30.4.06

Gentílico: argelino

Imagem: http://www.stadiumguide.com/

Alegria no trabalho

O repórter da TSF presente no estádio Stamford Bridge, em Londres, estava radiante, esfuziante, eléctrico. A acompanhar os jogos do Chelsea, afirma, «há sempre pessoas de todas as variedades». Entrevista uma inglesa que veio de York, que pelos guinchos parece ser fã incondicional de José Mourinho. Mas esperem, o nosso repórter, também ele quase aos guinchos, encontrou alguém, no meio de tamanha «variedade», ainda mais fantástico. Ouçamo-lo: «Até aqui está um argeliano!» Isto é o que se pode designar, com toda a propriedade, variações sobre um erro: é relativamente comum dizer-se e escrever-se «algerino» e «algeriano», mas «argeliano» derrota todas as nossas esperanças de os jornalistas, cuja ferramenta de trabalho é a língua, respeitarem o português e os Portugueses, seus concidadãos.

29.4.06

Léxico: «odorifumante»


É uma coisa em forma de assim


      Não me vem nunca o agradável aroma de um cachimbo em plena laboração que não me lembre, num reflexo pavloviano, da exótica palavra «odorifumante». Somos feitos não de carne e osso, mas de palavras.
Odorifumante, adj. Que espalha fumo odorante.



Etimologia: tangerina

Imagem: http://www.iac.sp.gov.br/

Sumarentas


Quem não gosta de tangerinas? De uma forma geral, aliás, todos os Marroquinos são simpáticos. Agora a sério: já se lembra que o gentílico relativo a Tânger é tangerino? Pois o fruto designado tangerina tem tudo que ver com o caso. Inicialmente, esta variedade de laranja era apenas produzida no Norte de África, de onde era exportada para a Europa a partir do porto marroquino de Tânger. Por isso, de início ficou conhecida como «laranja tangerina», isto é, «tangerina» era então um adjectivo. Mais tarde, omitiu-se o vocábulo «laranja», bastando o gentílico para designar este belo citrino. O termo «tangerina» é, pois, um epónimo — vocábulo que surgiu a partir de um nome próprio. Também noutras línguas ocorreu a mesma evolução: em inglês, primeiro, tangerine orange, e depois apenas tangerine; em espanhol, primeiro, naranja tangerina, e depois somente tangerina.

28.4.06

Ortografia: «campainha»


Soam campainhas…

      
Quantas criancinhas não estarão agora a escrever incorrectamente a palavra «campainha», e tudo por causa do Público? Este também é um erro de acentuação comum, e por sorte consegui encontrar uma tira do Calvin & Hobbes para o mostrar. Ora, a palavra «campainha» não precisa de acento gráfico, pois a semivogal i, ao ser anasalada pelo dígrafo nh, é como que autonomizada, destacada como sílaba, desfazendo assim o ditongo. Nas mesmas circunstâncias, bainha, biscainho, Fontainhas, grainha, ladainha, Maçainhas, moinho, rainha, redemoinho, remoinho, tainha, ventoinha, etc. Não faço agora nenhum comentário ao «bora».

27.4.06

Léxico: gerlanda

Do Alentejo

A leitora Luísa Coelho diz-me que costumava, quando era pequena, ir visitar uma avó ao Alentejo e que em casa dessa avó havia «ressaltos ou prateleiras de alvenaria a três quartos da altura das paredes onde se punham vários objectos». «Ainda me recordo», diz, «de a minha avó lá ter garrafas de vidro transparente cheias de água colorida, para embelezar a cozinha.» Pergunta-me se conheço o nome que se dava a essas prateleiras. O Alentejo é grande, e poderá ter também outros nomes, mas creio que é gerlanda.

Sinónimos de exequível

O fusível

Caro Luís Costa: poder, pode, mas repare que «exequível» é o termo mais comum. Contudo, quando entender, pode cobrar a aposta, já que «factível» e mesmo «fazível» existem igualmente. Convenhamos que este último, «fazível», faz lembrar «fusível», sendo por isso de evitar. Pelo menos junto de electricistas.

Conjugação


Convites

Chegou-me por correio electrónico um convite para o lançamento de um site. Nem quero saber do que se trata, mas diz, como se pode ver na imagem: «Se fores ao RS plaza ou ao Remédio Santo bar e obteres um carimbo, quando chegares ao RS Klub ganhas 1 brinde e 1 bebida!» «Se fores e obteres»? Acham mesmo bem — e isto não é discriminação — porem o segurança, moldavo, a redigir o convite? Ah, não foi o segurança moldavo, foi a stripper russa? Pois não se nota a diferença!
«Fores» é a 2.ª pessoa do singular do futuro do conjuntivo. Logo, também a forma do verbo obter deverá estar conjugada no mesmo modo e tempo: obtiveres. Ora, obteres é uma forma do infinitivo pessoal. Se fores e obtiveres…

Cornaca, elefantário, naire

Da Índia

Um leitor pergunta-me se pode traduzir o inglês mahout por «elefantário». De facto, pode, mas não deve. «Elefantário» vem directamente do latim e significa condutor de elefantes. Mahout tem como étimo um vocábulo do sânscrito, que nós não temos. Mas temos o vocábulo «cornaca», do cingalês, que tem o mesmo significado. José Pedro Machado, em nota a este verbete, regista que os escritores portugueses antigos preferiam usar o termo «naire», do malaiala.
Coisas minhas: a palavra «elefantário» lembra-me «infantário», e esta, agora, traz-me sempre à memória a resposta de uma amiga minha à pergunta sobre como estava o filho. «Está no infantário?», pergunto. «No infectário, queres tu dizer.»

26.4.06

Pontuação

Se eu soubesse

Chamem-me superficial, se quiserem (mas que eu não ouça...), mas a verdade é que dificilmente compraria um livro que tivesse um erro logo no título. Por exemplo, o livro, da autoria da jornalista Judite de Sousa, Olá Mariana. Creio que é elementar o conhecimento de que a vírgula põe em relevo o vocativo, isolando-o: Olá, Mariana. Mariana, estuda! Mas, Mariana, nunca mais aprendes? Elementar, claro, mas é um dos erros mais frequentes em qualquer texto. Exemplifico com um título da revista Visão: «Adeus Jô, olá novelas» (n.º 682, 30.3.2006, p. 96). Deveria ter-se escrito: «Adeus, Jô, olá, novelas.»
Já que falo nisto, convém referir outro erro de pontuação muito comum, que é a falta de vírgula nos cognomes ou apodos: D. Manuel, o Venturoso; José Manuel, o Facadas; Sócrates, o Obliquário; Saddam, o Suíno (vulgo Satã Hussein). Por vezes ainda se vê, em vez de vírgula, hífen: Pedro-o-Cru, Catarina-a-Grande, mas acho completamente abstruso.

25.4.06

Léxico: biruta


É bom saber

A caminho dos montes Hermínios (este ano coroados de neve quase em Maio), vêem-se pela estrada dispositivos destinados a indicar a direcção e intensidade do vento, semelhantes ao da imagem. Já repararam? Têm o nome de biruta (do fr. biroute). Mais prosaicamente, também se lhes dá o nome de mangas de vento. Nas estradas estão habitualmente junto de viadutos e pontes, como é natural. Também se podem ver nos aeroportos, aeródromos, heliportos.

Léxico: «chulipa»

Imagem: http://www.swanagerailway.co.uk/

Olha o comboio!

