28.2.10

Conjugador de verbos

A explorar


      Surgiu agora um conjugador verbal para o espanhol com características únicas. Chama-se Onoma e conjuga qualquer verbo em espanhol, existente e reconhecido ou inventado, com a única condição de que a palavra seja reconhecida como um infinitivo. Informa sobre as irregularidades que o verbo contém, com uma explicação pormenorizada sobre as mesmas, e, dada uma forma verbal, informa a que verbo pertence e indica o modo, tempo, pessoa e número. É um projecto da empresa Molino de Ideas, que tem outros projectos relacionados com o processamento da linguagem natural. Claro que não temos muito a invejar, pois temos o Lx Conjugator.

[Post 3189]

27.2.10

Televisão

Pretendedores


      Ontem, no programa Operação Especial, o debate entre António Reis, grão-mestre do Grande Oriente Lusitano (GOL), e Paulo Teixeira Pinto, presidente da Causa Real (não confundir com a Casa Real...), era subordinado ao tema o centenário da República. António Reis, historiador, afirmou que só houve duas Repúblicas, e Carlos Pinto Coelho queria à viva força que houvesse polémica por causa da afirmação. Não houve, e não é nada de novo.
      A propósito do Protocolo de Estado, António Reis lembrou que algumas câmaras municipais nem sequer consideram D. Duarte Pio. Estamos a falar de Protocolo de Estado, objectou, com o entono que lhe é conhecido, o moderador, Carlos Pinto Coelho. Pois estamos, devia ter respondido António Reis. Então a Lei das precedências do Protocolo do Estado Português não se aplica em todo o território nacional e até mesmo nas representações diplomáticas e consulares de Portugal no estrangeiro?
      Quando Carlos Pinto Coelho se referiu a D. Duarte Pio como pretendente ao Trono, logo Paulo Teixeira Pinto contrapôs que D. Duarte Pio «não pretende nada. Os monárquicos é que pretendem». Realmente, ele apresenta-se ou é apresentado como pretendente ao Trono? D. Duarte de Bragança é o chefe da autodenominada Casa Real Portuguesa, e se o regime é republicano (embora, a meu ver, se devesse alterar a alínea b) do artigo 288.º da Constituição para permitir que haja um referendo à monarquia), não há Trono. É dos dicionários: pretendente é o designativo de um príncipe que pretende ter direitos a um trono vago ou ocupado por outrem.

[Post 3188]

Actualização em 1.3.2010

      Mais um exemplo: «O que reflecte o estado geral de deliquescência da Segunda República, quase 36 anos depois da queda do Estado Novo» («E depois da borrasca?», J.-M. Nobre-Correia, Diário de Notícias, 20.2.210, p. 65).

Feminino de «bispo»

Nada feminista


      «Margot Kässmann, de 51 anos, era até há poucos dias bispo de Hanôver e presidente do conselho nacional da Igreja Evangélica, que conta com cerca de 25 milhões de fiéis na Alemanha. Tinha 41 anos quando, em 1999, foi nomeada, tornando-se a bispo mais jovem no país. Em Outubro do ano passado chegou ao topo da Igreja Evangélica alemã e fez história a ser a primeira mulher a ocupar o lugar» («Margot Kässmann», Carla H. Quevedo, Metro, 26.2.2010, p. 9).
      Errado: o feminino de bispo é episcopisa. E os dicionários, que são todos, que registam que episcopisa era a «mulher que nos princípios do cristianismo desempenhava certas funções sacerdotais sem jurisdição episcopal» também precisam de reformular a definição. A propósito de feminino, o semanário Expresso lá continua denodadamente a usar chancelerina: «Indiferente aos protestos das autoridades suíças que falaram em receptação de informação roubada, a chancelerina Angela Merkel recuperou por esta via 200 milhões de euros (valor que já inclui as multas a aplicar aos infractores)» («A honra perdida de uma Suíça orgulhosamente só», Rui Martins, Expresso, 6.2.2010, p. 32).
      Na imprensa alemã, o nome da episcopisa é grafado com a letra ß (scharfes S ou Eszett), Käßmann, habitualmente substituída, em países não germanófonos, por ss.

[Post 3187]

26.2.10

Lições de Legística

E eles lêem?


      «Relativamente ao vocabulário geográfico, nomeadamente toponímico, deve utilizar-se, como regra geral, a palavra portuguesa, mesmo nos casos menos conhecidos (exemplo: cidade de Francoforte), a menos que a palavra portuguesa possa tornar-se incompreensível para a generalidade dos destinatários, pelo que, nestes casos, deve escrever-se a palavra estrangeira entre parênteses e em itálico [exemplo: na cidade de Lila (Lille)].» Onde é que isto está escrito? Na página 25 da obra Regras de Legística a Observar na Elaboração de Actos Normativos da Assembleia da República, da autoria de Luísa Colaço e Maria da Luz Araújo, e publicada pela Divisão de Edições da Assembleia da República em 2008. Vale a pena descarregar e ler.

[Post 3186]

Anglicismos e etc.

Português na Quinta Vigia


      Vi Alberto João Jardim na Grande Entrevista com Judite de Sousa. Alguns momentos baixos: «O gabinete de operações está aqui na Quinta Vigia [residência oficial do presidente do Governo da Região Autónoma da Madeira], eu comando aqui as operações, obviamente com grande suporte da Protecção Civil.» Nesta acepção, suporte é anglicismo. Qual é a dimensão exacta dos prejuízos? «Nas contas do Governo, vamos já em mil milhões de euros, e para cima.» Isso é muito dinheiro. «Eu penso que vamos ir a uma coisa paradoxal: o volume, o custo, igual ao que é o orçamento anual da Região Autónoma.» Ou seja? «O orçamento anual da Região Autónoma é um bilião e meio de euros.» «O Sr. Dr. carrega essa mágoa de não ter tido uma vaga de fundo, nomeadamente há dois anos, para que o seu nome pudesse ser lançado?» Vaga de fundo é uma metáfora, muito do agrado da nova classe política, e, como se vê, de alguns jornalistas, que muito poucos telespectadores entenderão.

[Post 3185]

Acertos e erros na televisão

Pobres criancinhas


      Quase um terço das crianças portuguesas, soube-se ontem com a divulgação de um estudo da Deco, passa mais de nove horas por dia nas creches e a esmagadora maioria ocupa parte do tempo a ver televisão em jardins-de-infância. E mais: 27 por cento de pais com filhos entre 1 e 2 anos (creches) e 10 por cento com crianças nos jardins-de-infância (entre 3 e 5 anos) afirmam que gostariam que as instituições abrissem ao sábado. Em vez de empregados, as instituições têm televisões. Ainda há poucos minutos, no canal Disney, passava um episódio da série de desenhos animados A Nova Escola do Imperador. Uma das personagens (Kronk?) dizia: «Foi o tipo que nos deteu.»

[Post 3184]

25.2.10

Acertos e erros na televisão

Não é mais, não


      No programa de hoje, o apresentador do concurso Falaescreveacertaganha quis saber porque é que uma equipa que frequenta o Colégio de Gaia tinha o nome Bijagós. «Desculpem, mas não resisto. Em relação ao nome Bijagós. Porquê o nome Bijagós?» «Porque a professora... Os Bijagós são uma raça de negros que vêm da Guiné, e a professora...» «Os Bijagós são até mais aqueles ilhéus e aquelas ilhas ali na Guiné-Bissau. Mas sim, diz.» «... e a professora costuma chamar-nos isso muito nas aulas.» «Eu imagino porquê.» (Não perpassa por aqui uma sugestão de racismo?) Vejamos. Se Bijagós designa tanto o povo autóctone que habita o arquipélago de Bijagós, na Guiné-Bissau, como o próprio arquipélago, porque é que é mais este? Na verdade, inicialmente era só etnónimo.

[Post 3183]

Acertos e erros na televisão

Divertido ou perverso?


