30.9.09

Tradução: «empower»

Mais de metade

      «Não raras vezes», escreve-me um leitor, «deparo com a palavra empower e ainda não lhe consegui encontrar uma outra paralela em português. Na sua opinião, qual seria?» Há, não podemos esquecê-lo ou ignorá-lo, estrangeirismos intraduzíveis. Não me parece que seja o caso. Já vi o termo traduzido (e já o traduzi) por capacitar. O que importa é que o leitor (ou ouvinte) saiba que o fazemos corresponder ao inglês empower. Usar capacitar nunca pode ser mais estranho do que usar empower, não é assim? Convém não esquecer, e foi mesmo notícia esta semana, que 51,3 % dos Portugueses adultos não falam uma única língua estrangeira.

«Correr atrás do prejuízo» II


A sibila

      Na Antena 1, a repórter Rita Roque, que vai acompanhar o líder comunista no seu périplo pelo País, disse que Jerónimo de Sousa «vai correr atrás do prejuízo». Se não conhecêssemos a sem-razão da expressão e não soubéssemos que é precisamente nas autárquicas que os comunistas mais simpatias angariam, poderíamos pensar que se trata de uma profecia da jornalista. Embora o meio natural desta expressão seja no jornalismo desportivo, também é usada, para evidente prejuízo da compreensão dos ouvintes, na informação generalista. Contigo isto não muda.

Uma acepção de «vernáculo»

Vernáculo estrangeiro

      «“A única resposta que dou é parafrasear o dr. Alberto João Jardim na expressão inglesa a propósito de jornalistas — ‘Fuck you!’”. Foi assim que o bastonário Pedro Nunes reagiu ao semanário Expresso por estar a investigar denúncias de alegado favorecimento pela Ordem dos Médicos (OM) ao ateliê [de arquitectura] onde a filha estava a estagiar» («(Des)Ordem nos Médicos», Vera Lúcia Arreigoso, Expresso, 25.09.2009, p. 28). Há pouco mais de uma semana, a imprensa noticiou que o presidente da Câmara de Almeirim, Sousa Gomes (do PS) dirigira à vereadora da CDU, Manuela Cunha, na reunião do executivo, «entre outras frases vernáculas», escrevia o jornalista, «cale-se com essa merda. Fale mas é na merda dos pardais» («“Cale-se com essa m… fale dos pardais”», J. N. P., Correio da Manhã, 18.09.2009, p. 18). A primeira acepção de «vernáculo» que ocorre a um falante com umas tinturas de latim será talvez um sentido figurado: linguagem correcta, sem estrangeirismos na pronúncia, vocabulário ou construções sintácticas. E mesmo que lhe ocorra também a acepção que já vem do étimo, já será menos provável que lhe venha à mente a acepção (popular e jocosa) de linguagem popular, carregada de calão, termos chulos, tanto mais que não é acepção que todos os dicionários registem. Experimentem — têm aí um à mão? — consultar o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. Pois é.

29.9.09

Léxico: «senciente», «senciência»

Registe-se

      «Apoiada no que tem sido feito em países como a Alemanha, a Suíça e a Áustria, a Liga [Portuguesa dos Direitos do Animal (LPDA)] sugere que os animais constassem [sic] no Código Civil como “seres sensíveis e sencientes”. Isto de forma a abranger com maior acuidade aqueles seres que, mais do que sensibilidade, revelam senciência (que, basicamente, consiste na capacidade de sentir emoções como prazer ou sofrimento)» («Tribunal penhorou cão», Sara Felizardo, Sol, 25.09.2009, p. 34). O adjectivo uniforme senciente, esse quase todos os dicionários registam. Vem directamente do latim, língua em que era um particípio presente. Já senciência é um neologismo ainda não dicionarizado entre nós. Contudo, o vocábulo correspondente em inglês, sentience, foi registado pela primeira vez na língua na primeira metade do século XIX.