    
     
Que as vigas transversais em que assentam os carris do caminho-de-ferro se chamam travessas, todos sabemos. Que essas travessas também têm o nome de dormentes, já menos gente saberá. Que, finalmente, aos dormentes se dá igualmente o nome de chulipas, poucos saberão. E porquê «chulipas», perguntam-me? É que em inglês as travessas têm o nome de sleeper. Por evolução fonética, temos chulipa. Ora diga lá em voz alta: sleeper → chulipa.

Léxico: mortodas

Barroco

Não se fala uma vez na palavra «barroco» que não se refira a sua etimologia. Desta vez, o Público adiantou-se: «Curiosamente o termo “barroco” é de origem portuguesa (significa pérola irregular) e começou por ser usado pontualmente em meados do século XVIII com uma conotação pejorativa, que incluía a noção de rebuscado, confuso e bizarro» («Mil Folhas», Cristina Fernandes, 15.4.2006, p. 18). É pena é nunca se referir — nem a propósito de música nem a propósito de nada — que os Europeus enganavam os povos africanos, dando-lhes em troca de bens preciosíssimos pérolas falsas, chamadas mortodas.

21.4.06

Etimologia: bispote

Imagem: http://www.porcelanamontesiao.com.br

Escatologias

Se não fossem as criancinhas (e como elas, as malandras!, gostam de vir mostrar às visitas a espiral fumegante que acabaram de esculpir), deixar-se-ia de usar o bacio → penico → doutor → vaso de noite → bacia da cama → travessa de ir à mesa → vasaréu → viasco → calhandro → caco → cabungo. Prefiro bispote. Sempre preferi por causa da etimologia — especulativa, imaginosa, sugerida por José Pedro Machado — que a dá como derivada do inglês pisspot. Não é genial? Deixo-lhes o presente…

Haplologia

Patinar nas sílabas


      Por muito que tente, não consigo pôr uma vizinha a dizer «estendal». Pelo menos com convicção. Diz sempre «estendedal». Eu bem lhe pergunto se acaso também diz «bondadoso», mas ela não compreende o meu argumento. Mas são palavras diferentes, contrapõe. Pois são, concordo, mas o fenómeno ― a haplologia, um caso particular de dissimilação ― que presidiu à sua formação é o mesmo: para evitar, por pouco eufónica, a sequência de duas sílabas semelhantes, elidiu-se uma delas, reduzindo-se a primeira. Veja: bondade + oso = bondadoso. Agora desculpe-me, é que são horas da Floribella, remata a conversa.

Outros exemplos de haplologia: formicida por formicicida; gratuidade por gratuitidade; idolatria por idololatria; idoso por idadoso; piedoso por piedadoso; saudoso por saudadoso; semínima por semimínima; tragicomédia por tragicocomédia e um extenso rol de designações de ciências, como mineralogia em vez de mineralologia. Viu bem, caro leitor: também o vocábulo «haplologia» poderia ter sido reduzido a «haplogia» — e só não foi porque é um termo, como se compreende, pouco usado. O grego haplo significa simples. Ora, só é necessário simplificar quando é muito utilizado.

20.4.06

Verbo pôr e seus derivados

Tudo coisas simples, pois…

Ontem, no Jornal da Noite, da SIC, podia ler-se em rodapé: «PSD acusa Governo de impôr “lei da rolha”.» Em segundos, a legenda piscou e desapareceu. Ainda tive esperança de que se tivessem dado conta do dislate, mas reapareceu igual e em todo o seu esplendor. Não bastava já porem-no de lado, preterindo-o a favor de meter. Quando é que aprendem que, no infinitivo, o verbo pôr é acentuado, porque se convencionou distingui-lo da preposição por, mas os derivados de pôr já não são marcados com acento? Antepor, apor, compor, contrapor, contrapropor, decompor, depor, descompor, dispor, entrepor, impor, indispor, interpor, justapor, opor, pospor, predispor, prepor, pressupor, propor, recompor, repor, sobpor, sobrepor, sotopor, subpor, supor, transpor, etc.
Sem pôr de lado que a culpa poderá ser do insersor de caracteres (do operador da máquina chamada insersor de caracteres, entenda-se), vamos lá pôr a mão na consciência: acham bem que digam tantos disparates, escrevam tão mal, e nem peçam desculpa? Vou pôr isto por miúdos: estão a contribuir activamente, dia a dia, para a iliteracia do povo. Estão a imbecilizar as massas. Estão a fazer de nós os cafres que alguns já dizem que somos. Pôr o dedo na ferida dói, não é?

Citação

Divisa ou desculpa?

«Todos somos muito ignorantes. O que acontece é que nem todos ignoramos as mesmas coisas.»
Einstein

Plural das siglas

Que lindo serviço!

Leio na edição de Março da revista Escola (n.º 205, p. 22), do Sindicato dos Professores da Grande Lisboa (SPGL): «Prolongamentos/ATL’s… Não podemos cruzar os braços!» Admitindo que o título é da responsabilidade da autora do texto (de qualquer modo, a ficha técnica apresenta Luísa Pereira, quem sabe se professora, como revisora), Jacinta Vital, professora do 1.º Ciclo, estamos mal. Que língua é esta, afinal? Nem o inglês, senhora professora, usa apóstrofo para a formação do plural das siglas. Em português, as siglas não têm plural. Ainda assim, se quiser usar o s, elimine o nefando apóstrofo. (Como faz a Visão: «Serão as OPAs assim tão hostis?», «Os salários das OPAs», Clara Teixeira, pp. 110-114, 30.4.2006.)
É triste comprovar como até o pior (ou será o melhor?) jornalista (ou será revisor?) do jornal 24 Horas escreve melhor do que alguns dos nossos professores! Veja-se:
«Tramados pelas OPA», 24 Horas, 12.4.2006, p. 19.
O Público também tem uma prática consistente de grafar correctamente as siglas:
«Com as duas OPA — lançadas pela Sonaecom (proprietária do Público) e pelo BCP —, defendem as organizações, sai prejudicado o interesse dos consumidores e dos trabalhadores», Público, 12.4.2006, p. 37.
«CMVM recusa leilão nas OPA da PT e do BCP», Anabela Campos, Público, 6.4.2006, p. 46.
O Correio da Manhã escreve igualmente de forma correcta:
«Francisco Louçã, Ana Drago, António Chora e Miguel Portas lideram a campanha do bloco sobre os negócios das OPA que estará, nas próximas duas semanas, em todos os distritos do País, refere um comunicado dos bloquistas», «Jornal de rua sobre as OPA», Correio da Manhã, 11.4.2006, p. 24.
«É certo que para quem estava habituado à opulência o contraste podia ser doloroso, mas o antigo presidente sérvio dormia numa cela muito parecida à de uma residência universitária de topo, onde podia ver televisão e ouvir CD de músicos da sua preferência, como Frank Sinatra», Correio da Manhã, 12.3.2006, p. 38.
E o Expresso:
«E as OPA continuam…», «Diário de uma OPA», Caderno Economia, 18.3.2006, p. 10.