      «Qual é o feminino de comboio?», perguntou ontem o apresentador do concurso Falaescreveacertaganha. Só por pura perversidade se pode fazer uma pergunta destas a uma criança de 10 anos. E para quê? Sara, da equipa Rápidos e Ladinos, ficou embasbacada. Porque não se metem com crescidos, como eu, por exemplo? Na prova «Ler É Aprender», o apresentador disse: «O João [João Castro, actor que integrava, na altura, o elenco da peça Breve Sumário da História de Deus, no Teatro Nacional D. Maria II] vai ser quem nos vai ajudar a avaliar a prestação dos dois elementos, que penso que nesta altura já estarão escolhidos e destacados por cada uma das equipas para ler.» É este «o programa que mima a língua portuguesa»? Vá Pedro Castro por esse País fora e teste se as pessoas conhecem essa infeliz acepção do vocábulo «prestação». E deixe-se de colocações: «Coloca a frase “É para já!” no plural.» É ridículo.

[Post 3182]

24.2.10

Outra acepção ignorada

Casa grande, sim, mas...


      «O vento forte provocou ainda o desmoronamento de um casão agrícola, destelhou dois anexos e destruiu cercas nas herdades da Granja e Azinhal, que se estendem pelos concelhos de Nisa e Crato, no distrito de Portalegre» («Vento derruba azinheiras centenárias», Global Notícias, 24.2.2010, p. 4).
      Julgo que nenhum dicionário regista a acepção usada na frase. É sinónimo de barracão, mais ou menos o galpão brasileiro.

[Post 3181]

Acertos e erros na televisão

Contesto


      Ontem vi o novo concurso sobre a língua portuguesa que passa na RTP 2. Sabem que nome tem? Preparem-se... Falaescreveacertaganha. No sítio da RTP, o programa é assim apresentado: «É um jogo a pensar nas meninas e nos meninos do 5.º e do 6.º ano e na terceira geração de luso-descendentes. Todos os dias, duas equipas de concorrentes vão responder a perguntas sobre gramática e ortografia, vão escrever textos, soletrar palavras, corrigir erros, ler e interpretar. A brincar também se aprende.»
      Numa das rubricas ou provas, «Português à vez», surgiu esta pergunta: «Na frase “Vamos a votos!” em que tempo e modo está o verbo?» Pedro, da equipa Gonçalinhos, respondeu: «Modo indicativo, presente do indicativo.» E Pedro Castro, o apresentador, disse: «A resposta está correcta.» Não está. A forma verbal usada na frase (que é também o título da obra que serviu para as perguntas, da autoria de José Jorge Letria e publicado pela Texto Editores) está no modo imperativo. Se os dicionários de verbos mais antigos só referiam as formas vai e ide (e Celso Cunha e Lindley Cintra, na Nova Gramática do Português Contemporâneo, escreveram que o «imperativo afirmativo possui formas próprias somente para as segundas pessoas do singular e do plural (sujeito tu e vós). As demais pessoas são expressas pelas formas correspondentes do presente do conjuntivo»), os mais recentes já indicam que as formas do imperativo são vai, vá, vamos, ide, vão.
      E dizia o apresentador, no início, que é «o programa que mima a língua portuguesa»... Embora com uma nota de arrogância, recomendou: «Façam um favor: não hesitem em corrigir, mesmo a mim, se for o caso, que não será.» Não foi o único erro. Na pergunta em que se pedia que os concorrentes passassem uma frase para o discurso indirecto, o concorrente, também dos Gonçalinhos, respondeu incorrectamente e o apresentador considerou-a correcta. Ou seja, pelo menos 20 pontos foram atribuídos indevidamente a esta equipa. O apresentador despediu-se da equipa derrotada com esta frase infeliz: «Mas não fiquem tristes, porque, muito contra a minha vontade, é certo, também vocês vão ganhar o livre acesso à Infopédia

[Post 3180]

Disparates na televisão

Que deterge ou limpa


      Ontem, no Jornal das 7 da Sic Notícias, a propósito do maior cão do mundo, um grand danois, a jornalista disse que o cão «até tem um site pessoal». Na RTP 1, numa reportagem para o Telejornal, Judite de Sousa, que estava no supermercado do Centro Comercial Anadia, no Funchal, falou em «detergentes de limpeza».

[Post 3179]

Ortografia: «secretário executivo»

Espera aí


      Podia ler-se: «O secretário-executivo da Convenção da ONU para as Alterações Climáticas (CNUAC), o holandês Yvo de Boer, renunciou à função e deixará o cargo no início de Julho.» A fúria hifenizadora não pára. A propósito do uso do hífen quando o adjectivo geral entra na formação de uma palavra composta que designa cargo, função, lugar de trabalho ou órgão correspondente, como directoria-geral, secretário-geral, procurador-geral, o Manual de Redação da PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) aconselha: «Não se deve usar o mesmo procedimento para consultor jurídico, assessor jurídico, pois se passaria, do mesmo modo, a empregar hífen em professor adjunto, professor catedrático, professor horista, secretário executivo, gerente financeiro, gerente econômico, Gerência Financeira, etc.»

[Post 3178]

23.2.10

Tradução: «solicitor»

Falsos amigos e tradutores


      No episódio, o 10.º da série, Herança Amaldiçoada (The Norwood Builder, no original) de hoje de As Aventuras de Sherlock Holmes, o detective teve de deslindar mais um caso. No sítio da RTP Memória, podia ler-se: «O tempo vai tornar-se traiçoeiro para Holmes quando este tiver que provar a inocência de um solicitador num caso de assassinato e fogo posto.» Ao ver o episódio, soube que o infeliz John Hector McFarlane era «a young solicitor», isto é, um advogado. Erro em que não caiu a tradutora do episódio, Florinda Lopes.
      No Brasil, pelo que vejo aqui, o episódio recebeu o título de O Construtor de Norwood, bem mais sugestivo e adequado à trama. «“There’s the advantage of being a builder,” said Holmes, as we came out. “He was able to fix up his own little hiding-place without any confederate—save, of course, that precious housekeeper of his, whom I should lose no time in adding to your bag, Lestrade.”»

[Post 3177]

Uso do inglês

Ridículo


      «A Portuguese Acne Advisory Board, constituída por um grupo de dermatologistas portugueses[,] tem em marcha a campanha “Guerra às Borbulhas”[,] destinada a proporcionar um maior conhecimento sobre a acne, que afecta cerca de 80% dos adolescentes. A acção chega esta sexta-feira a Lisboa, à escola Padre António Vieira» («Guerra às borbulhas nas escolas», Metro, 23.2.201, p. 3).
      Se é português, porque tem nome inglês? Julgam que estamos em Mozambique, perdão, em Moçambique, ou no Brazil, perdão, no Brasil? Ou é para se dar ares de mais científico?

[Post 3176]

Léxico: «inquérito-crime»

Aguardemos


      «A procuradora-geral adjunta Cândida Almeida surpreendeu ontem o mundo da magistratura do Ministério Público com uma proposta arrojada de combate ao crime de violação do segredo de justiça: a imposição do regime de escutas telefónicas aos procuradores ligados a inquéritos-crime» («Cândida defende segredo com escutas a procuradores», Global Notícias/24 Horas, 23.2.201, p. 3).
      Alguns dicionários — mas não o Houaiss! — registam o vocábulo processo-crime (cujo plural tanto pode ser processos-crime como processos-crimes). Nenhum, contudo, acolhe o termo inquérito-crime. Ainda não convenceu os dicionaristas...

[Post 3175]

22.2.10

Léxico: «lolita»

Nem o Houaiss


      «Com um ar de inocente “lolita”, sublinhado pelos óculos e tranças, assume que já fingiu ter uma playstation 3 e outros gadgets só para se sentir mais integrada na escola» («Queremos um emprego para os nossos pais!», Bernardo Mendonça, Única/Expresso, 30.1.2010, p. 57).
      Os dicionários de língua inglesa, sei lá, o Cambridge Advanced Learner’s Dictionary (que o define como «a young girl who has a very sexual appearance or behaves in a very sexual way a young girl who has a very sexual appearance or behaves in a very sexual way»), grafam o nome com maiúscula inicial, mas eu concordo com Bernardo Mendonça. De nome próprio, passou a nome comum. Logo, lolita. Mas, senhor jornalista, sem aspas! Tanto quanto sei, nenhum dicionário da língua portuguesa regista o vocábulo. Não, nem o Houaiss, que — isto é que é curioso — não deixa de acolher o termo ninfeta, criado por Vladimir Nabokov (1899–1977) no romance Lolita, de 1955. E é desta Lolita que vem o lolita do texto jornalístico. Ninfeta, para o Dicionário Houaiss, é a menina adolescente voltada para o sexo ou que desperta desejo sexual.