28.9.09

Ortografia: «árbitro de cadeira»

Nem pensar

      Caro L. M.: costuma ler-se como diz, mas não é grafado com hífen, não: «Os adeptos e o árbitro de cadeira ficaram com dores no pescoço. Os apanha-bolas e os juízes de linha estiveram à beira de adormecer» («Quando o ténis se torna um sofrimento sem fim», Rui Catalão, i, 26.09.2009, p. 70). Já aqui abordámos a grafia de termos relacionados com outras funções no ténis.

«Cão-polícia», «mulher-polícia», «carro-patrulha»

Comprem um dicionário

      Acabei de ler num texto o vocábulo «cão-polícia», o que de imediato me fez lembrar o que lera no livro que tenho aqui citado nos últimos dias, Azul Mar, de Cathy Cassidy (tradução de Cristina Queiroz. Lisboa: Livraria Civilização Editora, 2009). Ora, que nome damos nós ao agente policial do sexo feminino? Na referida obra, podemos ler: «— Isso não é possível — diz a mulher polícia. — Amanhã» (p. 184). Mas também se lê: «Sentamo-nos no carro patrulha e dirigimo-nos ao hospital» (p. 185).

Uso da vírgula


Tem de ser

      «Quando se cita um documento da Igreja», pergunta-me um leitor, «como Lumen Gentium na sigla abreviada, qual é o mais correcto: LG 31 ou LG, 31?; ou da Redemptoris Missio, RM 1 ou RM, 1?» É claro que é com vírgula, pois este sinal está lá a separar o nome do documento do número da página, como se vê na imagem em cima, pertencente à carta pastoral «Família e Natalidade», de Fevereiro de 1975.

«Collants», «colãs», «meias-calças»

Há alternativas

      «Quanto à nudez [nas cenas de sexo nas filmagens], não é assim tão real. Cuecas cor de pele, toalhas para evitar o contacto e o famoso tapa sexo [sic], inventado pelos brasileiros. “É uma coisa muito simples. Uns colãs de nylon, cortados em forma de cuecas. Depois deixa-se um triângulo e cola-se, com aquela cola de bigodes, à frente e atrás no meio do rabinho. Assim, se estiveres em cima de alguém, os órgãos não estão em contacto directo”, explica São José Correia» («Luzes, câmara, acção e sexo. Os segredos das cenas sensuais no cinema», Vanda Marques, i, 26.09.2009, p. 50). Bem, o aportuguesamento resolve um problema muito frequente: a grafia com erros da palavra original, collants. Mas, mesmo sem aportuguesamento, há quem contorne a questão, usando o termo meias-calças: «Visto a saia de ontem com uma camisola diferente, umas cuecas lavadas e umas meias-calças pretas com uma malha apanhada, que mal se nota, mesmo atrás do joelho» (Azul Mar, Cathy Cassidy. Tradução de Cristina Queiroz. Lisboa: Livraria Civilização Editora, 2009, p. 13).

27.9.09

«Meia hora»

Não lhes passa

      No jornal, via quase todos os dias «meia-hora» — e emendava. Os jornalistas usam o hífen nas circunstâncias mais inconcebíveis. Alguns tradutores não andam longe de tais abusos (a que juntam a falta de critério): «Estava seco há meia-hora, quando eu desci a rua para ir comprar leite e Smarties» (Azul Mar, Cathy Cassidy. Tradução de Cristina Queiroz. Lisboa: Livraria Civilização Editora, 2009, p. 41). «A minha cara escalda pela segunda vez em meia hora e levanto os meus olhos sem graça do tampo da mesa e encaro a Analisa» (idem, ibidem, p. 84). «A Mãe esteve fora quase meia-hora e eu estou tão contente por ela ter voltado que me atiro para os braços dela, a tremer» (idem, ibidem, p. 101).