19.4.06

Ortografia: «gérmen»

Nomes felizes


      Antes de os paparazzi me esquadrinharem o caixote do lixo à procura de segredos: confesso, costumo pôr gérmen de trigo na sopa. Que extravagância, hein? Na embalagem — e as embalagens e os seus dizeres têm-me motivado ao longo dos anos a escrever às empresas cartas que muito me divertem — pode ler-se: «germen de trigo». Mas atenção: a empresa chama-se Ignoramus (propriedade, quem sabe, de um poeta falhado ou de um latinista aposentado), e por isso está, antecipadamente, desculpada.
      Se não quiserem escrever a palavra com acento, não escrevam. Não escrevam a palavra, digo. Escrevam «germe». Se se optar por escrever «gérmen», tem de ter acento. As palavras graves ou paroxítonas, como se sabe, não são graficamente acentuadas, mas há excepções, e as palavras que terminam em n é uma delas. Alguns exemplos:
  • abdómen
    acúmen
    albúmen
    alúmen
    ámen
    cacúmen
    certâmen
    cerúmen
    ciclâmen
    cáften
    discrímen
    dólmen
    durâmen
    Éden
    espécimen
    flúmen
    forâmen
    glúten
    hífen
    hímen
    lactúmen
    ligâmen
    líquen
    lúmen
    lúmpen
    molímen
    númem
    pólen
    regímen
    rúmen
    santiámen
    sémen
    tentâmen
    tégmen
    velâmen

18.4.06

Iliteracias

Imagem: http://static.flickr.com/24/51620270_6d82c06921.jpg

Era bom que fosse anedota

Recepcionista num consultório médico:
— E o nome da rua para a factura?
— Rua Ary dos Santos.
A profissional, por assim dizer, escreve:
«Aridos Santos»
Esboço um sorriso de resignação, que ela vê.
— Está mal escrito, é?
— Falta o acento no a.
A profissional, por assim dizer, escreve:
«Áridos Santos»
— Assim está bem, apesar de a ordem canónica em português ser nome, adjectivo.
— Como!?

Léxico: magérrimo

Sempre a desaprender!

Almoçar tarde tem destas vantagens: ouvi na Antena 1, às 15.15, o Jogo da Língua. A publicidade que é feita ao programinha é abundante e louvaminheira: divertido, didáctico e por aí adiante. O jornalista, Augusto Fernandes, bem avisou: «Hoje o problema é mais difícil.» Minutos depois, lá veio o «desafio» do dia: «Qual é a forma do superlativo absoluto sintético do adjectivo magro?» Uns instantes de suspensão e lança as hipóteses:
«Magrito, maguérrimo ou magriço?»
Um ouvinte de Portimão, talvez também a almoçar tarde, arrisca: «Magrérrimo
É pena, pois claro: erraram o ouvinte e o jornalista. Fica para a próxima. É mesmo divertido, didáctico e por aí adiante. E paupérrimo.

Ortografia: Monsaraz

Imagem: http://de.wikipedia.org/wiki/Reguengos_de_Monsaraz


Arre!

Felizmente, a pronúncia incorrecta, e tão vulgar, do topónimo «Estremoz» não passa para a escrita. Já quanto a Reguengos de Monsaraz, estamos mal. Já várias vezes ouvi jornalistas na televisão e na rádio pronunciarem «Monsarraz», como se tivesse dois rr. Agora, passou mesmo para a escrita: «O Menir do Barrocal, o maior monumento pré-histórico existente no distrito de Évora, localizado em Reguengos de Monsarraz, está a ser estudado pela primeira vez» («Maior menir do distrito vai ser estudado», Diário de Notícias, 15.4.2006, p. 33).

Neologismo: «deslocalizar»


Vá para fora cá dentro


      Não me restam dúvidas sobre a utilidade do neologismo «deslocalizar». A globalização trouxe muita coisa, e esta é apenas mais uma. Usada com propriedade, é — passou a ser — legítimo português. O que já não me parece bem é usar-se, só por estar em voga, a torto e a direito. Vejamos, hoje, o torto: de manhã, a TSF anunciava que o «Governo vai deslocalizar os estabelecimentos prisionais de Lisboa, Coimbra e Pinheiro da Cruz». Eu sei, bom Deus, que nesta última prisão se faz um vinho que até já foi premiado, mas não exageremos, não se trata propriamente de uma unidade de produção. Acresce que, entrevistado o presidente da Câmara de Grândola, este afirmou que quer «deslocalizar» sim, mas para os limites do concelho. Não quererão, afinal, apenas «deslocalizar» Tróia mais para sul?

Relativo a…


Imagem:
http://www.baptisthealth.net/

Hã?


Uma conhecida minha ficou muito admirada quando lhe disse que alguém tinha lábio leporino. Riu-se (já sabem: a ignorância é sempre risonha) muito e só ao fim de uns bons minutos é que estava em condições de ouvir a explicação. É para ela este post.

Leporino, adj. Relativo à lebre.│Semelhante à lebre.│Pat. Fenda congénita de um dos lábios, vulgarmente o superior.

Falemos então de adjectivos relativos a

abutre → vulturino
águia → aquilino
andorinha → hirundino
aves de rapina → accipitrino
bode → hircino
burro → asinino
cabra → caprino
cão → canino
carneiro → arietino
cavalo → equino
cervo ou veado → cervino
cobra → anguino
corvo → corvino ou coraciano
crocodilo → crocodilino
elefante → elefantino
ganso ou pato → anserino
gato (felídeos) → felino
javali → javalino
leão → leonino
lebre → leporino
lobo → lupino
marta-zibelina → zibelino
pombo ou rola → turturino
porco → porcino ou suíno
raposa → vulpino ou raposino
rato → murino
touro → taurino
urso → ursino
víbora → viperino
zebra → zebrino

Ortografia: «crude»

Crudelíssima língua

Seguindo a lição do Dicionário da Academia, o Diário de Notícias escreve sempre «crude» como se de uma palavra portuguesa se tratasse:
«A petrolífera, que é uma das dez maiores a nível mundial, colocou a tónica nos preços dos produtos refinados e na alta do crude, embora tenha frisado que “o preço do petróleo tem um reflexo mais indirecto nestas subidas”» […] «António Saleiro, presidente da Associação de Revendedores da Petrogal, disse que as subidas não se devem apenas à alta do crude ou ao imposto — que fez os preços aumentarem em Janeiro», «Gasolina atinge o preço mais alto de sempre», Diana Mendes, 14.4.2006, p. 23.
O Público, por sua vez, não está convencido e grafa-o como estrangeirismo:
«Por exemplo, em termos reais, os preços actuais do crude estão ao nível de 1981, quando o petróleo disparou devido à guerra Irão-Iraque» […] «A escalada do preço do petróleo é muito penalizadora para Portugal, uma vez que 62 por cento da energia consumida no país é produzida através de crude importado», «Petróleo e metais disparam nos mercados internacionais», Anabela Campos e Tiago Trovão, 12.4.2006, p. 34.
A verdade é que a palavra é inglesa: crude, de crude oil. (do lat. crudus) Designa o que não está refinado, o que é imperfeito, bruto, rude. É vulgar ver-se na imprensa a expressão «petróleo em bruto» ou «petróleo bruto» para designar o mesmo — e mais correctamente. Creio que, neste caso, a pronúncia semelhante em ambas as línguas muito contribuiu para alguns a acharem portuguesa ou facilmente apropriável.

17.4.06

Pronúncia

Imagem: http://www.maniadeintimidade.blogger.com.br/galinhas.jpg

Cacarejos

Alguns leitores deste blogue têm a amabilidade de me chamar a atenção para determinados factos. Nas últimas semanas, as mensagens incidem na forma como o professor Marcelo Rebelo de Sousa, no programa que tem na RTP1, pronuncia o vocábulo «senhor». Um leitor escreve-me que dizer «xô» em vez de «senhor» é, «modismos à parte», um «arremedo da pronúncia correcta». «O “xô” Blair para aqui, o “xô” Bush para ali.» Que posso eu dizer? Pois

, interj. Voz que serve para enxotar galinhas ou outras aves.

Ortografia: tâmil/tâmiles

DN, o Relapso


      No Diário de Notícias (14.4.2006, p. 36) ainda não sabem escrever «tâmil»: «Em 2000, Rajkumar [actor indiano muito popular, falecido na quarta-feira passada, 12] e três familiares seus foram raptados pelo bandido e activista tamil Veerepan.» A palavra «tâmil» é grave e tem na sílaba tónica um acento circunflexo.


