincidência?), mas está bem formado e não desdoura quem fala português, salvo melhor opinião. Sim, eu sei o que diz Rodrigo de Sá Nogueira. E a Marina sabe que a Academia Brasileira de Letras, para não ir mais longe, embora tenhamos de atravessar o Atlântico, considera que «bem entendido» não vem do francês? Ah, não sabia…
«Ele, que é velho, gosta de se fazer ainda mais velho, acentuando as maleitas, as recordações fugazes e, bem entendido, as deliciosas idiossincrasias oitocentistas» («À moda antiga», Pedro Mexia em recensão à obra Os Males da Existência ― Crónicas de um Reaccionário Minhoto, de António Sousa Homem, Público/Ípsilon, 25.07.2008, p. 35).

Actualização em 24.10.2009

Acabo de ler: «Isso não impediu, como excepção que confirma a regra, que um escritor consagrado como Miguel Torga tivesse sistematicamente (e em Portugal, bem entendido) optado por editar, com sucesso, as suas próprias obras» (O Conhecimento da Literatura. Introdução aos Estudos Literários, Carlos Reis. Coimbra: Almedina, 2.ª ed., 2008, p. 68).

Recursos

Nova ortografia

Da autoria do professor brasileiro Douglas Tufano, a Editora Melhoramentos disponibiliza o Guia Prático da Nova Ortografia, que pode descarregar aqui. Embora mais útil aos Brasileiros, não deixa de nos interessar.

12.9.08

Greve e «lock-out»

Nem agora

Em alguns jornais, a confusão entre motoristas e camionistas, entre greve e paralisação continua a fazer estragos. Até no Jornal Económico, publicação em que, quanto a estas matérias, se devia ter mais cuidado, se lê: «Aquele que foi o principal instigador da greve de camionistas [Silvino Lopes] que no início de Junho lançou o quase-pânico em Portugal não tem dúvidas, o regresso à greve “é normal que aconteça”» («Camionistas admitem voltar à greve», Filipe Paiva Cardoso, Jornal de Negócios, 9.09.2008, p. 40). Ao longo de todo o texto, ora se fala em «greve», ora em «paralisação». Ora em «camionistas», ora em «motoristas». Em que ficamos? Como é que os camionistas — quase sempre identificados como os donos dos camiões e não como os seus condutores —, entidades empregadoras, fazem greve, querem explicar-me? O artigo citado diz ainda que «alguns motoristas envolvidos no protesto decidiram lançar uma nova associação, a Associação Nacional das Transportadoras Portuguesas (ANTP)». O equivalente, digamos, a os revisores lançarem uma associação de editores…
O artigo 605.º do Código do Trabalho proíbe o lock-out, definindo-o como «qualquer decisão unilateral do empregador que se traduza na paralisação total ou parcial da empresa ou na interdição do acesso aos locais de trabalho a alguns ou à totalidade dos trabalhadores e, ainda, na recusa em fornecer trabalho, condições e instrumentos de trabalho que determine ou possa determinar a paralisação de todos ou alguns sectores da empresa ou desde que, em qualquer caso, vise atingir finalidades alheias à normal actividade da empresa».
A obrigação de saber isto impende sobre o jornalista e o editor, não sobre o revisor, naturalmente. Alguém tem de saber. Nem que seja a mulher da limpeza.

«Bramir armas»?

Sempre foste informação?

      No Jornal das Nove de ontem, na Sic Notícias, Mário Crespo entrevistou longamente o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o juiz-conselheiro Noronha do Nascimento. O tema de fundo era a posição dos juízes no combate à violência. A determinada altura, foram passadas imagens do tiroteio na Quinta da Fonte, em Loures. De facto, parecia Beirute ou Sadr City. E Mário Crespo questionou se «bramir armas assim»… Sim, repetiu pouco depois, «bramir armas».      Fui, por precaução, ver todas as acepções do verbo «bramir». Nada, nem em sentido figurado, nenhuma delas diz respeito a armas, como suspeitava. Fiz uma pesquisa na Internet, e lá estava — mas que parvoíce não está na Internet?
      Seria «brandir armas» que Mário Crespo queria dizer. Isso sim, é usual dizer-se, embora no caso fosse sempre em sentido figurado, pois brandir uma arma é elevá-la para melhor descarregar o golpe. Como nas imagens só se viam caçadeiras, só à coronhada se podiam brandir aquelas armas. Noutras línguas novilatinas também existe o verbo. Em catalão, diz-se brandir, brandar ou brandejar. Em castelhano, blandir. Em galego, brandir: «Soster na man [unha arma ou outra cousa], axitándoa no aire ou facéndoa oscilar en sinal de ameaza. Brandi-la espada» (in Diccionario da Real Academia Galega). Em sentido figurado, brandir também é «agitar de modo ameaçador». E Noronha do Nascimento esteve quase para brandir o dedo indicador quando Mário Crespo quis que o presidente do STJ explicasse o que era o imperativo categórico kantiano…