26.9.09

Revisão

Uma amostra

      Azul Mar,
Cathy Cassidy (com tradução de Cristina Queiroz. Lisboa: Livraria Civilização Editora, 2009). A ficha técnica diz-nos que a revisão foi da responsabilidade dos Serviços Técnicos de Revisão da Livraria Civilização Editora, o que pode significar várias coisas, uma das quais, a mais consentânea com as incongruências que a seguir aponto, entre muitas outras, que não teve revisão.
«— Por que é que não podes? — quer ela saber.» (p. 20)
«— Porque é que estás a ser tão misteriosa? — explode ela. — É suposto seres a minha melhor amiga, só que nunca me contas nada. Só te convidei porque parecias muito em baixo hoje. Queria animar-te.» (p. 21)
«— Porque não?» (p. 22)
«Por que não?» (p. 30)
«— Por que é que a tua mãe deixou o Miguel? — quer saber a Joana. — Ele tem um caso? Ou ela?» (p. 57)
«— Olha, Mar, querida, eu amo-vos a ti e à Luz. Amo a vossa mãe. Ela já fez valer o seu ponto de vista, porque é que não pode simplesmente voltar para casa agora? Porque é que não te dou uma boleia para onde quer que vocês estejam e falo com ela?» (p. 63)
«Por que é que a Mãe não me avisou que isto poderia acontecer? Por que é que ela não me disse o que fazer?» (p. 64)
«— Professora, por que é que não fazemos uma peça? Por que é que não fazemos uma representação de Oliver! para toda a escola ver?» (p. 76)
«— Mais ou menos. — A Mãe olha para dentro da sua chávena de café. — Ouve, Júlia, não é como tu pensas. Ele é um bom homem, na verdade. Porque é que achas que eu fiquei com ele tanto tempo?» (p. 113)
«Por que é que não podemos ter uma televisão, um computador, um telefone?» (p. 120)
«Porque é que as pessoas acham sempre que aos onze anos já somos demasiado crescidos para magias?» (p. 137)
«— Mar, desculpa — diz ela. — A polícia entregou-me esta carta há bocado e quando eu a li… Por que é que não a puseste no correio, Mar, querida?» (p. 194).

25.9.09

Léxico: «portcullis»

Imagem: http://www.free-images.org.uk/


É mesmo


      «Será uma história provocadora de bocejos, passada num castelo, onde teremos de nos lembrar da palavra para casa de banho medieval, ou daquela coisa quadriculada que fica por trás da ponte levadiça? Portcullis» (Azul Mar, Cathy Cassidy. Tradução de Cristina Queiroz. Lisboa: Livraria Civilização Editora, 2009, p. 73). É mesmo, portcullis, a porta corrediça na entrada de um castelo. O étimo deste é o francês porte coleice.

Notas de rodapé

Imagem: http://jinque.win.mofcom.gov.cn/

É melhor não compreenderem


      Mais um insondável princípio editorial: os livros infanto-juvenis não têm notas de rodapé. Mesmo que precisem delas. «A Mãe lembra-se dos cartões de energia e corre a comprar alguns para podermos ter luz, aquecimento e uma refeição quente mais logo» (Azul Mar, Cathy Cassidy. Tradução de Cristina Queiroz. Lisboa: Livraria Civilização Editora, 2009, p. 44). São os energy prepaid cards. Tal como na África do Sul, na Grã-Bretanha tanto a energia eléctrica como o gás são pré-pagos, sistema concebido na era Thatcher para evitar clientes incumpridores. Até com o fornecimento de água era assim, mas as acções judiciais interpostas pelos cidadãos eram tantas que o sistema acabou por ser abolido. Os jovens leitores vão ficar um tudo-nada perplexos, mas já lhes passará — quando virarem a página.

Algarismos e «rasta»

Ainda pior

      Aos vinte e cinco dias do mês de Setembro de dois mil e nove… Há a falsa crença de que nas actas e nas obras de literatura não se podem usar algarismos. Algarismos, só na numeração das páginas. «Fiz com que a minha mãe me cortasse todas as rastas quando estava no Segundo Ano — ela ainda as tem numa caixa de madeira com as fotografias dela, a sua bijutaria hippie e um bilhete amarelecido do Festival de Glastonbury de há séculos» (Azul Mar, Cathy Cassidy. Tradução de Cristina Queiroz. Lisboa: Livraria Civilização Editora, 2009, p. 10). Se eu já achava estranho que a maioria dos professores que conheço escreva «2.º Ano», concluo agora que em algumas editoras o discernimento não é maior. Por outro lado, ainda não vejo o vocábulo «rasta» dicionarizado, ao contrário de «rastafári», «rastafarianismo» e «rastafariano».