Léxico: «dramaturgista»

Profissão inexistente?


      «Uma das suas profissões não vem no dicionário e talvez por isso a confundam tantas vezes com dramaturga. Vera San Payo de Lemos, de 54 anos, também professora universitária e tradutora, é dramaturgista», «Vera San Payo de Lemos, germanista em viagem», Joana Gorjão Henriques, Público, 2.04.2006, p. 42. De facto, o vocábulo «dramaturgista» não está registado em nenhum dicionário de língua portuguesa que eu conheça. Nem o tão abrangente Houaiss acolhe o termo, o que é uma falha importante. Para quando outro dicionário — desta vez sem as lamentáveis falhas, mesmo de revisão de texto!, que o maculam — da Academia das Ciências de Lisboa? Melhor ainda: para quando novas atribuições à Academia para a equiparar, no campo linguístico, à Real Academia Espanhola?


Ortografia: «suíte»

Pois é

      No Diário de Notícias, os jornalistas ainda não viram que são já vários os dicionários que registam o aportuguesamento da palavra suite: «suíte». Por acaso, desta vez nem foram incoerentes: grafaram-na como estrangeirismo: «Após a cimeira, as obras prosseguirão para dotar o futuro Palace Hotel de, pelo menos, 9 quartos e 25 suites presidenciais, precisou o proprietário, que encomendou de Portugal todos os materiais de construção para a remodelação da antiga sede do Parlamento, no bairro de Brá [em Bissau].»



16.4.06

Expressões populares

Imagem: http://www.code7r.org/Bintoons/bt8.htm

Cara de Páscoa

Recentemente, falei aqui da Quaresma, tendo referido os termos correspondentes noutras línguas. Entretanto, lembrei-me que temos algumas expressões conotadas com estes termos — à semelhança do que acontece noutras línguas. Os Franceses têm várias, algumas com correspondente em língua portuguesa. Por exemplo: «face de carême», que é um rosto emagrecido, macilento. Nós temos «cara de quarta-feira de trevas» (por oposição a «cara de Páscoa», que é a cara alegre). O francês tem «tomber comme mars en carême», que significa acontecer inevitavelmente, ser fatal como o destino. Nós temos «tão certo como à Quaresma se seguir a Páscoa». Boa Páscoa!

15.4.06

Ortografia: lugar-comum

Um baldio é um lugar comum

A Pública recusa-se terminantemente a escrever o vocábulo «lugar-comum» com hífen, erro que, de resto, vejo repetido por muita gente. Em duas edições diferentes, duas jornalistas escreveram como se pode ler a seguir.
«É lugar comum, o que quer dizer que é verdade: as mulheres sempre se sujeitaram às coisas mais incríveis em nome da beleza», «Cem anos de caracóis», Ana Gomes Ferreira, Pública, n.º 513, 26 de Março, p. 66.
«Sei que isto é um lugar comum, mas estou na câmara porque quero fazer alguma coisa pelo progresso desta terra onde só não nasci por acaso [nasceu em Lisboa]», «Santiago Macias, viajante da história», Lucinda Canelas, Pública, n.º 514, 2.4.2006, p. 18.

Ortografia: saquê

Imagem: http://www.japaoonline.com.br/pt/saque.htm


Critérios e falta deles


      Embora esteja registada em vários dicionários de língua portuguesa, a palavra «saqué» (ou «saquê», variante) é olimpicamente ignorada por tradutores e jornalistas. Sirva de exemplo a revista Flash! Num artigo em que usa com profusão e deleite termos da culinária japonesa — sushi, sashimi, hodachi, nigiri, uramaki —, nunca «sushi» e «sashimi» aparecem grafados em itálico ou entre aspas, ao contrário de «saké». Dá que pensar.

14.4.06

Ortografia

O Público tem errado
     


      Deixemo-nos de complacências: no que se refere à ortografia, nunca se viu tanto desmazelo no jornal Público. Tomemos como exemplo a edição n.º 5842, do dia 26 de Março. No artigo «Low cost crescem em Portugal à custa dos turistas estrangeiros» (pp. 50-51), usa-se 25 vezes a expressão «low cost» e apenas em três delas se grafa como um estrangeirismo, entre aspas. Por outro lado, nunca, a não ser na chamada da primeira página, se explica o conceito («As companhias aéreas de tarifas reduzidas (low cost) são um fenómeno crescente na Europa; o seu peso tem crescido em Portugal, mas os portugueses ainda recorrem pouco a elas»).
      Curiosamente, nesta mesma edição, a coluna do provedor (auspiciosamente chamada «Calinadas») transcreve a carta de uma leitora que se insurge por, num mesmo texto, o nome do dirigente da Aliança Patriótica Iraquiana ter sido grafado de três formas diferentes: Al-Kubasy, Al-Bukasy e Al-Busaky. Pior ainda, o próprio subdirector responsável da revisão do texto em causa (escrito por uma jornalista estagiária), Paulo Ferreira, reconhece que «parece existir, pelo menos, uma relativa unanimidade em “Kubaysi”».
      Por um infausto acaso, na edição deste dia, até o cartoon de Vasco (p. 8) saiu com uma gralha! «Primavera… outra vez?! «Tomates a vacina?»


Que e quem

Vacas sagradas

«Segundo o inventor da iguaria, Scott McDonald, a sandes é confeccionada com o famoso bife japonês wagyu, que é retirado de vacas a quem é dado tratamento de luxo» (24 Horas, «Uma rica sandes», 11.3.2006, p. 56). Ora vamos lá ver: o senhor jornalista não aprendeu na escola primária que o pronome relativo invariável «quem» apenas se usa com pessoas? Com animais ou seres inanimados deverá usar-se o pronome «que».

Regiões: Norte, Sul

Perder a tramontana

Num mundo paralelo, é como se existisse um Livro de Estilo da Pública que recomendasse o contrário do Livro de Estilo do Público. São as regras compendiadas nessa (hipotética) obra que vemos aplicadas nas frases que se seguem, todas registadas na edição n.º 514, 2.4.2006:

«Há uma grande afinidade entre o sul de Portugal e o norte de África.» (p. 22)
«Este código nasceu numa região do sudeste de Hunan em que a vida era relativamente idílica.» (p. 25)
«Muitos chineses visitam o sul para ver as poucas, mas cada vez mais numerosas mulheres de Hunan cantar, escrever e coser.» (p. 27)
«Este combate de oito anos para eliminar as cabras, os burros selvagens e os javalis das ilhas Santiago, Pinta e do norte da ilha Isabela está a anos-luz de estar completo.» (p. 55)

O Livro de Estilo do Público, por sua vez, na página 211, afirma que se emprega a maiúscula inicial «nos nomes dos pontos cardeais e dos pontos colaterais, quando designam regiões: gente do Sul, o Leste da Europa, os portos do Sudoeste».

13.4.06

Uso da vírgula

Imagem: http://www.language-museum.com/n/nushu.htm

Pública, a Virgulófoba

«A Nushu pertence exclusivamente às mulheres. Terá sido inventada pela concubina de um imperador? Pouco importa. Forjada às escondidas dizem que está a morrer. Mas há uma aldeia onde [o] poder passou a ser feminino», escreve Joana Amaral Cardoso («As escribas secretas da China», Pública, n.º 514, 2.4.2006, p. 24). Onde está o problema, é o que está a perguntar? Apesar de o uso da vírgula ser bastante flexível e subjectivo, há, contudo, regras que condicionam o seu emprego. Assim, as orações de gerúndio, infinitivo ou particípio passado independente separam-se da oração principal por vírgula: «Forjada às escondidas, dizem que está a morrer.»