[Post 3174]

Léxico: «braquete»

Imagem da Orthodontic Care

Agora já sabemos


      «Dito isto volta a escancarar um sorriso feito de braquetes» («Queremos um emprego para os nossos pais!», Bernardo Mendonça, Única/Expresso, 30.1.2010, p. 55).
      Os dicionários que consultei ainda não registam este vocábulo, aportuguesamento do inglês bracket. Designa as pequenas peças de metal ou de cerâmica usadas, presas num arco de arame, para posicionar os dentes nos tratamentos ortodônticos.

[Post 3173]

Ortografia: «torna-viagem»

Não sei porquê


      «A ideia era tentar reproduzir os célebres Torna Viagem, moscatéis que, no séc. XIX, eram enviados para o Brasil em casco e que por falta de comprador, regressavam» («Moscatel à boleia da Sagres», João Paulo Martins, Única/Expresso, 30.1.2010, p. 83).
      Bem, talvez os cascos tenham inscrito «Torna Viagem», mas nas garrafas que são comercializadas lê-se «Torna-Viagem» (vejam aqui). E, é claro, a ortografia do vocábulo, substantivo e adjectivo, é torna-viagem. Como torna-boda, torna-boi, torna-e-torna, torna-fio, torna-jeira, torna-torna e torna-vaca.

[Post 3172]

21.2.10

Uso da minúscula inicial

Vão na Sagres


      «Com tanta chuva e frio os dias custam mais a passar e as férias de Verão parecem uma miragem. Por isso propomos que tire uns dias de descanso no hemisfério sul, aproveitando a energia do sol que se instalou por aquelas paragens» («África de luxo», Alexandra Simões de Abreu, Única/Expresso, 30.1.2010, p. 77). Muito bem: hemisfério sul. Contudo, seis páginas mais à frente, eis um mau exemplo: «Todo o balanço do navio e os calores do Equador operavam milagres e o vinho regressava muito melhor do que tinha ido» («Moscatel à boleia da Sagres», João Paulo Martins, Única/Expresso, 30.1.2010, p. 83). E a famosa revisão do Expresso, onde estava?

[Post 3171]

Formas pronominais –lo, –la

Ainda na escola


      «Irrita-lo a ênfase no futuro: “Eu não sou futuro. Somos presente e temos de educar todos para serem presente. Porque não fazemos nada para mudar amanhã, mas para ir mudando hoje.”» («Juventude inquieta», Christiana Martins, Única/Expresso, 30.1.2010, p. 39). Lapso? Talvez não: «A sombra num oásis, que é a tradução do seu nome, acompanha-la» (ibidem, idem, p. 40).
      Então os pronomes enclíticos da terceira pessoa -lo, -la, -los, -las não se usam apenas quando o verbo termina em consoante (seja r, s ou z), que cai? Onde está a consoante final nas formas verbais irrita e acompanha?

[Post 3170]

«Liceu», um vocábulo perene

Lyceu Camões


      Relacionado com o que afirmei aqui, eis mais um exemplo de como as antigas designações teimam — mesmo na escrita de profissionais — em persistir. Há quantos anos não há liceus? Há tantos que os dicionários já tiveram tempo de se actualizar e registar que se trata de um vocábulo «antiquado» (como regista o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora). Pois vejam este exemplo: «Mas a onda que então começou ainda está longe de rebentar. Pedro [Feijó] é hoje presidente da Associação de Estudantes do Liceu Camões e não exclui dar mais um passo: conquistar um assento no Conselho Nacional de Educação, como representante de todos os alunos do Ensino Secundário» («Juventude inquieta», Christiana Martins, Única/Expresso, 30.1.2010, p. 38). E não pensem que foi caso único: ao longo da reportagem, a jornalista escreveu sempre «liceu».

[Post 3169]

Ortografia: «trotsquista»

Abaixo o capa!


      «O irmão de Christopher Hitchens chama-se Peter Hitchens e é um reaccionário-robô, sem imaginação ou esperança, que escreve estúpidas profecias apocalípticas no Daily Mail. Christopher é amaldiçoado pela esquerda trotsquista que o formou por ter ideias malquistas sobre as benquerenças ideológicas da esquerda sobre o Islão, o Irão e a invasão do Iraque» («Dois irmãos», Miguel Esteves Cardoso, Público, 21.2.2010, p. 33).
      É reconfortante ver Miguel Esteves Cardoso renunciar ao uso da letra capa. Temos tempo de usá-la quando adoptarmos o Acordo Ortográfico de 1990.

[Post 3168]

Léxico: «endoprótese»

Porquê?


      «O seu cardiologista, Allan Schwartz, afirmou que Clinton “está animado”, depois de ter sido submetido a uma intervenção na qual lhe forma introduzidas [sic] dois stents (tubos ou endopróteses) para abrir a artéria e manter o fluxo sanguíneo» («Clinton operado de novo com êxito», F. J. Gonçalves, Correio da Manhã, 13.2.2010, p. 34).
      Se os dicionários registam outras –teses, não sei porque ignoram esta, que é o nome que se dá à prótese colocada no interior do organismo, de modo geral para substituir definitivamente um segmento de osso, de vaso, uma válvula cardíaca, etc.

[Post 3167]

Léxico: «ortoréxico»

Comida correcta


      «Na verdade, não há povo que se preocupe mais com as consequências dos alimentos ao nível da saúde do que nós, os Americanos — e nenhum povo sofre mais de doenças relacionadas com a dieta alimentar. Estamos a tornar-nos numa nação de ortoréxicos: pessoas com uma obsessão doentia pela alimentação saudável» (Em Defesa da Comida, Michael Pollan. Tradução de Sónia Oliveira e revisão de Eda Lyra. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2009, p. 20).
      Não conhecia o vocábulo ortoréxico, o que não é muito de surpreender, pois, de acordo com uma nota de rodapé, o «termo foi usado pela primeira vez em 1996 pelo médico americano Steven Bratman», e não deve circular muito por aí. 


[Post 3166]

20.2.10

Léxico: «areola»

Mais um esquecimento


      «A retirada das referidas construções pode ter reduzido a impermeabilização num subsolo de areolas por onde se infiltram facilmente as águas das chuvas que rolam colina abaixo» («Infiltrações ameaçam lojas do Chiado», Carla Tomás, Expresso, 6.2.2010, p. 24).
      Nem todos os dicionários — a versão electrónica do Dicionário Houaiss e o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, por exemplo — registam o termo. Ficaram-se pela aréola. Segundo o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, areola é o «solo constituído por areia média e fina, silte e argila, em proporções variáveis, mas com predominância de areia fina e silte».

[Post 3165]

«Para o bem e para o mal»

A bem da língua


      «O director da empresa israelita de alta tecnologia Radcom, Adar Eyal, acredita que isto tem muito que ver com a falta de hierarquia reinante na sociedade israelita. “Quando levo estrangeiros a bases militares, ficam atónitos ao ver soldados e generais tratarem-se por tu e servindo-se café, sem distinção de patentes. Em muitos aspectos continuamos a ser uma espécie de kibbutz, para o bom e para o mau, e isso também se nota nas start ups”» («A terra prometida das tecnologias electrónicas», Henrique Cymerman, Expresso, 6.2.2010, p. 30).
      Então a expressão não é «para o bem e para o mal»? For better or for worse? E a famosa revisão do Expresso, onde estava?