11.9.08

Concordância verbal

Um exercício

Começou por escrever: «O cansaço acumulado em três dias passados fora de Portugal parece ter passado à história com os 4-0 obtidos diante de Malta.» Leu a frase e pensou que precisava de mais palavras para perfazer os caracteres a que tinha direito. Acrescentou: «O cansaço acumulado em três dias passados fora de Portugal parece ter passado à história com os 4-0 obtidos diante de Malta, uma selecção que, não estando sequer na segunda linha do futebol europeu, costuma dificultar a vida às equipas que defronta.» Leu. Entusiasmado, acrescentou mais: «O cansaço acumulado em três dias passados fora de Portugal, com um jogo muito desgastante à mistura (adversário, relvado, humidade), parece ter passado à história com os 4-0 obtidos diante de Malta, uma selecção que, não estando sequer na segunda linha do futebol europeu, costuma dificultar a vida às equipas que defronta.» Leu outra vez. Sorriu, afagando a barriga proeminente. Pensou: «Não, aquele verbo está mal.» Reescreveu: «O cansaço acumulado em três dias passados fora de Portugal, com um jogo muito desgastante à mistura (adversário, relvado, humidade), parecem ter passado à história com os 4-0 obtidos diante de Malta, uma selecção que, não estando sequer na segunda linha do futebol europeu, costuma dificultar a vida às equipas que defronta.» Errou.

10.9.08

Tradução. Tropa

A tradução, como sempre

«Porque é que a Rússia não saiu ainda da Geórgia? O ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Bernard Kouchner, explicou aos seus pares europeus que, “como sempre”, a culpa é da tradução” das preposições. Os franceses deram à Rússia o direito de garantir a paz “nas” províncias rebeldes. Só que os russos leram: garantir a paz “para” as províncias rebeldes» («A culpa é da tradução», Hugo Coelho, Diário de Notícias, 9.09.2008, p. 27).
Convenhamos: escrito assim, não se percebe imediatamente a diferença. Será um problema de tradução? Vejamos. No Le Nouvel Observatoire pode ler-se: «Bernard Kouchner avait ainsi confirmé les propos d’un responsable russe, qui avait expliqué, sous couvert de l’anonymat, que “dans la version russe, le texte évoquait la sécurité ‘de l’Abkhazie’ et ‘de l’Ossétie du Sud”, alors que “dans le document transmis à Saakachvili”, en version anglaise, “cela a été présenté comme ‘en Abkhazie et “en Ossétie du Sud”» («Un retrait complet des forces russes de Géorgie dans un mois», NOUVELOBS.COM, 09.09.2008).
Assim já se percebe: no texto russo do acordo, que é uma versão do francês, lê-se «da Ossétia do Sul» e «da Abcásia». Na versão inglesa apresentada a Saakachvili lê-se «na Ossétia do Sul» e «na Abcásia». É uma diferença crucial, pois a Rússia continua a manter os tanques e os seus soldados («as suas tropas», como sempre escrevem o Diário de Notícias e o Público, esquecendo-se de que «tropa» é um substantivo colectivo. Traduzem mal do inglês. Deixem lá as «troops» com os Ingleses!) no território georgiano.

9.9.08

Legendagem


Nove letrinhas

Ora bem, onde é que nós ficámos ontem? Ah, sim: Tyrone Power. Pois ontem à noite passou na RTP Memória o filme A Justiça de Jesse James (Jesse James, 1939), com Power no papel de Jesse James. Depois de ter sido humilhado e sovado na quinta dos James, Barshee (Brian Donlevy), que trabalha na expansão do caminho-de-ferro de St. Louis Midland, corre juntamente com os seus capangas para junto do xerife e sugere-lhe — isto nas legendas, claro — «se nos nomear deputados»… No original, a personagem disse «deputies», que, no contexto, é «someone authorized to exercise the powers of sheriff in emergencies», ou seja, delegados do xerife. Agora só falta, para o mundo estar perfeito, que Paulo Pedroso queira ser delegado do xerife.