Léxico: «gambito»

O nome explica o carácter

      Por vezes, aprendem-se palavras novas nas traduções. Na semana passada, foi a palavra «gambito». No inglês estava «gambit» e, como não gosto de empobrecer o já tão empobrecido léxico dos meus concidadãos, achei que podia ficar. Em português, claro, também existe e tem o mesmo significado. Provém do italiano gambetto, que é literalmente o acto de rasteirar alguém. Gambetto, por sua vez, provém de gamba*, perna. Artimanha é, pois, uma boa tradução.
      Perguntei a doze pessoas se conheciam a palavra. Uma disse-me que sim. É o alter ego de Rémy Etienne LeBeau, uma personagem da banda desenhada, dos X-Men, respondeu-me. Expliquei a este português culto o significado da palavra. Ah, o nome explica tudo: Gambito, também conhecido por Diabo Branco, é um ladrão, nascido em Nova Orleães.

* Em português, temos igualmente, derivada desta palavra, «gâmbias», usada na expressão «dar às gâmbias», que significa fugir, e «de catrâmbias», que significa de pernas para o ar.

12.4.06

Sigla: rap

Camões contemporâneo

Em espectáculos itinerantes pelo País, Gisela Cañamero canta Camões em versão rap. Se é a única maneira de os nossos jovens conhecerem um pouco que seja do nosso poeta maior, porque não? E mesmo que não seja a única, pois claro. «Camões é um poeta rap» é o nome do espectáculo.
Aproveito a oportunidade para esclarecer que «rap» é a sigla inglesa de «rhythm and poetry», «ritmo e poesia». De facto, este género musical consiste numa fala ritmada. Ora, ritmo e poesia já Camões tem, só faltava mesmo que alguém pusesse os nossos jovens a apreciar.

Caribe ou Caraíbas?

Por esses lados

Já se vai vendo na imprensa escrita, sem escândalo nem estranheza, o vocábulo «Caribe». Escusado será dizer que nem todos os leitores percebem que se pretende dizer o mesmo que «Caraíbas». Aliás, quando se trata de traduções do espanhol, alguns tradutores também não sabem se e como traduzir. O 24 Horas (7.4.2006, p. 44) é que não se mostra muito sensível em relação a estas questões e titula: «O veterano do Caribe» (refere-se ao futebolista Russell Latapy, natural de Trindade e Tobago). Os folhetos das agências de viagens também terão aqui a sua responsabilidade.

Léxico: «noosténico»

Mais uma



      «A cafeína aumenta o nosso desempenho mental.» Embora recentemente a revista Visão (edição n.º 677, «Medir o QI pela chávena») se tenha debruçado sobre a questão, não referiu uma palavra que há muito conheço e que define muito bem os efeitos do café. Essa palavra é «noosténico». O café é uma substância noosténica, isto é, activa acidentalmente a inteligência (para quem bebe todos os dias várias bicas, não sei, talvez já não sirva de grande coisa). Por simples curiosidade, fiz uma pesquisa na Internet e só uma vez surge num sítio de língua espanhola! Também não é visita habitual de dicionários de língua portuguesa. (Digo isto apenas agora porque sei que estou a salvo de ser condecorado com a Medalha de Mérito Cultural.) Em grego, nóos significa «inteligência, mente, pensamento»; sthénos, por sua vez, significa «força, potência, vigor».


11.4.06

Léxico: tipi

Imagem: http://www.naturzelte.de

Tempos de mudança

Ontem, nas notícias da Antena 1, às 13h00, foi entrevistado um responsável do parque de campismo da Ericeira, que anunciou que o referido parque vai dispor, dentro em breve, de tipis, as tradicionais tendas cónicas de peles dos índios Sioux. Ah, Portugal está mesmo a mudar. Só falta ver sanzalas pelos campos do Alentejo, palafitas no Alqueva, iglus na serra da Estrela… Já não precisamos de emigrar.

Léxico: ázimo

Páscoa

      Agora que estamos na quadra pascal, uma palavra a propósito. O pão ázimo (em hebraico mazza, pl. mazzot) é o pão não fermentado. Em português também se escreve «asmo». (Não confundir com aqueles simpáticos animais retratados por Oliviero Toscani em exposição no Castelo de S. Jorge até finais de Janeiro.) Na Festa dos Ázimos, que coincide com a Páscoa, havia a prescrição de comer durante sete dias pães sem fermento. No livro do Êxodo, 12,15, lemos: «Durante sete dias comereis pães sem fermento. No primeiro dia, fareis desaparecer o fermento das vossas casas, pois todo aquele que comer pão fermentado, do primeiro dia ao sétimo dia, será eliminado de Israel.»

Pão asmo — Pão feito sem fermento que era comido durante a Páscoa e outras festas. O fermento era símbolo do pecado. (Êxodo 12:17-20, I Coríntios 5:7,8)

10.4.06

Onagata

Imagem: http://concise.britannica.com/ebc/art-6182

Do Japão, com magia

Embora parecesse estar fora do âmbito deste blogue, resolvi responder à pergunta da leitora Paula Ribeiro («Que nome têm os actores japoneses que se vestem de mulher?»), porque comprovei entretanto que o vocábulo está registado no Dicionário Houaiss. Sendo assim, afinal, a questão enquadra-se nos objectivos deste blogue. Pois é isso mesmo, já viu a resposta a encimar este texto: os actores japoneses que representam papéis de mulher são os onagatas (de onna, «mulher» + kata, «forma»).
Na primeira metade do século XVII, por determinação do xógum Tokugawa Iyeasu (cuja descendência esteve no poder até à Restauração Meiji), que considerava imoral a presença de mulheres no palco, os actores passaram a representar também os papéis femininos no teatro Kabuki. De resto, kabuki, que é o teatro popular e urbano, significa «extravagante».

Ortografia: Otava

Boa pergunta

Os jornalistas andam sempre de candeias às avessas com os topónimos. Desta vez, foi Joaquim Letria, que escreveu: «O que aconteceria se tem exigido alguns telefonemas ao embaixador português em Ottawa ou, para não perder o show-off, se tem chamado ao ministério, para explicações, o embaixador do Canadá em Lisboa» (24 Horas, 3.4.2006, p. 56). Há quantos anos se escreve Otava em português? Ou Joaquim Letria também escreve «London», «New York», «Tokyo»?

Ortografia: antiaborto

Anti…

«Sioux do Dakota contra lei anti-aborto», titulava o Diário de Notícias (4.4.2006, p. 24). Deveria ter-se escrito «antiaborto», à semelhança de «antiamericano». De acordo com a regra, ao prefixo anti- segue-se hífen se o elemento seguinte tiver vida própria e começar por h, i, r ou s. Logo, contrariu sensu, antiacadémico, antibolor, anticalcário, antidepressivo, antiespasmódico, antifascista, antiguerrilha, antijudaico, antiliterário, antimatéria, antinazi, antioxidante, antipirético, antiterrorismo, antiveneno…
Valha a verdade que actualmente os meios de comunicação, e talvez mesmo todos os falantes, abusam deste prefixo. Quantas vezes não seria preferível reescrever a frase e usar «contra», por exemplo! Tanto mais que em relação a nomes próprios não temos regra.

9.4.06

Chefe de família?