Actualização em 23.10.2009

      Mas vai sendo usado todos os dias: «Pedro é o mesmo jovem de 17 anos e rastas compridas que na passada sexta-feira teceu duras críticas à política seguida pela ministra da Educação, na presença desta e do Presidente da República» («O jovem que desafiou a ministra da Educação quer um país que tenha as pessoas em conta», Renato Duarte, Público, 22.10.2009, p. 10).

Léxico: «farmácia de oficina»

Desleixo dos jornalistas


      «De acordo com o Infarmed, em 2008 foram registadas 208 alterações de propriedade de farmácias de oficina» («400 farmácias mudaram de proprietário», Correio da Manhã, 23.09.2009, p. 18). Da agência Lusa mandam assim o texto, e nos jornais deixam estar. Nem a generalidade dos jornalistas saberá o que é uma farmácia de oficina, quanto mais o leitor médio. O próprio decreto-lei (n.º 307/2007, de 31.08) que define o regime jurídico das farmácias de oficina não define este conceito. Como escreveu Vital Moreira há já cinco anos no blogue Causa Nossa, «antigamente os medicamentos eram feitos pelos farmacêuticos nas farmácias, verdadeiras oficinas de produção de fármacos. Hoje os medicamentos são fabricados e embalados nos laboratórios farmacêuticos». A maioria dos manipulados (designação que se dá aos medicamentos preparados manualmente, em farmácia ou nos serviços farmacêuticos hospitalares, mediante prescrição médica) é para a área da dermatologia. Vital Moreira concluía que o conceito de farmácia de oficina era arcaico, pertencia ao passado, e só servia «para continuar a legitimar serodiamente a ideia da exclusividade da propriedade das farmácias pelos licenciados em farmácia e a exclusividade da venda de todos os medicamentos, mesmo os de consumo e venda livre (como as aspirinas), em farmácias». Não sei até que ponto o nosso conceito, que subsiste apesar da alteração da lei, não deve algo ao francês pharmacie d’officine.

24.9.09

Léxico: «nível morto»

Preguiça dos jornalistas

      «O volume de água armazenado na albufeira do Roxo (Beja) está perto do nível morto e, se não chover “em breve”, a qualidade da água bruta poderá diminuir, o que irá obrigar a reforçar o tratamento para abastecimento público» («Falta de chuva diminui qualidade», Correio da Manhã, 23.09.2009, p. 21). A notícia continuava, mas sobre o conceito de nível morto, nem uma palavra. O leitor que pesquise. O nível morto de água numa barragem é aquele abaixo do qual a água não é usada para consumo.


23.9.09

Tradução: «support»


Difícil de suportar


      «Os dois foram viver juntos e tiveram uma criança. Marquez reclamava ter deixado o trabalho a pedido do actor de ‘CSI’ (em exibição na SIC), uma vez que este lhe prometera suporte financeiro» («Ex-companheira de Caruso retira queixa», Isabel Faria, Correio da Manhã, 22.09.2009, p. 44). Cara Isabel Faria: a imprensa anglo-saxónica é que fala em financial support, mas convém traduzir bem: apoio (ou sustento) financeiro. Suporte, nesta acepção, é anglicismo semântico que devemos evitar.

Sol/sol

Mais uma pazada


      «Não são jovens arrivistas à procura de um lugar ao Sol» («Aníbal, José e Manuela no país dos inimputáveis», João Miguel Tavares, Diário de Notícias, 22.09.2009, p. 7). Aqui, o nosso colunista confunde Sol com sol, e o revisor não estava lá para corrigir o erro primário. Já devia saber que se escreve com inicial minúscula quando nos referimos à luz que emana do astro Sol, que, este sim, se grafa com inicial maiúscula. Ou o jornalista também escreve «uma pazada de Terra»?