8.9.08

Legendagem

Bah

Na comédia romântica As Leis da Atracção (Laws of Attraction, de 2004), que ontem à tarde passou na TVI, há várias cenas de tribunal. Numa delas, entre réplicas, tréplicas, perguntas e respostas, lê-se a determinada altura nas legendas: «Meirinho!» Talvez tenha sido a juíza Abramovitz a gritar («Marshal!»?), não sei. A tradutora, Sara David Lopes, não tem estado certamente na Terra nos últimos tempos. (E não há revisão das legendas, como a não há da edição de Internet dos vários meios de comunicação. O público, bah, não merece tais luxos...) O primeiro meirinho-mor, que tinha à sua disposição outros meirinhos (do latim majorinu, diminutivo de major, maior), surgiu com o rei D. Afonso II. É uma figura que, entretanto, ficou pelo caminho da História. Agora temos os oficiais de justiça, nas suas diversas categorias (escrivão de direito, escrivão-adjunto e escrivão auxiliar; técnico de justiça principal, técnico de justiça-adjunto e técnico de justiça auxiliar) e carreiras (judicial e do Ministério Público).
Esta era uma película delico-doce, claro. Os autênticos filmes de tribunal (court movies, na designação norte-americana) são, para mim, o género preferido. Ainda me lembro de ter visto na Cinemateca Testemunha de Acusação (Witness for the Prosecution, 1957), com o magnífico Charles Laughton, Marlene Dietrich, Tyrone Power, entre outros.

Aportuguesamento

Assim somos

Já não sei quando (e eu esforço-me assaz para me esquecer), um autor português não quis que se aportuguesasse o vocábulo francês guichet com que quis «enriquecer» a sua obra. Nem pensar, argumentou, isso são «brasileirices propinadas pelo Dicionário da Academia». A verdade é que ainda o autor não tinha nascido e já Rebelo Gonçalves registava na página 515 do seu Vocabulário da Língua Portuguesa (1966): «guiché, s. m. Aportg. do fr. guichet. Var. bras.: guichê
«São os sujeitos mais retrógrados do País, os revisores. Uns empatas.» Enganado pelo meu aspecto de executivo, devia pensar, coitado!, que eu era um dos editores. «A quem o diz…», suspirei. Desde então não uso gravata.

7.9.08

«Suster», «sustar» e ignorância

Ora sus!

Na semana passada, vi na RTP Memória parte do documentário Aristides de Sousa Mendes, o Cônsul Injustiçado, da autoria de Diana Andringa (e pelo qual ganhou em 1993 o Prémio de Jornalismo da FLAD, Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento). A determinada altura, a voz off lê excertos de um relatório que o embaixador de Portugal em Madrid, Pedro Teotónio Pereira (1902-1972), depois de ter falado com o cônsul em Bordéus, escreveu a Salazar. No documento lia-se claramente «sustei» (do verbo sustar), mas a voz «corrigiu» para «sustive» (do verbo suster). No contexto, têm um significado semelhante, mas para o caso não interessa. O erro decorre, creio, do facto de a maioria dos falantes não conhecer o verbo «sustar». Imperdoável num comunicador. Boa lição para toda a gente: se mostrar, não leia, e vice-versa. E vão consultando o dicionário da língua portuguesa. Não nos (e se) envergonhem.

«Rodeio» e «Estoi»