O rico come e o pobre alimenta-se

      Há dias, ouvi Joe Berardo afirmar numa entrevista a uma rádio: «Felizmente, a minha mulher e os meus filhos suportam [to support] as loucuras do seu chefe de família.» Tendo em conta o percurso de Joe Berardo, não é do «suportam» que pretendo falar, mas do «chefe de família». Deixemo-nos de histórias: quando se tem um determinado estatuto, parece que tudo se pode fazer ou dizer. Quando o ouvi, a primeira imagem que me veio à memória foi a de Tomás Taveira, num sábado de manhã, há uns anos, a estacionar o seu flamejante Ferrari no Saldanha e entrar ― de roupão e chinelos! ― numa perfumaria que hoje já não existe.
      Chefe de família, Sr. Comendador, é uma figura já extinta. Com a reforma do Código Civil (Decreto-lei n.º 496/77, de 25 de Novembro), a mulher deixou de ter um estatuto de dependência para passar a ter um estatuto de igualdade com o homem. Com a consagração da igualdade de direitos e deveres dos cônjuges na Constituição de 1976, impunha-se esta alteração na lei civil. Para a interpretação de leis anteriores à Constituição de 1976 que ainda estejam em vigor, deverá ver-se este «chefe de família» como um representante ― que pode ser o marido ou a mulher ― da família perante terceiros.

Ortografia: «brócolos»

Imagem: http://courrierinternacional.clix.pt/

Matusalém analfabeto

      O Courrier Internacional, magnânimo, prescreveu-nos a «Dieta para a eternidade»: «Vegetais com baixo teor de amido, frescos e ligeiramente cozinhados, em particular espinafres, couves, bróculos, couve-flor, alface, aipo, pepino, couves-de-bruxelas, abóbora e outros legumes verdes» (n.º 53, 7 a 13.4.2006, p. 14). Embora o étimo seja italiano (broccolo, que pluraliza em broccoli, diminutivo de brocco, brocchi, rebento, broto), basta saber português para escrever correctamente a palavra. Brócolos.
      Por outro lado, atentemos na lógica: se se trata de uma «dieta para a eternidade», porque é que o artigo tem como título «Viver 150 anos»? Tínhamos o «eterno» e o «sempiterno»; com o Courrier, passámos a ter o «eterno a prazo». Haja honestidade e gramática!

Uso da vírgula

As vírgulas tajiques

«Os autores de um crime racista foram absolvidos em São Petesburgo [sic]. As agressões a estrangeiros são cada vez mais frequentes na Rússia. O cineasta tajique, Davlat Khudonazarov, manifesta o seu desgosto» (Courrier Internacional, 7 a 13.4.2006, p. 28). Em tajique não sei, mas em português a frase está incorrecta. Vejamos. O Tajiquistão tem apenas um cineasta? Certamente que não. Logo, o nome do cineasta não pode estar isolado por vírgulas. Deveria ter-se escrito «O cineasta tajique Davlat Khudonazarov manifesta o seu desgosto». E eu, Helder Guégués, manifesto o meu.

8.4.06

Léxico: «seminivérbio»

Sementes de vida

Chegam-me ecos do agrado que causou a algumas pessoas o meu texto sobre a Quaresma. Relendo algumas das parábolas bíblicas (ainda há pouco li algures que ninguém diz que está a ler os clássicos, mas a reler…), vejo como sempre esteve na minha mente o esquema de algumas parábolas: parábola → pergunta → explicação (embora, certamente por inépcia, nem sempre o consiga seguir). E só não avanço mais na comparação para não parecer blasfemo. Mas sim, também eu sou um seminivérbio, um semeador de palavras.

Parábola do semeador (Mateus, 13,3-9)

«Jesus falou-lhes de muitas coisas em parábolas: “O semeador saiu para semear. Enquanto semeava, algumas sementes caíram à beira do caminho: e vieram as aves e comeram-nas. Outras caíram em sítios pedregosos, onde não havia muita terra: e logo brotaram, porque a terra era pouco profunda; mas, logo que o sol se ergueu, foram queimadas e, como não tinham raízes, secaram. Outras caíram entre espinhos: e os espinhos cresceram e sufocaram-nas. Outras caíram em terra boa e deram fruto: umas, cem; outras, sessenta; e outras, trinta. Aquele que tiver ouvidos, oiça!”»

Ortografia: trilogia


Aparências

É preocupante a frequência com que vejo, ultimamente, escrita a palavra «triologia». Se não existisse o termo «trilogia», que é o correcto, o único que existe, podíamos estar perante uma criação que iria vingar. Como, de resto, vingaram outros exemplos de falsa etimologia, tais como «triálogo» e «monoquíni». Julgando ver no elemento «dia» uma referência a dois (quando, de facto, significa entre, como em diarreia), os falantes criaram um desnecessário «triálogo» — uma conversa entre três pessoas. Ora, a verdade é que um diálogo tanto pode ser entre duas, três ou cem pessoas. Com «monoquíni» sucedeu o mesmo: os falantes acreditaram que «bi» era o elemento que designa «dois», como em bilingue, mas não é assim. Os caminhos da ignorância são insondáveis. E, às vezes, desembocam em interessantes criações, pois claro.

7.4.06

Ortografia: luso-descendente

Eu cá sei…

«De dentro de realidades literárias, culturais e colectivas, ainda hoje agredidas, devemos agradecer o esforço para a inteligibilidade de uma escrita em português levada a cabo por este francês lusodescendente», escreve Joaquim Manuel Magalhães na revista Actual (Expresso, n.º 1744, 1.4.2006, p. 69). O Dicionário da Academia é dos poucos que registam este neologismo, e não é assim que o faz, mas com hífen: luso-descendente. Tratando-se de dois elementos de natureza adjectiva, é de regra usar-se o hífen.

Artigos com topónimos

Opções

«Português pode ser extraditado para o Omã», lia-se no Diário de Notícias (3.4.2006, p. 19). Não há em português, já sabemos, regras sobre o uso do artigo com topónimos. É, pois, a situação ideal para os desleixados, os troca-tintas e os tanto-me-faz. Vejamos com outros topónimos:

Pode ser extraditado para a Alemanha/para a Bélgica/para a Rússia/para o Japão/para a Tunísia.
Pode ser extraditado para Israel/para Cabo Verde/para Marrocos/para Moçambique.


Parece-me que Omã se integra neste segundo grupo — casos em que é obrigatório não usar o artigo a anteceder o topónimo. Infelizmente, a regra de perguntar aos naturais, aos Omanianos, neste caso é impraticável (ainda se se tratasse do Dubai, tenho lá um amigo). O uso faz lei e a analogia serve de auxiliar.

Ortografia: nuvem/nuvens

Mau tempo na Focus   

      Já aqui o afirmei uma vez: quando julgo tratar-se de uma gralha, não perco tempo. «Se não houver núvens escandalosas pelo meio, Sócrates arrisca-se a um lugar na galeria de notáveis» («Montanha-russa», Pedro Barros Costa, Focus, n.º 337, 29.3 a 4.4.2006). Se PBC fosse jornalista do Público, já teria tido oportunidade de ler no Livro de Estilo daquele jornal:

«Não são acentuadas as palavras com a mesma terminação [em ou ens], mas graves: nuvem (ou nuvens), jovem, imagem, outrem, ontem, comem, mandem, vissem, puserem

6.4.06

Léxico: «canábis»


Tanta é a emoção…


      O anúncio foi feito pelo Diário de Notícias (4.04.2006, p. 38): «Pastilha de ‘cannabis’ chega a Portugal.» Fosse pela perturbação fosse por um princípio inabalável do jornalista, não se usou o vocábulo português (aportuguesado, na verdade), canábis. Ou cânabis, como também regista o Dicionário Houaiss. «Cannabis», claro, parece mais exótico, mais proibido. Se eu me atrevesse, impudente e imprudente, a sugerir ao jornalista cânhamo-indiano, isso aí era contar como certa com uma embaixada homicida aqui a casa.