[Post 3164]

«Girl Guides» e «Brownies»

Guidismo português


      O original falava em Girl Guides e Brownies, e o tradutor optou por deixar em inglês. A mim, contudo, não me pareceu uma dificuldade inultrapassável. No Reino Unido, o movimento escutista feminino nasceu por iniciativa de um grupo de raparigas que em 1909 se fardou como os rapazes e apareceu de surpresa numa concentração no Palácio de Cristal de Londres, organizada pelos escuteiros, proclamando-se raparigas escuteiras. Baden-Powell limitou-se a apadrinhar a iniciativa. Nasciam assim as Guias, que também estão em Portugal desde a década de 1920. No Reino Unido, as Brownies são guias que têm entre 7 e 10 anos. Em Portugal, às guias que têm entre 6 e 10 anos dá-se o nome de Avezinhas.

[Post 3163]

19.2.10

Anglicismos

Voltar a andar nos carris


      É do Brasil que costumam vir notícias mais caricatas sobre o uso de estrangeirismos. Desta vez, porém, não é de lá que nos chegam as notícias nem se trata da língua portuguesa. É a seriíssima Deutsche Bahn, a companhia de caminhos-de-ferro alemã, que anunciou, em resposta às críticas de que era alvo, que vai deixar de usar tantos anglicismos na publicidade e nos diversos suportes que usa. Assim, para começar, vocábulos como hotline, flyer, counter serão substituídos, enquanto outros, como call-a-bike, por exemplo, serão explicados em alemão. Recentemente, o ministro dos Transportes alemão, Peter Ramsauer, já tinha proibido o recurso a anglicismos no ministério que dirige, e nomeadamente expressões como task force, travel management e inhouse meeting (leia aqui, caro Francisco). O exemplo a vir de cima. Estão fartos do Denglisch. Cá, achar-se-ia ridículo e objectar-se-ia que há assuntos mais importantes. E há...

[Post 3162]

«Senador», uma acepção esquecida

Melhores dicionários


      «Eu tenho a certeza de que António Vitorino, que é um senador, um pai da pátria no Partido Socialista e no país, com a minha modesta ajuda de senador no Partido Social Democrata, nós, em conjunto, consigamos convencer as lideranças dos dois partidos, e sobretudo explicar à opinião pública portuguesa a importância da convergência num momento em que, em Portugal, como em Espanha, a clivagem é a tentação mais sedutora», disse ontem Marcelo Rebelo de Sousa, durante um «almoço-colóquio», na Câmara Hispano-Portuguesa (CHP), em Madrid.
      Senadores... Com a Constituição de 1838, que instituiu um sistema bicameralista, é que havia uma Câmara de Senadores, que era electiva e temporária. Senador era cada um dos membros desta câmara, que foi extinta em 1842. Os senadores tinham herdado as competências da Câmara dos Pares. Era obrigatório o seu parecer para aprovação de iniciativas legislativas e constituiu-se também como Tribunal de Justiça. A relevância da função é notória, e é o prestígio associado ao cargo que se pretende exprimir quando se usa, em sentido figurado — que nenhum dicionário atesta —, o termo senador. Não raramente, os meios de comunicação social usam o termo para referir, por exemplo, o ex-presidente da República Mário Soares.
      Vamos redigir, em conjunto, uma definição e oferecê-la às editoras de dicionários?

[Post 3161]


Actualização em 11.3.2010

      Com aspas ou sem aspas e sem estar dicionarizado, o vocábulo continua a ser usado: «O PSD avançou ontem com alguém que designou como “senador da República” para presidente da comissão parlamentar de inquérito (CPI) ao caso “Sócrates/PT/TVI”» («‘Senador’ Mota Amaral preside à CPI sobre caso ‘PT/TVI’», JPH, Diário de Notícias, 11.3.2010, p. 3).

18.2.10

Falsos cognatos

É o progresso


      Em parte, o adjectivo inglês progressive é um falso cognato do adjectivo português progressivo. Assim, se em inglês se pode dizer progressive school, a tradução será escola progressista e não escola progressiva. Os tradutores — alguns e por vezes — esquecem-se disto. Alguém tem de reparar. Progressivo é, tão-somente, o que faz progressos; que avança gradualmente; que segue uma progressão. Eu sei: os dicionários bilingues editados em Portugal não ajudam muito.

[Post 3160]

«Lesão expansiva»

O desmazelo expande-se


      «Sara Tavares cancelou os seus concertos até Maio devido a um problema de saúde. A cantora foi operada, na semana passada, “a uma lesão expansiva no cérebro”, informa, em comunicado, a agência da artista, que acrescenta que Sara Tavares “já se encontra em casa e a recuperar bem”» («Sara Tavares foi operada», P2/Público, 18.2.2010, p. 15).
      Das duas, uma: ou o jornalista não citava o comunicado, ou procurava saber, e informava os leitores, o que é uma lesão expansiva. Trate-se de jargão médico ou eufemismo, os leitores têm direito a saber. Aposto que algum leitor do Assim Mesmo saberá explicar do que se trata.

[Post 3159]

Itálico e «moto-serra»

Coisas novas e coisas velhas


      «A antiga Rol — como é conhecida nas Caldas da Rainha, há 50 anos — está a produzir para os seus mercados habituais (Europa, Estados Unidos e Brasil) cerca de 80 por cento da produção. O maior cliente é alemão. A BSH Bosch und Siemens Hausgerate incorpora rolamentos made in Portugal nos seus electrodomésticos (desde máquinas de lavar a secadores de cabelo), bombas de água e moto-serras» («Fábrica das Caldas passa de regime de lay-off para novos recordes de produção», Carlos Cipriano, Público, 18.2.2010, p. 19).
      Duas questões diferentes. Primeira: porque é que grafam o nome da empresa alemã em itálico? Por ser um nome estrangeiro? Ridículo! Na página anterior, num artigo intitulado «Argentina reforça controlo de barcos para as Malvinas», escreveram Foreign Office e não grafaram em itálico. «A resposta britânica a esta decisão surgiu através de um comunicado do Foreign Office, em que é referido que “as regras em vigor nas águas territoriais argentinas são da competência das autoridades argentinas”, mas “isso não afecta as águas territoriais das ilhas Falkland, que são controladas pelas autoridades da ilha”.» Esta é, valha a verdade, uma tontice a que são atreitas algumas editoras de livros. Segunda: se há quem defenda o uso do hífen com o pseudoprefixo moto-, nunca vi a forma usada, moto-serra, atestada num dicionário.

[Post 3158]

«Interrogação policial»

Imagem do Diário de Notícias

Curioso


      «O antigo apresentador de rádio e televisão britânico Ray Gosling foi ontem detido para interrogação após ter confessado, num programa televisivo, que pôs fim à vida de um amante que estava doente com sida em estado terminal» («Apresentador britânico detido após dizer que matou um amante em estado terminal», Maria João Guimarães, Público, 18.2.2010, p. 16).
      É verdade que interrogação também significa interrogatório, mas nunca tinha visto o vocábulo ser usado nesta acepção. E, no caso, não há-de dever nada ao inglês, pois a imprensa britânica usou para interrogatório a palavra questioning.

[Post 3157]

«Tragédia humana»

Muito bem


      Não são só erros e disparates: alguns jornalistas começam a usar o adjectivo humanitário, de que já aqui falei, com propriedade: «O fundador e presidente da Assistência Médica Internacional (AMI), o médico Fernando Nobre, está na corrida a Belém, foi ontem confirmado. Amanhã, este homem habituado a palmilhar cenários de tragédia humana em dezenas de países estrangeiros vai explicar em detalhe por que razão quer ser Presidente da República e com que apoios conta — o anúncio oficial da candidatura está marcado para as 20h, no auditório do Padrão dos Descobrimentos» («Líder da Assistência Médica Internacional quer ser Presidente da República», Alexandra Campos, Público, 18.2.2010, p. 8).
      É verdade: o adjectivo «estrangeiros» está ali a mais.

[Post 3156]

17.2.10

Sobre/sob

Sobre erros


      Nunca li um relatório escrito por um detective privado. Na verdade, só uma vez, a pedido de um amigo, falei com um detective. E a impressão não foi a melhor. Hoje, um amigo pediu-me que o ajudasse a escolher um detective que lhe tratasse de um caso. Recorri a conhecimentos e à Internet. No sítio do detective Correia, que se diz fundador da Associação Nacional de Detectives Privados (ANDEPIP), lê-se que faz o «levantamento de bens penhoráveis e sobre hipoteca». Vendo bem, é melhor nunca ler nenhum relatório escrito por um detective.