Nada de rodeios

      «O Tribunal de Faro proibiu ontem a realização de um “rodeio brasileiro”, espectáculo programado para a Feira do Cavalo de Estói, que decorre este [sic] hoje e amanhã na capital algarvia, informou a associação Animal. O “rodeio brasileiro” deveria acontecer hoje à noite, como parte do Campeonato Nacional de Rodeo, promovido pela associação portuguesa da modalidade e uma empresa que recentemente organizou um “rodeio” em Santiago do Cacém, que culminou no desabamento de uma bancada» («Tribunal proíbe realização de rodeio», Diário de Notícias, 6.09.2008, p. 39). Temos então, no mesmo texto, «rodeio» e «rodeo». No Brasil, há duas acepções do vocábulo: uma significa a reunião de gado, no campo, para o marcar; outra, a competição que consiste em montar cavalo ou boi não domesticados e permanecer montado o maior tempo possível. Ora, este conceito parece coincidir com o expresso pela palavra espanhola rodeo: «En algunos países de América, deporte que consiste en montar a pelo potros salvajes o reses vacunas bravas y hacer otros ejercicios, como arrojar el lazo, etc.» (in DRAE). Seja como for, não me parecem necessárias as aspas a envolver a palavra.
      Quanto ao nome da localidade: quase todas as obras ainda registam «Estói» — tenho o Prontuário Ortográfico e Guia da Língua Portuguesa, de Magnus Bergström e Neves Reis, Editorial Notícias, 30.ª edição, aberto na página 168 e é isso que leio —, e eu próprio assim o grafei aqui uma vez, mas o certo é que pela Lei n.º 32/2005 (D. R. n.º 20/2005, I-A), de 28 de Janeiro, se alterou a denominação para Estoi.No Público, as aspas e a ortografia da palavra são as mesmas: «Tribunal de Faro proíbe “rodeio” em Estói dando razão aos defensores dos direitos dos animais» (Idálio Revez, Público, 6.09.2008, p. 22).

Actualização em 8.10.2009

      No debate da Antena 1, moderado por Maria Flor Pedroso, entre os candidatos de Faro às eleições autárquicas, José Apolinário, presidente da Câmara de Faro desde 2005 e recandidato pelo PS, pronunciou claramente /Estôi/. Infelizmente, também disse: «desde os 4/5 anos calcorrei cada um das estradas e caminhos do interior do concelho».

6.9.08

Recursos


De Itália

Como acontece com outros jornais, o sítio do Corriere della Sera tem, entre outros, um bom dicionário de língua italiana e uma enciclopédia, La Rizzoli Larousse. Para ver aqui.

Queiroz, Queirós


Lá isso é verdade


      Carlos Queiroz, o seleccionador nacional, nasceu em Nampula a 1 de Março de 1953. O leitor não sabia? Então, ao contrário do que julga, não é culto. Adiante. Por vezes lê-se que os indivíduos cujo nome foi registado antes do acordo ortográfico de 1945 podem usar este apelido com a forma então vigente: Queiroz. Ora, terá o pai de Carlos Queiroz registado o filho antes de 1945? Não me parece, não é possível registar nascituros. E oito ou nove anos antes…
      Quase tudo o que se refere à ortografia dos nomes próprios gera polémica, bem sei. Não me vou eximir a ela. Sei que há professores que corrigem os seus alunos quando estes escrevem «Eça de Queiroz». Que é «Queirós», de acordo com a ortografia actual, argumentam. Bem, então parece que a regra tem esta excepção implícita: os indivíduos cujo nome foi registado antes do acordo ortográfico de 1945 podem usar este apelido; se já morreram, podem escrever-se conforme à ortografia em vigor. É isso? Felizmente, a Fundação Eça de Queiroz não acatou estas pseudo-regras. E não tenho notícia de alguém pretender corrigir o nome do seleccionador…

Actualização em 13.09.2008


      «Queiroz no bilhete de identidade. O sobrenome do seleccionador nacional criou sempre muita confusão quanto à forma como se escreve. Nos jornais uns escrevem Queiroz [,] outros Queirós, na realidade no bilhete de identidade está escrito Carlos Queiroz» («África espalhada pela casa», Diário de Notícias/DN Sport, 12.09.2008, p. 24).

Ortografia: «ibero-americano»

Distracções

«O autor de Cem anos de solidão está em Monterrey, capital do estado de Nuevo León, Norte do México, para participar na 7.a edição dos prémios atribuídos pela Cementos de México (Cemex) e a Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano (FNPI) nas categorias de texto, fotografia e carreira aos mais destacados jornalistas iberoamericanos» («Gabriel García Márquez critica imprensa escrita», Diário de Notícias, 3.09.2008, p. 62). «Jornalistas iberoamericanos»? Só se for um erro de simpatia. Em espanhol é que é iberoamericano, em português é ibero-americano. Regista o Vocabulário da Língua Portuguesa (1966), de Rebelo Gonçalves, na página 541: «ibero-americano, adj. V. afro-brasileiro.» E na página 37: «afro-brasileiro, adj. Flexs.: afro-brasileira, afro-brasileiros e afro-brasileiras. Tal como neste caso, são invariáveis no primeiro elemento todos os compostos de estrutura análoga.»