Figura: Antanáclase

Tudo muda

A Academia Francesa publica, com cada nova edição do seu dicionário, uma lista das palavras suprimidas. Com a 8.ª edição, foi suprimida, entre outras, a palavra «antanáclase», que tinha entrado no léxico francês no século XVIII. E agora?
A antanáclase (do grego antanáklasis, «repetição») é uma figura de estilo que consiste na repetição de uma palavra (significante) em diferentes sentidos (significados). É já clássico dar como exemplo uma frase de Pascal: «O coração tem razões que a própria razão desconhece.» («Le cœur a ses raisons que la raison ne connaît point», Pensées.) A polissemia está, muitas vezes, no cerne desta figura. A definição de Quintiliano (Institutio oratoriae, IX, 3) passou para os manuais:
«Cui confinis est quae antanaklasis eiusdem verbi contraria significatio. Cum Proculeius queretur de filio, quod is mortem suam expectaret, et ille dixisset, se vero non expectare: Immo, inquit, rogo expectes.» (Uma figura vizinha [da paronomásia] é a antanáclase, um sentido contrário de uma palavra. Como Proculeio reprovasse a seu filho esperar a sua morte, este respondeu que não esperava. Bem ― responde ele ―, peço-te que esperes.) Neste caso, tomaram-se os dois sentidos do verbo expectare: desejar, desejar e ter paciência.
Outro exemplo sempre citado de antanáclase é a perícope de Mateus 16,18: «Tu es Petrus et super hanc petram aedificabo ecclesiam meam» (Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja). Na literatura portuguesa há variadíssimos exemplos de antanáclase, sendo o que se segue, de D. Francisco Manuel de Melo (Feira de Anexins, I, 1), um dos mais interessantes:
«Meus amigos, digo que me pelo por ouvir quatro equívocos. Se eles caem a pêlo, têm a sua galantaria; não já como muitos, que vêm pelos cabelos; apelo eu, que os dissesse.»

5.4.06

«Glubit» catuliano

Lésbia, a Nonária

      Há dias, os meus colegas franceses do Le Monde estava enfronhados na magna questão de saber se o glubit de Catulo era uma operação manual ou oral. Explico melhor: numa composição, este poeta latino usa a forma verbal «glubit» para descrever um acto sexual que hoje não sabemos qual seja. Há, naturalmente, muitas traduções, em várias línguas, mas umas vão para o calão mais puro, outras para formas eufemísticas ou metafóricas. Vejamos o original (Catulo, Carmen LVIII):

Caeli, Lesbia nostra, Lesbia illa
illa Lesbia, quam Catullus unam
plus quam se atque suos amauit omnes
nunc in quadriviis et angiportis
glubit magnanimi Remi nepotes.


      Percebe-se que a desavergonhada da Lésbia não era nenhuma Heidi Fleiss, já que andava por in quadriviis e angiportis, ou seja, às claras e pela cidade, a satisfazer a luxúria dos decadentes e promíscuos romanos. De facto
Célio, a minha Lésbia, a Lésbia aquela
Aquela Lésbia, a quem só Catulo
Amou mais que a si mesmo e a todos os seus
Agora nas esquinas e nas vielas
Desnuda os netos do magnânimo Remo.

      «Desnuda» digo eu, mas eu não sou latinista (ou não quero beliscar a pudicícia dos meus leitores?). Esta é uma forma metafórica de traduzir o «glubit» (de glubo, is, ere, psi, ptum), que significava na linguagem comum «tirar a casca de uma árvore», «desfolhar». A maioria dos tradutores crê, contudo, que se trata de uma obscenidade. Claro que desta última acepção facilmente passamos para a de «descobrir», «arregaçar», e está tudo dito. Em calão temos as expressões «debulhar a espiga» e «esgaçar o pessegueiro», de bom sabor telúrico, para designar esse acto sexual. Alguns franceses, imaginosos, quiseram ver ali um verbo onomatopaico (influenciados, confessadamente, pela banda desenhada), o som de algo a sair de uma vagem, de uma bainha… com um som algo molhado. Quem sabe? O certo é que sem recorrer ao calão o poema é muito sugestivo da actividade de Lésbia.

Léxico: «jilaba»


Oxalá estude mais



      «Eles deram razão a uma escola local que proibira uma jovem de usar uma capa islâmica (jilbab). […] E observaram que a jovem — que foi defendida pela mulher do primeiro-ministro britânico, a advogada Cherie Blair — podia ter escolhido três outras escolas locais, onde o “jilbab” era permitido», escreveu João Carlos Espada na última edição da Actual (Expresso, n.º 1744, 1.4.2006, p. 70). Na transcrição do árabe, sem dúvida, está correcto: jilbab, a pluralizar em jalabib. Mas em português, caro JCE, escreve-se «jilaba». A jilaba, pois que é do género feminino.

4.4.06

Leituras


A escrita de Saramago

Num excelente artigo sobre a escrita de José Saramago, Fernando Venâncio (Actual, n.º 1744, 1.4.2006, pp. 16-17) aponta alguns das centenas de espanholismos usados pelo autor de As Intermitências da Morte. A determinada altura, afirma: «Há circunstâncias biográficas a explicarem isto e mais? Decerto. José Saramago escreve, como sempre escreveu, um português portentoso, mas deixou de distinguir os dois idiomas. O que espanta não é isso, é outra coisa. Ou duas. Primeiro, que nenhum revisor lhe faça reparo. E, se faz, imagine-se o manuscrito. Segundo, que nada disto pareça preocupante a ninguém ou sequer assinalável.» Como argumento, é algo canhestro. Vejamos: como sabe Fernando Venâncio que nenhum revisor lhe faz reparo? Claro, o crítico previu esta objecção e acrescentou «e, se faz, imagine-se o manuscrito». Aqui, esperávamos ver: «E, se faz, imagine-se quão mal preparado ele está.» Ou: «E, se faz, decerto que o autor (ou o editor) lhe passa por cima.» Quem acha Fernando Venâncio que venceria o diferendo: o revisor ou o autor? Se nem alguns tradutores ineptos aceitam muitas vezes serem corrigidos, imagine-se um autor nobelizado! E, por outro lado, até que ponto um revisor pode alterar um estilo, uma particular maneira de um autor se exprimir?

Etimologia: precário

Chora que logo bebes

No meio da convulsão social em que a França está mergulhada, os meus colegas do Le Monde arranjaram ânimo para descobrir, a propósito do CPE, que a etimologia de precário, do latim precarius, remete para aquilo que é obtido pela oração (de precari, «orar, pedir através da oração»). Empregos vacilantes como a chama de uma vela, rematam.

Etimologia: «placebo»

Talvez não me agrade…


      A tentativa canhestra de o 24 Horas explicar o que é um placebo fez-me rir um bom bocado. Leia-se: «No ensaio participaram oito homens, mas dois deles tomaram um placebo — um produto inofensivo. Foi essa a razão pela qual não sofreram quaisquer efeitos» («Até parecia o Homem-Elefante», 16.3.2006, p. 55). Tinham espaço e a oportunidade de explicar do que se tratava, mas não o fizeram. Fiz um périplo pelos meus dicionários: poucos registam o vocábulo, para meu espanto. A definição que mais me agrada é a do Houaiss (e pensar que nos anos 80 mandei uma carta ao académico a desancá-lo! Bem fez o homem em não me responder).

placebo s. m. MED preparação neutra quanto a efeitos farmacológicos, ministrada em substituição de um medicamento, com a finalidade de suscitar ou controlar as reacções, geralmente de natureza psicológica, que acompanham tal procedimento terapêutico.