[Post 3155]

Léxico: «cenarização»

Coisas dos políticos


      «“José Sócrates tem todas as condições internas e plena legitimidade eleitoral para exercer as funções que exerce. Não se justifica, por isso, essa cenarização.” Confrontado pelo i com a possibilidade de substituir José Sócrates no governo e no partido, António Costa, o número dois do PS, exclui-a liminarmente» («Se Sócrates se demitir, António Costa aponta para Teixeira dos Santos e Gama», Ana Sá Lopes, i, 13.2.210, p. 22).
      Os dicionários não registam a palavra cenarização, mas ela faz falta — pelo menos a quem vive de construir cenários, os conjuntos de elementos visuais que compõem o espaço onde se apresenta um espectáculo teatral, cinematográfico, televisivo, etc., não, como se diz em sentido figurado (e que talvez apenas o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa registe), os desenvolvimentos programados ou previstos de uma acção.

[Post 3154]

Sobre «arrasto»

Jamais


      Acho que só se fosse pescador, e certo tipo de pescador, é que usaria a palavra arrasto. Este derivado regressivo do verbo arrastar soa-me mal. Mas já vi que alguns políticos o usam, alguns até na escrita: «Por arrasto, a TTT (Terceira Travessia do Tejo) em ferrovia […]» (Mudar, Pedro Passos Coelho. Lisboa: Quetzal, 2010, revisão de Pedro Ernesto Ferreira, p. 164). A locução por arrasto, que o Dicionário Houaiss (ó vergonha!) não regista, significa como consequência.

[Post 3153]

Actualização em 9.4.2010

      De vez em quando, aparece: «A Skoda fez um “restyling” de um dos seus modelos mais carismáticos, o Fabia. Por arrasto, o Roomster recebeu igualmente a nova assinatura do fabricante checo estreada com o topo de gama Superb» («Skoda. Fabia e Roomster melhoram visual», Paulo Moutinho, Jornal de Negócios, 9.4.2010, p. 26).

Colocação pronominal

 Língua de estalo


      Na emissão de hoje do programa Antena Aberta, o fórum da Antena 1, um participante, engenheiro civil, dizia: «Deixa está-lo, porque ele rouba mas faz alguma coisa.» Teoricamente, nas locuções verbais de auxiliar + infinitivo, as possibilidades de colocação dos pronomes átonos não excluem a ênclise ao verbo principal. Contudo, por razões de eufonia, será melhor, pelo menos neste caso concreto, escrever e dizer: «Deixa-o estar.»


[Post 3152]

Escola primária

Vamos ver


      Irão passar-se anos até deixar de se dizer (se é que não se retoma, no futuro, a designação) escola primária. Na edição do último fim-de-semana do i, lia-se numa legenda da reportagem de Kátia Catulo sobre a alimentação nas escolas: «Miguel Rocha, 6 anos, Escola Primária de Gervide, Gaia» («Problema está em casa. Os papás têm de comer a sopa até ao fim», p. 34).

[Post 3151]

«Catequese» e «escola dominical» II

Já vi


      Vai fazer um ano quando aqui escrevi que nas traduções nunca vira a locução Sunday School traduzida de outra forma que não «catequese», assim como Sunday school teacher por «catequista». Bem, isso mudou: agora já vi, e o tradutor é reputadíssimo. Elas «were Presbyterians and went to Sunday School» foi vertido para «eram presbiterianas e iam à escola dominical». O objectivo é preservar a diferenciação em português, pois a catequese é habitualmente conhecida nos países anglo-saxónicos como Catechism class.

[Post 3150]

16.2.10

«Advanced level (A-level)»

E neste caso?


      A propósito do ensino britânico, estou a ler o livro Jeff em Veneza, Morte em Varanasi, de Jeff Dyer (Porto: Civilização Editora, 2010, tradução de Maria João Andrade), e, na página 16, leio uma nota de rodapé que diz: «Advanced level (A-level), instaurado em 1951, é o nome de um grupo de graus académicos por que passam as estudantes da Inglaterra, do País de Gales e da Irlanda do Norte no final do ensino Secundário. (N. da R.)» Tal como no caso da junior school (sim, Francisco, também acho que escola primária é a melhor tradução), também aqui a correspondência não é perfeita. Contudo, acho discutível a explicação desta nota de rodapé (e nem me refiro, naturalmente, ao facto de nela se afirmar que são as estudantes que «passam» pelos graus académicos). Tratar-se-á mesmo de graus académicos?

[Post 3149]

Tradução: «junior school»

Como deve ser?


      Trata-se de saber como traduzir a locução inglesa junior school. A história é ambientada na Escócia da década de 1930. O tradutor optou por escola elementar. Já tenho visto traduzido por escola preparatória. Alguém sugere agora escola básica. Duas objecções em relação a esta última: na correspondência histórica, no Reino Unido havia junior schools e em Portugal, escolas primárias. Segunda: a escola básica integra três ciclos, e a antiga escola primária corresponde agora apenas ao primeiro ciclo.
      Só como curiosidade: vejo que agora no Reino Unido há primary schools. «As escolas inglesas enfrentam a maior entrada de crianças na escola primária da última década. A culpa é da crise e do baby boom de há 5, 6 anos. As escolas públicas enfrentam agora o desafio de criar mais turmas para fazer face à entrada dos novos alunos. Apesar das medidas de alargamento do número de turmas, o jornal Guardian avança que as escolas podem não conseguir dar resposta. Além do baby boom, a procura pelas escolas públicas explica-se pela crise que levou muitos pais a desistir dos colégios privados e a optar pelo ensino público. A escola de Kingston, por exemplo está a preparar para o próximo ano lectivo mais 4 turmas novas, um crescimento na ordem dos 28% em apenas dois anos» («Baby boom e crise enchem escolas primárias na Inglaterra», i, 25.1.2010).
      Como podem ver, a hiperligação é para um texto do Guardian com o título «State primary schools face biggest influx of pupils in a decade».

[Post 3148]

Elemento de composição supra-

Supra-sensível


      «O porta-voz do Exército explicou que o inquérito aberto pela PJ Militar visa apurar as causas em que aconteceu o incidente e descobrir o que falhou na altura de verificar se a câmara da pistola ainda tinha munições. “A ocorrência é estranha e anormal, mas tudo indica que seja acidental. Ainda assim, é importante que a situação seja averiguada por uma instituição independente e supra Exército como é a Polícia Judiciária Militar.”» («Polícia Judiciária Militar investiga morte de cadete», Romana Borja-Santos, Público, 16.2.2010, p. 6).
      Mesmo num dicionário como o Houaiss, supra aparece apenas como advérbio a significar acima, «usado para indicar trecho da mesma página, mais acima, ou de página(s) anterior(es)». Supra- é um elemento de formação de palavras e liga-se por hífen ao elemento seguinte quando este começa por vogal, h, r ou s. Logo, supra-Exército. Por outro lado, que é isso de o inquérito visar «apurar as causas em que aconteceu o incidente e descobrir o que falhou»?

[Post 3147]

Léxico: «samo»

Outra lacuna


      Na Praça da Alegria, na RTP 1, esteve hoje representada a Confraria Gastronómica do Bacalhau, com sede na Capital do Bacalhau, Ílhavo. Entre as várias especialidades, os confrades (e a indumentária e os títulos, grão-mestre, vice-grão-mestre, mestre chanceler, mestre cerimonial, mestre ecónomo e mestre conselheiro, fazem-me sempre rir) levaram uma feijoada de samos. Sónia Araújo quis saber do que se tratava. Um dos confrades disse que era uma membrana do bacalhau. Outro corrigiu: é a bexiga-natatória (órgão existente em alguns peixes que contém gases e regula a sua subida e descida na água e ainda, em alguns deles, auxilia a respiração) do bacalhau. Tal como ontem perguntei em relação a «melário», pergunto hoje em relação a samo (ou same, como vejo numa pesquisa na Internet): e que dicionário regista o vocábulo? Nenhum.