5.9.08

Ortografia: «videoarbitragem». Bisesdrúxulas

Não recues tanto

      Um leitor, Rui Pires, pergunta-me se está correcta a palavra «vídeoarbitragem». Em termos de composição, está correcto, pois o elemento antepositivo video- não leva hífen quando se junta a outro elemento. O acento, contudo, está incorrecto. Nunca o acento gráfico (e a sílaba tónica) pode recuar para lá da pré-antepenúltima sílaba. E esta já é uma excepção à designada «janela de três sílabas». Quando a tónica recai na pré-antepenúltima, designamos o vocábulo por bisesdrúxulo, sobredáctilo ou sobresdrúxulo, o que ocorre em sequências fonéticas com verbo mais pronome clítico (e também, mas de forma irregular, em palavras plenas na escrita e na oralidade: espécimenes, júniores, séniores, etc.). Por exemplo, tomávamo-lo. Também em espanhol há esta designação, e como exemplos: cómpratelo, llévatelo, póngasela, etc.

4.9.08

Revisão II

Frasicida

Gostava de ter uma rubrica sobre as frases que poderiam existir se eu não estivesse lá para as matar à nascença. Mas não posso, claro. A antológica de ontem seria esta: «“Pelo menos um outro atleta merecia ter vindo mais cedo”, ainda acrescentou, sem se referir a quem.» «Sem se referir a quem»? Não foi referida, não vingou. Ah, este texto soa-me, já li isto em qualquer lado…

Selecção lexical

Muito bem

«Havia receios de que o furacão Gustav trouxesse danos catastróficos, mas depois de dois milhões de pessoas terem sido retirados da costa do golfo do México — a maior evacuação da história dos Estados Unidos —, o furacão perdeu intensidade e os estragos que já fez são considerados “mínimos”» («Gustav inunda cidades e faz nove mortos mas em Nova Orleães respira-se de alívio», Joana Azevedo Viana, Público, 3.09.2008, p. 11). Como vêem, nem todos os jornalistas caem nos erros já muito debatidos. Muito bem: as pessoas foram retiradas, não evacuadas.
Ter escrito «golfo do México» (que é o que está correcto) em vez de «Golfo do México», como todos os dias se lê, é de celebrar com fogo-de-artifício e fanfarra.

«Sedeado» e «sediado»

Paz universal

Na mesma edição, a de ontem, podia ler-se no Diário de Notícias «sedeado» e «sediado». É o convívio pacífico e acrítico de tudo ou o mero desleixo ou a falta de diálogo entre os revisores? O leitor que decida.
«Sabe-se que há grupos de sobrevivência a preparar-se para 2012 nos Estados Unidos [,] Canadá e Holanda mas, à excepção de gurus como o escritor Patrick Geryl (líder de um grupo estrategicamente sediado na África do Sul), poucos dão a cara, preferindo abraçar a causa de forma discreta, aparentemente com medo de serem ridicularizados» (Grupos preparam-se», Isilda Sanches, Diário de Notícias, 3.09.2008, p. 33).
«O actual director de produtos da Google, sedeada em Londres, salienta que não se trata de concorrer com a Microsoft e até nem tem “expectativas de quota de mercado” quando o Internet Explorer tem mais de 70% e o Firefox 20% de quota do mercado dos browsers» («Google lança navegador de Internet», Pedro Fonseca, Diário de Notícias, 3.09.2008, p. 60).

3.9.08

Recursos

Biblioteca de Traducciones Españolas

Sítio em que se disponibilizam traduções marcantes para espanhol de obras de várias línguas. Por aqui, se faz favor.

Revisão I

Frasicida

Gostava de ter uma rubrica sobre as frases que poderiam existir se eu não estivesse lá para as matar à nascença. Mas não posso, claro. A antológica de ontem seria esta: «O que não foi capaz foi acertar tão cedo na baliza como fez Hélder Postiga.» «O que não foi foi»? Não foi, não vingou.