      A notícia refere-se, lembrar-se-ão, aos seis voluntários ingleses que decidiram, a bem da humanidade e da sua própria conta bancária, participar num ensaio clínico de um medicamento contra a artrite reumatóide e a leucemia, conhecido como TGN 1412. «Placebo» é a primeira pessoa do singular do futuro do verbo latino placere: agradarei.

3.4.06

Júri e jurado

Só ouvido


      Este é um erro já muito enraizado, mas que denota bem a ignorância de quem o comete: Daniel Oliveira, apresentador do programa Só Visto!, da RTP1, na apresentação do seu entrevistado, João Baião, disse que este era «júri do programa Dança Comigo». Não é este o grande comunicador — tsch, tsch — que já publicou um livro? Claro que João Baião é uma criatura solidária, e mais à frente afirmou que era uma honra ser «júri do programa». Ver televisão é, eu bem ando a avisar, deletério. E não podemos trocar esta gente por marroquinos ou turcos?
      No caso, o júri é a comissão encarregada de classificar os concorrentes; os jurados são cada um dos membros que integram o júri.

Derivação imprópria

Além-Pirenéus

Lembram-se do texto sobre a derivação imprópria («Um porto no Porto»)? Pois hoje encontrei no blogue dos revisores do jornal francês Le Monde (http://correcteurs.blog.lemonde.fr/correcteurs), que recomendo, um texto que podia ter sido escrito por mim.

«calicot
De Calicut, ville de la côte de Malabar, dans le sud-ouest de l’Inde. Beaucoup de tissus ont reçu le nom de la ville qui les produisait. Ainsi la mousseline (Mossoul, dans l’Irak actuel), la cretonne (Creton, dans l’Eure), le vichy, le tulle ou l’oxford. Cette toile de coton assez grossière, aussi appelée indienne, a fini par désigner les banderoles des manifestations, dont elle sert souvent à la confection. Les calicots n’habillent pas les top models, mais ils sont de tous les défilés.»

2.4.06

Alice no País das Maravilhas


So she was considering, in her own mind (as well as she could, for the hot day made her feel very sleepy and stupid), whether the pleasure of making a daisy-chain would be worth the trouble of getting up and picking the daisies, when suddenly a White Rabbit with pink eyes ran close by her.


Então, ela considerava para si mesma (tão bem quanto podia, porque o dia quente a fazia sentir muito sonolenta e estúpida) se o prazer de fazer um colar de margaridas seria mais forte do que o esforço de ter de levantar-se e colher as margaridas, quando subitamente um Coelho Branco com olhos cor-de-rosa passou a correr perto dela.

Etimologia e semântica: professor

Uma questão de fé

Este texto é uma homenagem aos muitos professores que lêem este blogue. Quem não ouviu alguma vez um professor afirmar que a sua profissão, pela entrega que exige, é um sacerdócio? Pois a verdade é que os primeiros cristãos foram também os primeiros professores da História, porque «professavam», isto é, declaravam publicamente a sua fé, ainda que lhes pudesse custar a vida. A palavra formou-se a partir do latim profiteri, com o mesmo significado, formada por fateri (confessar), com o prefixo pro- (diante, com o sentido de «diante de todos, à vista»). A partir de certa época, um professor passou a ser aquele que «professava», ou seja, que declarava publicamente que possuía conhecimentos em determinada área do saber e que podia transmiti-los.

1.4.06

Elemento -cídio

Morrendo e aprendendo

      Todos sabemos que o elemento -cídio vem do latim, língua em que significa assassínio, morte, e, nesta língua, deriva do verbo caedere, que significa matar. A seguir enumero alguns dos vocábulos portugueses que contêm este elemento. Alguns têm um sentido claramente burlesco, mas o interesse em conhecê-los é o mesmo.
  • animalicídio
  • animicídio
  • apicídio
  • avunculicídio
  • bovicídio
  • burricídio
  • canicídio
  • ciganicídio
  • conjugicídio
  • cristicídio
  • culicídio
  • deicídio
  • democídio
  • etnocídio
  • excídio
  • femicídio/feminicídio
  • feticídio
  • filhicídio
  • filicídio
  • formicídio
  • fratricídio
  • gaticídio
  • genocídio
  • gnaticídio
  • homicídio
  • infanticídio
  • insecticídio
  • liberticídio
  • magnicídio
  • mariticídio
  • matricídio
  • mulhericídio
  • occídio
  • parricídio
  • patruicídio
  • raticídio
  • regicídio
  • regnicídio
  • republicídio
  • sororicídio
  • suicídio
  • tauricídio
  • tiranicídio
  • tçarricídio ou tzarricídio
  • uxoricídio


Sociedade: suicídio

Imagem: http://www.dreambox.com


Mortes

«Então, Saul tomou a sua espada e atirou-se sobre ela» (I de Samuel, 31,4) Este é apenas um dos exemplos bíblicos de suicídio, que, sendo uma das grandes tragédias da vida, fascina certas sociedades, como a japonesa. Só em 2004, mais de 32 mil japoneses cometeram suicídio.
Há pouco tempo, o jornal Público abordou este tema e o reflexo, inevitável, que tem na língua japonesa. Vejamos. Hara kiri (tradição dos samurais, que cortam a barriga com um punhal ou um sabre, para escapar às mãos do inimigo) todos nós conhecemos. A palavra até já está aportuguesada: haraquiri. Seppuku designa aproximadamente o mesmo. (Em 1970, o escritor japonês Yukio Mishima cometeu seppuku.) Com a Segunda Guerra Mundial, os infames kamikazes tornaram-se conhecidos no Ocidente. Além destes termos, o japonês tem ainda o shinju (suicídio de dois amantes, originalmente para provar a genuinidade do amor mútuo), o oyako (suicídio de uma família), o obasute (quando é cometido por idosos), o jusui jisatsu (morte por afogamento), o dokuyaku jisatsu (morte por envenenamento ou barbitúricos), o tooshin jisatsu (morte por salto de um despenhadeiro), entre outros.
Perante tantos suicídios, alguns colectivos agora combinados pela Internet, as autoridades japonesas apenas dizem: shoganai. (Não podemos fazer nada.) O suicídio não constitui um crime no Japão.

Expressão popular

Ria-se, está na TV

Entrevistado para o jornal 24 Horas, o apresentador do programa Desprevenidos, da Sic, Alexandre Ovídio, afirma*: «Algumas pessoas têm reacções hilariantes e riem-se a bandeiras desbragadas.» («Atenção aos distraídos», 16.3.2006, p. 52.) Ainda não vi o programa, nem tenciono ver, na verdade — pela amostra já estou satisfeito. O programa, lê-se no jornal, «mistura apanhados com perguntas de cultura geral». Há-de misturar alguma coisa mais, em especial se o homem falar. «A bandeiras despregadas» é como deveria ter dito, isto é, alguém que ri muito, de forma exagerada. Porque vêm as bragas ao caso? Desbragado é o que não observa as conveniências; metaforicamente, pois que o sentido original é o daquele que se desfaz das bragas, que são os calções largos, que serviam de roupa interior (do lat. braca, com o mesmo sentido). Ainda há quem use — sem se rir — a palavra «bragas» para designar a roupa interior do homem. Bem, eu também uso de vez em quando — mas no gozo.

* Não sabemos até que ponto é que a transcrição da entrevista foi feita conscienciosamente. No caso, é de desconfiar, já que o texto é da jornalista da «Toscânia». Por estas e por outras é que eu não dou entrevistas a ninguém. Tem sido um princípio fácil de manter, é verdade — ainda ninguém me pediu para ser entrevistado.