[Post 3146]

Sobre «bidão»

Sempre atrasados


      «Se há coisa que nos lembramos desse dia, além da lição magistral dada pelo norte-americano — não foi por acaso que a 17.ª etapa da 93.ª edição da Grande Boucle foi considerada por muitos como um dos momentos altos da era moderna do ciclismo —, é da quantidade indescritível de água que o fugitivo bebeu. Será difícil encontrar uma imagem do dia em que Landis não tenha um bidão ou uma garrafa de água na mão» («Floyd Landis, o batoteiro também é hacker», Ana Marques Gonçalves, Público, 16.2.2010, p. 28).
      Pois é, mas os dicionaristas não têm dúvidas: bidão é a vasilha metálica, em regra cilíndrica, de grande capacidade. Mudamos o verbete ou a realidade?

[Post 3145]

Acordo Ortográfico

Primeira defecção?


      «Contrariamente ao que se escreveu entre nós sobre a nova Constituição angolana, nem o Presidente da República deixou de ser eleito diretamente nem a democracia ficou defunta naquele País. Todavia, a Constituição concentra tantos poderes nas mãos do Presidente, que o regime nela estabelecido só pode qualificar-se como superpresidencialismo, com os riscos que isso comporta.» Este é o primeiro parágrafo da crónica de Vital Moreira no Público de 9 do corrente.
      «Entre os aspectos basilares do Estado de Direito contam-se inegavelmente a inviolabilidade das comunicações privadas e o respeito da independência e autoridade dos tribunais. Apesar de constitucionalmente protegidos, ambos, porém, estão em causa entre nós neste momento, mercê da irresponsabilidade e impunidade dos media.» Este é o primeiro parágrafo da crónica de Vital Moreira no Público de hoje.
      O que se passou entre uma semana e outra, entre uma crónica e outra? Talvez nada de especial, talvez se tenha simplesmente esquecido de clicar no botão Converter para do FLIP. Mas há mais diferenças: na crónica da semana passada, assinava o texto como deputado ao Parlamento Europeu pelo Partido Socialista. Na crónica de hoje, identifica-se como professor universitário e deputado ao Parlamento Europeu pelo Partido Socialista. É Carnaval, ninguém leva a mal. Para a semana falamos.

[Post 3144]

15.2.10

Confusões: «extracto» e «estrato» II

Substância extraída de outra


      O jornal i propôs-se, através de um texto do jornalista Luís Leal Miranda, dizer-nos «Tudo o que precisa de saber sobre Tchekov em 5 minutos». Se o leitor fica a conhecer mais sobre este autor russo, também corre o risco de desaprender alguma coisa sobre a língua portuguesa. Leiam: «A profissão de médico foi o ganha-pão do escritor durante toda a sua vida. Nem quando as suas peças eram aplaudidas pela Rússia Tchekov deixou de exercer. A profissão permitiu-lhe viajar e conhecer gente de vários extractos sociais, que o ajudaria a compor personagens. Esta formação não o impediu, no entanto, de sucumbir à tuberculose, a mesma doença que lhe levara o irmão» (28.1.2010, p. 42). Nada de novo, para nem por isso menos lamentável, esta confusão entre extracto e estrato.

[Post 3143]

Tradução: «nobody»

Ninguém e toda a gente


      O original dizia que era «a nobody whom everybody could blame». Um ninguém? Um zé-ninguém? Pois é, podia ser, mas a coisinha insignificante era uma rapariga. E depois? Pode ser um ninguém. O tradutor foi criativo: «uma maria-ninguém que toda a gente podia censurar». Já conhecíamos maria-mijona, maria-rapaz, maria-vai-com-as-outras...

[Post 3142]

Como se escreve nos jornais

Tomem sentido


      Enquanto os apicultores fazem a língua, os jornalistas desfazem-na: «O Marítimo teve o jogo nas mãos, mas a equipa de Domingos Paciência somou mais três pontos e voltou a colocar o Benfica em sentido» («Vitória do Sporting de Braga com um golo que vai dar que falar», Luís Octávio Costa, Público, 15.2.2010, p. 24).

[Post 3141]

Léxico: «melário»



Menos uma


      Na Praça da Alegria, na RTP 1, esteve hoje representada a Associação dos Apicultores de Terras do Antuã. Entre os vários objectos e produtos que levaram, estavam várias colmeias, em corte e inteiras — e melários, os quadros onde as abelhas depositam o mel. E que dicionário regista o vocábulo? Nenhum.

[Post 3140]

14.2.10

Definição de «batata»

No entanto...


      «“Vocês sabem o que é isto?”, pergunta Jamie aos alunos de Huntington sentados no refeitório, apontando para um cacho de tomates vermelhos. “São batatas!”, respondem as crianças em uníssono. Mas não são só as crianças que desconhecem os ingredientes daquilo que comem. A responsável da escola desmentiu que os alunos não tivessem acesso a vegetais, alegando que estes comiam batatas todos os dias. Fritas, claro» («Jamie Oliver quer levar a revolução aos Estados Unidos», Rita Siza, Público, 14.2.2010, p. 17).
      Decerto que batatas não são pedras, mas quando se fala de vegetais, verdura ou hortaliça, não me vem à mente batata. Nem frita nem cozida nem crua.

[Post 3139]

«Caderno de encargos»

Chega


      «Todos reconhecem, no entanto, que o caderno de encargos de Michelle Obama é difícil de cumprir: a alimentação “saudável” é mais cara do que o fast food e legumes ou fruta fresca são simplesmente inacessíveis para uma parcela da população» («Michelle Obama pretende acabar com obesidade infantil numa geração», Rita Siza, Público, 14.2.2010, p. 16).
      Ultimamente, parece que alguns jornalistas ingurgitaram um engenheiro civil. Que palermice é esta agora do «caderno de encargos»? Não há outras formas, mais claras, adequadas e bonitas, de dizer o mesmo? Vá lá, esforcem-se um pouco, andamos há muitos anos a pagar.

[Post 3138]

Sigla e acrónimo

Público e notório


      «TALGO são as siglas de Tren Articulado Ligero Goicoechea Orial. Goicoechea foi o engenheiro que nos anos 40 do século passado inventou este comboio articulado, onde as carruagens não assentam directamente nos rodados, e Orial o sócio capitalista que com ele formou uma sociedade» («Centenário Sud Expresso vai ser um moderno comboio-hotel a partir de 1 de Março», Carlos Cipriano, Público, 14.2.2010, p. 10).
      Dois reparos: mesmo que TALGO fosse uma sigla, que não é, porquê o plural? Então sigla não é o nome que se dá à sequência formada pelas letras ou sílabas iniciais de palavras que constituem uma expressão? Por coincidência, ainda ontem revi um texto em que o jornalista afirmava que «o Exército de Resistência do Senhor (LRA, nas siglas inglesas) sequestrou desde os inícios da década de 1990 pelo menos quarenta mil menores para os obrigar a combater nas suas fileiras». Quais siglas? Só vejo uma! Mas sigla, sim, ao contrário de TALGO, que é um acrónimo, isto é, uma sequência formada pelas letras ou sílabas iniciais de várias outras palavras e que não se pronuncia letra a letra, mas sim como uma palavra corrente. Tanto é assim que se vê comummente Talgo e não TALGO.