Ponto abreviativo. Uniformização

Sim e não

Lembram-se? «Talvez por isso, o mayor de St Paul, Chris Coleman, diga que Mineápolis é um Chablis — um vinho branco da região francesa da Borgonha — e St Paul é uma cerveja» («Que nome dar a esta convenção?», Susana Salvador, Diário de Notícias, 1.09.2008, p. 33). Ontem, uma coisinha mudou: «O furacão Gustav fez-se sentir a mais de dois mil quilómetros de distância, na capital do Estado do Minnesota, St. Paul, onde os delegados do partido republicano deviam consagrar John McCain como candidato à presidência dos Estados Unidos» («Festa republicana ficou estragada», Hugo Coelho, Diário de Notícias, 2.09.2008, p. 5). Talvez possa ser ambas as coisas: com e sem ponto abreviativo, mas a obrigação dos revisores é uniformizar o texto. Já abordei a questão do ponto abreviativo no texto «Os Clappertons».

Ortografia: «guarda-florestal»

Guardem-se

E a propósito de hífenes, lia-se ontem no Diário de Notícias: «A reunião entre a estrutura sindical que representa os guardas florestais e o Governo foi “muito inconclusiva”, afirmou ontem Paulo Trindade, à saída da reunião com o secretário de Estado da Administração Interna» («Reunião “muito inconclusiva”», Diário de Notícias, 2.09.2008, p. 12). O Público, por seu lado, titulava recentemente: «Guardas-florestais protestam». É bem certo que vivemos numa época de fúria hifenizadora. Contudo, desta vez é o Público que tem razão: os guardas das matas nacionais são designados por guardas-florestais. É uma palavra composta, e assim surge nos dicionários.

Jargão médico I

Embirrações



      Embirro (mas, à cautela, nunca o confesso aos próprios) com o jargão médico. Até já aqui dei exemplos, embora só tenha recebido objecções de estudantes de Medicina. Ou seja, os aprendizes de feiticeiro é que assumem a defesa da honra. Embirro muito mais quando os jargões extravasam da classe. Lê-se no Record de hoje: «O médio Guerra fez uma rotura muscular na coxa esquerda e realiza hoje uma ecografia para avaliar a extensão da lesão, que o deverá afastar dos relvados por um período entre duas a três semanas. Por seu turno, o avançado Pires fez uma luxação num dedo da mão esquerda e terá de colocar gesso» («Quatro baixas para Garcia», Record, p. 35).
      Aposto que se o senhor Alfredo, ali o das hortas junto à Estrada da Circunvalação, tiver um problema semelhante, seja luxação seja rotura, não dirá nada disso (nem dirá que vai «realizar uma ecografia», de resto). Os jornalistas deviam seguir o exemplo do senhor Alfredo. Quando li o texto, lembrei-me logo de outro que Fernando Venâncio publicou já este ano no Aspirina B, intitulado «Jeito para tudo»: «— Não pude ir. Fiz uma nevralgia. — Ah… E ficou bem feita?»


2.9.08

Formações com prefixos: anti-

Vejam lá isso

O Diário de Notícias, que nem sequer é o pior jornal neste aspecto, titulava (mas os títulos têm vindo ultimamente a ser escritos da forma mais desleixada que é possível) ontem: «Quercus ‘condena’ caravanistas anti-ambiente» (Diário de Notícias, 1.09.2008, p. 24). Pergunto: não será a maioria destes erros proveniente da Lusa? E a Lusa não tem revisores?
Anti- leva hífen antes de h, i, r, s: anti-herói, anti-infeccioso; anti-racista, anti-semita.

«Profeta» com minúscula

Maiores e menores

      Um nigeriano, Mohammed Bello Abubakar, professor e pregador, divorciou-se anteontem de 82 mulheres (ainda fica com quatro). Tem mais de 170 filhos. «A família de Abubakar não trabalha e ninguém sabe como se sustenta», lê-se na notícia publicada ontem no Diário de Notícias. Posso dar uma ajudinha: várias organizações «humanitárias» de países islâmicos (normalmente a Arábia Saudita, com os seus petrodólares) aproveitam-se da pobreza para converter: a quem usar o hijab, o véu islâmico, é dado dinheiro. Já se viu isso na Somália, na Bósnia, etc. Mas não era sobre isso que queria escrever, mas sobre isto: «Abubakar diz que fala pessoalmente com o profeta Maomé» («Nigeriano divorcia-se de 82 das 86 mulheres», Diário de Notícias, 1.09.2008, p. 31). Nada de novo por aqui, só para reforçar: Maomé é profeta como profetas são os da tradição cristã, e estes nunca mereceram maiúscula inicial. Está, pois, muito bem: profeta Maomé. Só se for por antonomásia, argumentam? Porquê? De qualquer modo, não ficaria junto do nome Maomé.