[Post 3137]

13.2.10

Sobre «víquingue»

Porcos e putativos


      «O acrónimo PIGS é um insulto inaceitável (mas que faz pena) por parte dos bárbaros viquinques [sic] do Norte sobre os pachorrentos bons vivants do Sul» («Há-de ir para os porcos», Miguel Esteves Cardoso, Público, 13.02.2010, p. 39).
      Alguns ignorantes pensarão que a Miguel Esteves Cardoso tudo fica bem. Só ele poderá usar, sem nos rirmos por isso, a palavra «viquingue». No meu caso, sempre embirrei com a palavra «viking». Ao menos os Espanhóis, a quem me habituei, desde tenra idade (eu era para ter nascido espanhol) a ouvir, dizem vikingo. No Ciberdúvidas (raios os partam) só se lembraram de dizer, mas isso, é verdade, já foi há dez anos, que o «Michaelis regista víquingue, “relativo aos Víquingues, navegadores escandinavos que pilhavam as povoações litorâneas da Europa, entre os séculos VIII e X”» e o «“Vocabulário da Língua Portuguesa” de Rebelo Gonçalves e os dicionários portugueses consultados não referem o termo». Ainda não tinha sido publicado o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa, que podia ser o melhor dicionário da língua portuguesa — mas alguém não quis ou não se esforçou e, de melhor, passou a putativo melhor. E agora fiquei escandalizadíssimo (e não devia, eu sei) porque este dicionário não regista viquingue nem víquingue. Entre aportuguesamentos legítimos e semiaportuguesamentos manhosos, esqueceu-se do que podia ser consensual. Não voltem.

[Post 3136]

Solicitadores e juristas

Sr. Agente


      «Mas os visados não estavam na sede e a funcionária contactada recusou-se, no entanto, a assinar a notificação. Durante várias horas, os dois juristas voltaram várias vezes às instalações do jornal, até que à sexta visita deixaram a notificação ao segurança do edifício» («Pelo menos duas providências cautelares tentaram impedir o Sol de publicar escutas», Mariana Oliveira com A. A. M., S. J. A. e A. M., Público, 12.2.2010, p. 3).
      E que juristas eram aqueles? Pois eram um solicitador de execução e uma advogada. Deve ter sido das escassíssimas vezes que vi um solicitador ser tratado por jurista. É-o? Bem, os dicionários dizem que jurista é a pessoa versada em leis e que, no exercício da sua profissão, dá pareceres sobre questões jurídicas. Mas não nos podemos cingir ao que dizem os dicionários gerais, naturalmente. Por alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de Novembro, art. 5.º n.º 1), passaram a ser designados por agentes de execução. Estes profissionais não actuam como mandatários das partes, e, se bem que só possam exercer as funções de agente de execução solicitadores e advogados que tenham concluído, com aproveitamento, o estágio de agente de execução, entre outros requisitos formais, no desempenho da função de agentes de execução não dão pareceres sobre questões jurídicas. Leandro Siopa, solicitador nas comarcas da Marinha Grande, Pombal e Leiria, tem um blogue com o título Solicitador — jurista de proximidade.
      Não chego, é claro, a dizer, como, a propósito da tradução de termos relacionados com as profissões jurídicas inglesas (solicitor, counsel, barrister), me disse recentemente uma figura pública, que os solicitadores «não passam de moços de recados dos advogados». Esta é, evidentemente, uma visão errada da realidade.

[Post 3135]

12.2.10

Plural e género de «pitão»

Cobras e lagartos


      «Na tarde de terça-feira, elementos da GNR do Núcleo de Protecção da Natureza e do Ambiente encontraram nas duas casas 39 cobras-do-milho, duas pitãos, que mediam entre os 20 e os 98 cm, e cinco dragões-barbudos» («GNR apanhou 46 cobras e lagartos sem documentos», Diário de Notícias, 11.2.2010, p. 21).
      Mas pitão não é do género masculino? Mas pitão não faz o plural em pitões? Para não haver confusões, não era melhor escrever píton/pítones (ou pítons)? No sítio do Jardim Zoológico de Lisboa, pode ler-se: «Os pitões têm dentição aglifa (dentes cónicos não-inoculadores de veneno).»

[Post 3134]

«Corta-fogo»

Antifogo


      «A existência de muretes (pequenos muros) corta-fogo pombalinos no topo do número 24 da Rua Nova do Almada, em cuja cobertura deflagrou na madrugada passada o incêndio que fez uma vítima mortal e deixou duas pessoas desalojadas, terá sido determinante para evitar a propagação das chamas aos edifícios contíguos» («Construção pombalina pode ter evitado nova tragédia no Chiado», Inês Boaventura, Público, 12.2.2010, p. 27).
      O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora não regista como invariável este adjectivo. O Dicionário Houaiss, por sua vez, sem o registar como tal, no exemplo que dá usa-o como invariável. No sítio do Colégio Santo Américo, em São Paulo, no Brasil, fundado por monges beneditinos húngaros, lê-se que correcta é a frase «Comprei duas portas corta-fogos». Já agora, em inglês diz-se fire-rated walls.

[Post 3133]

Actualização em 19.4.2010

      Por vezes, também se lê corta-incêndios: «Subi no elevador para o segundo andar, passei por duas portas corta-incêndios e percorri o longo corredor, cujo soalho polido rangia de forma familiar» (Expiação, Ian McEwan. Tradução de Maria do Carmo Figueira e revisão de Ana Isabel Silveira. Lisboa: Gradiva, 5.ª ed., 2008, p. 409).



Intimidar/intimar

Fazer entrar no espírito


      Enquanto Mário Crespo estava no Grémio Literário no lançamento do seu livro A Última Crónica, a sua cadeira na Sic Notícias era ocupada pelo jornalista Miguel Ribeiro. Quando entrevistou João Palmeiro, presidente da Associação Portuguesa de Imprensa, perguntou: «Acha que fazem bem os jornalistas não cederem a estas intimidações judiciais?» Referia-se, é claro, à providência cautelar interposta por Rui Pedro Soares, administrador da PT. Um jornalista confundir intimar com intimidar é lamentável. Intimar é tornar ciente com autoridade oficial; notificar. Intimidar é inspirar receio, medo ou temor a; amedrontar. Não há dúvida de que, com uma intimação, se consegue intimidar uma pessoa. Em latim, intĭmo,as,āvi,ātum,are é fazer algo penetrar. Só em sentido figurado é que significa fazer algo (uma ordem) penetrar no espírito de outrem; interpelar; notificar. É disso que estes jornalistas precisam: que alguém lhes faça penetrar na mente a diferença.

[Post 3132]

11.2.10

Sobre Wrens

Às ordens


      «[…] quando, um ano depois do início da Segunda Guerra Mundial, ingressou nas Wrens […]».
      Popularmente, e até oficialmente, conhecido como Wrens, sim, mas a partir do acrónimo de Women’s Royal Naval Service. Era o ramo feminino da Marinha Real britânica. Se designa uma entidade, um organismo, não tem de ser grafado em itálico.

[Post 3131]

«Irrecomendável» e «sobreendividamento»

Outros fretes


      «Noticiou a edição de ontem do Diário Económico que o acrónimo “PIGS”, composto pelas iniciais de Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha e utilizado pelos mercados internacionais para designar os países com tradições irrecomendáveis de défices elevados, sobrendividamento e altos índices de desemprego, viu nascer um irmão gémeo» («Porcos e estúpidos», José Luís Seixas, Destak, 10.2.2010, p. 19).
      Embora ainda não conste dos dicionários (mas a edição Primavera-Verão, perdão, de 2011, do Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora parece que vai incluí-lo), é sobreendividamento a grafia correcta, com dois ee. (Claro que a revisora não pode mexer numa vírgula do texto do Sr. Dr., que pode ofender-se.) Irrecomendável também não consta dos dicionários, nem é preciso para ser usado.

[Post 3130]

Como se escreve nos jornais

Fretes


      Como todos os empregados e funcionários, os jornalistas têm de cumprir as tarefas de que os incumbem. Por vezes, escrevem sobre temas que não dominam nem apreciam. Na edição de ontem do Destak, Margarida Caetano escreveu, a propósito do Dia dos Namorados, um texto com o título «Descubra os seis melhores afrodisíacos do mundo». Xarope de sangue de cobra, espetadas de baiacu, crocantes de formiga culona... Quando chegou ao suco da mosca espanhola (Cantharis vesicatoria, cantárida), já celebrado por Júlio César e pelo marquês de Sade, afirmou que só se recomendam as «versões» destiladas e que se podia encontrar na «Europa, em qualquer bom boticário». Dito assim, acho que é mais fácil encontrarmos uma mosca espanhola do que um boticário...

[Post 3129]

Pleonasmo

Cuidado


      Claro que há pleonasmos e pleonasmos. «Apenas uma coisa foi alterada: viu-se obrigado a deixar escapar uma “fuga” de informação sobre a sua corrida à liderança do partido. “Eu disse a toda a comunicação social que só falaria sobre esta matéria na sexta-feira e eu tenho esse terrível hábito: eu cumpro sempre o que digo, eu cumpro a minha palavra”, declarou [José Pedro Aguiar-Branco], à saída do Parlamento, numa crítica, indirecta e azeda, ao avanço de Rangel» («Aguiar-Branco não recua mas altera estratégia de candidatura ao PSD», Filomena Fontes, Luciano Alvarez e Nuno Simas, Público, 11.2.2010, p. 9).
      Não bastava terem escrito «deixar escapar informação»?

[Post 3128]

«Solução de continuidade»

Críticos mas justos


      Na emissão de ontem do programa Directo ao Assunto, na RTPN, Emídio Rangel, que defende o Governo e Sócrates como ninguém (nem os socialistas) no País, ainda teve tempo de elogiar o discurso em que Paulo Rangel anunciou a candidatura à liderança do PSD. Pois a mim não me pareceu nada de memorável, bem pelo contrário. Com os adjectivos, previsíveis e bem-comportadinhos, a ampararem, simples ou aos pares, os substantivos, parecia uma composição das alunas da minha mulher — que têm 10 anos!
      Para ser justo, porém, ilibo-o da acusação de ontem: afinal, caro Francisco, o homem conhecerá a definição de solução de continuidade, que, de resto, nem sequer usou. Veja-se: «Só há um candidato no terreno e eu já tinha dito que não o apoiava. A solução que ele [Pedro Passos Coelho] apresenta é de continuidade, apesar de ter usado no seu livro o título “mudar”» («“A ruptura de que o país precisa é libertar o futuro”», Leonete Botelho, Público, 11.2.2010, p. 8).

[Post 3127]

10.2.10

Verbo «reaver»

Vergonha


      Não, cara Maria Luísa, não estamos de acordo: veja por aí se não encontra, em vez da correcta forma reouve, a errada *reaveu. Em acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, em jornais, em páginas da Internet de organismos oficiais, em blogues... A terceira pessoa do singular do pretérito perfeito do verbo reaver é reouve. O verbo reaver é formado de haver (re + haver). Reaver, nunca é inútil lembrá-lo, é um verbo defectivo, só se conjuga nas formas que conservam o v do radical. E pensar que quem escreve assim pode andar por aí a debitar opiniões sobre o Acordo Ortográfico de 1990...

[Post 3126]

Ortografia: «subcontinente»

Subcategoria


      «Desta forma, as únicas regiões que podiam, de forma plena, fazer parte do “sistema” de Bretton Woods eram os Estados Unidos e o Canadá, a Europa não comunista, a Australásia, o Japão, a América Latina e (após 1947) o sub-continente indiano» (O Parlamento do Homem: História das Nações Unidas, Paul Kennedy. Tradução de Artur Sousa/CEQO e revisão de Luís Abel Ferreira. Lisboa: Edições 70, 2009, p. 140).
      É absolutamente incrível como tantos tradutores e revisores — revisores, meu Deus! — são avessos a consultarem dicionários e prontuários. Se estes o tivessem feito, teriam ficado a saber que o elemento de formação de palavras sub- só se liga por hífen ao elemento seguinte quando este começa por b, h ou r. E nunca é um caso isolado: «O Ocidente podia estar agora a dar-lhes as boas-vindas ao clube, por vezes, contudo, com condescendência e auto-comprazimento, e esquecendo-se demasiado rapidamente dos danos que tinham sido causados» (ibidem, idem, p. 144). Não digo que as consequências sejam tão graves como as de um erro médico, mas, caramba, não são profissionais?

[Post 3125]

Sobre «crítico»

Decisivo


      «Para Zorrinho, o carro eléctrico é “crítico” para dar sustentabilidade económica e social ao investimento feito em energias renováveis» («Carro eléctrico não precisa de mais energia mas de redes inteligentes», Lurdes Ferreira, Público, 10.2.2010, p. 23).
      É impressão minha ou nenhum dicionário da língua portuguesa regista o adjectivo crítico na acepção — essencial, decisivo — usada na frase citada? E não são poucas as vezes que a acepção é usada, seja na oralidade, seja na escrita. Claro que a realidade vai sempre à frente dos dicionários. E a acepção não deverá nada ao inglês critical?

[Post 3124]

Desnutrição/malnutrição

Exprime oposição


      «Um homem foi ontem socorrido, em Port au Prince, depois de ter passado 27 dias debaixo dos escombros de um mercado. Os médicos confirmam que o homem apresentava sinais de extrema desidratação e malnutrição, embora tenha tido acesso a água ao longo destas quatro semanas, caso contrário os médicos garantem que teria morrido. O corpo humano não sobrevive mais de cinco dias sem ingerir líquidos» («Haitiano sobreviveu quase um mês debaixo dos escombros», Susana Almeida Ribeiro, Público, 10.2.2010, p. 18).
      Até pela proximidade do vocábulo desidratação, a malnutrição preferiria desnutrição, comummente considerado mais conforme com a língua portuguesa. O Dicionário Houaiss, por exemplo, se regista malnutrido, não regista malnutrição.
      Não percebo porque é que o jornal Público grafa o nome da capital do Haiti sem hífenes. Deve ser caso único na imprensa portuguesa.

[Post 3123]



Actualização no mesmo dia

      É sempre possível fazer melhor, costumo dizer — e pior: «Apesar de o Fascismo e o Comunismo terem obtido um forte apelo psicológico, ambas as ideologias floresceram no canteiro do desespero económico — desemprego, mal-nutrição, pobreza, maus cuidados de saúde e grandes desigualdades sociais» (O Parlamento do Homem: História das Nações Unidas, Paul Kennedy. Tradução de Artur Sousa/CEQO e revisão de Luís Abel Ferreira. Lisboa: Edições 70, 2009, p. 136).

Actualização no dia 11.2.2010

      Na edição de ontem do Metro, lia-se que «Muncie estava desidratado e desnutrido, mas sem ferimentos graves» («30 dias sob escombros, Metro, 10.2.2010, p. 9).

Sobre «corporação»

Anglicismo semântico


      «De facto, este avanço sujeitou-se a algumas condições e constrangimentos, pois as Nações Unidas nunca poderiam escapar ao paradoxo central a muitos organismos internacionais, ou seja, uma vez que esta Organização foi criada pelos Estados-membros, que funcionam como accionistas de uma corporação, só pode funcionar com eficiência quando recebe o apoio dos governos nacionais, principalmente daqueles que representam grandes potências» (O Parlamento do Homem: História das Nações Unidas, Paul Kennedy. Tradução de Artur Sousa/CEQO e revisão de Luís Abel Ferreira. Lisboa: Edições 70, 2009, p. 14).
      Apesar de relativa reabilitação do termo corporação, nem todos os dicionários gerais o registam na acepção de empresa. O Dicionário Houaiss, contudo, regista a acepção, por extensão de sentido, «empresa ou grupo de empresas de grande porte e de forte presença em um ou mais sectores». Reparem: «de grande porte». Não qualquer empresa. O vocábulo inglês corporation pode traduzir-se por empresa anónima ou apenas empresa, e corporative pode traduzir-se por empresarial. (E o Dicionário de Inglês-Português da Porto Editora, que regista como acepções de corporation, no âmbito do comércio, «sociedade, companhia», em relação a corporative regista somente «corporativo». Onde está a visão de conjunto?) Salvo melhor opinião, não me parece que precisemos da acepção.

[Post 3122]


Actualização em 11.2.2010

      É claro que, quando se trata da imagem empresarial, os empresários e os próprios jornalistas acham mais prestigiante «imagem corporativa»: «A Sonae investiu 700.000 euros para lançar a sua nova identidade corporativa, divulgada ontem no Porto. A IVITY foi a agência responsável» («Mudança corporativa», Metro, 11.2.2010, p. 9).