Recursos

Mui•to bem



      O que um simples dicionário de menos de 5 euros fazia, e muito bem, é feito agora também pela MorDebe, uma base de dados com palavras do português: informar sobre a partição das palavras na escrita. Utilíssimo.




Recursos

Leiam

Já aqui deixei hoje a indicação de uma obra — O Salústio Nogueira, de Teixeira de Queirós — alojada no Arcos Digital, o portal de Arcos de Valdevez, que vale a pena explorar. Agora deixo a indicação da obra, que os leitores podem descarregar, A Língua Portuguesa no Alto Minho, da autoria de Victor Domingos.

Máfia ou mafia?

É o que vamos ver

«A notícia foi revelada pelo diário ABC na sua edição de ontem. De acordo com este jornal espanhol, Jurij Salikov, um dos elementos da Tambovskaya (mafia russa) que se encontra detido em Maiorca foi investigado por ter estado ligado a uma operação de venda de aviões de guerra russos para um país africano, presumivelmente Angola» («Mafia russa negociou aviões de guerra para Angola», Diário de Notícias, 1.09.2008, p. 27).
Máfia ou mafia? O Diário de Notícias grafa sempre «mafia». Nos últimos anos, porém, só se lê e ouve a primeira. Escreve, a propósito, o consultor do Ciberdúvidas F. V Peixoto da Fonseca: «Em italiano é Mafia, nome próprio, esdrúxula mas sem acento gráfico, conforme preceitua a ortografia da língua. E é assim que se deve também pronunciar em Portugal como no Brasil: /Máfia/. A pronúncia do vocábulo como grave (/Mafía/) é pois errada e causada pelo desconhecimento do italiano, que leva a querer sujeitar a palavra às regras de acentuação portuguesas.»
Será mesmo errada? Eu sempre disse e escrevi «mafia», porque será esdrúxula em italiano, mas em português é claramente grave, como muitas outras terminadas em –ia: biopsia, glicemia, hipocondria, leucemia, miopia, orgia, radioterapia, septicemia, tecnocracia, etc. (Podem pesquisar mais neste Rimário, muito útil, da autoria de Creusmar Pereira de Almeida.) Por analogia, então, mafia.

Derivação imprópria

Morno, morno

O Diário de Notícias publicou ontem um especial (pp. 32-33) sobre o furacão Gustav. «Talvez por isso, o mayor de St Paul, Chris Coleman, diga que Mineápolis é um Chablis — um vinho branco da região francesa da Borgonha — e St Paul é uma cerveja» («Que nome dar a esta convenção?», Susana Salvador, Diário de Notícias, 1.09.2008, p. 33).
Em português, já aqui o escrevi mais de uma vez, à mudança gramatical em que um substantivo próprio passa a substantivo comum, ou vice-versa, dá-se o nome de derivação imprópria. A questão é que esta alteração também afecta — ao contrário do que muita gente defende, vá-se lá saber porquê — graficamente a palavra. No caso, teria de se escrever chablis, derivado de Chablis, localidade vinícola francesa. Uma abonação da obra (que pode descarregar integralmente aqui) O Salústio Nogueira, de Teixeira de Queirós (1948-1919): «Não saíra, depois, dos seus aposentos, onde lhe foi servido um simples caldo, bocado de peito de galinhola, um pequeno copo de chablis...» (p. 13)

1.9.08

Evacuar e Luisiana

Mais evacuações

«Mais de meio milhão de pessoas evacuaram este fim-de-semana a cidade de Nova Orleães e outras áreas em risco no Estado da Louisiana (Estados Unidos) como medida de prevenção perante a aproximação do furacão “Gustav”, que deverá atingir hoje a costa norte-americana» («“Tempestade do século” leva ao êxodo», Cristina Espada, Meia Hora, 1.09.2009, p. 6).
Não há jornalista português que não saiba que há qualquer coisa relacionada com o verbo evacuar. Alguns não sabem é bem o quê. Muito bem, o começo está correcto: «Mais de meio milhão de pessoas evacuaram este fim-de-semana a cidade de Nova Orleães». Sim, mas evacuaram-na de quê? Praticam e sofrem a acção? E isso não é demasiado? Quanto a «Louisiana», vinte linhas depois lê-se «Luisiana».