Precursor/percursor

Pequenas confusões


      «O pintor inglês JMW Turner, considerado um percursor do impressionismo, é celebrado pela Tate Britain, em Londres, que exibe a partir de amanhã alguns dos seus quadros ao lado dos mestres europeus que o inspiraram» («Exposição ‘Turner e os Mestres’ em Londres», Diário de Notícias, 22.09.2009, p. 54). É um erro muito comum, este de confundir percursor com precursor. Precursor é o que precede, o que vai adiante, o que anuncia com antecipação. Percursor, o que percorre, o que faz um percurso. Para quem é dado a confusões, a melhor mnemónica é esta: relacionar o prefixo pre- com um termo que exprima inequivocamente anterioridade, como pré-aviso, por exemplo, que é o aviso prévio, o aviso que foi feito antes. E o precursor é isso mesmo, o que está à frente no anúncio de algo.

22.9.09

Léxico: «roga»

Nas vindimas, com alegria

      «Todos os anos repetem-se as rogas de 40 pessoas que sobem o Douro desde Resende ou Cinfães para vindimar» («Vindimas antecipadas», Bernardo Esteves, Correio da Manhã, 21.09.2009, p. 21). Nas sociedades modernas, urbanas, deixámos de ouvir a palavra roga. Na definição (que parece redigida por um director da antiga FNAT, Fundação Nacional para Alegria no Trabalho) do Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, é o «grupo alegre de homens e mulheres, por vezes toda a população válida de uma ou mais aldeias de Trás-os-Montes e da Beira, que, na época própria, se desloca para o Alto Douro, para trabalhar nas vindimas». É um derivado regressivo do verbo rogar, na acepção de «assalariar, contratar».

Actualização em 26.09.2009

      «Juntos formam uma empreitada — a que no passado se chamava “roga” — de 35 a 40 vindimadores, vindos de Resende, Pinhão ou de São João da Pesqueira» («Um país nas vinhas», Susana Torrão, Notícias Sábado, 26.09.2009, p. 27).

Uso de estrangeirismos

Imagem: http://commons.wikimedia.org/

Do Vermont à Porcalhota


      «Com uma área de 20 mil metros quadrados, o parque temático permite a prática de ski, snowboard, skate, inline (patins em linha) e BMX freestyle» («Esquiar na Amadora por 18 €», Bernardo Esteves, Correio da Manhã, 21.09.2009, p. 19). Apesar de o título usar o verbo esquiar, no texto o jornalista achou que ficava melhor em inglês, para não destoar de tudo o resto… O que o levou também a usar o vocábulo inline, se bem que tenha tido de o explicar (patins em linha). Em vez de pensar que podia, pelo menos, usar duas palavras portuguesas, não, preferiu tornar o texto parcialmente compreensível a um turista anglófono. Assim, esquiar no Vermont ou na Porcalhota fica mais parecido.

Ortografia: «prazo-limite»

Quase o mesmo

      «A aplicação de um horário de trabalho na GNR está a atrasar a promulgação, por parte do Presidente da República (PR), Cavaco Silva, do novo estatuto profissional desta força de segurança. O prazo-limite para a aprovação do decreto-lei é 4 de Outubro, data-limite que também deverá aplicar-se ao novo estatuto da PSP» («Horário atrasa GNR», Miguel Curado, Correio da Manhã, 21.09.2009, p. 13). Por analogia com data-limite, que alguns dicionários já registam, deve, de facto, escrever-se prazo-limite.

21.9.09

Linguagem familiar

Em família

      Não deve haver, em toda a imprensa portuguesa, um jornal em que se leiam tantas palavras e expressões que habitualmente só se usam no âmbito familiar como o Correio da Manhã. «Em 2007 Moniz nomeou Maia Abreu director de Informação da TVI. E fez saber que a Prisa não queria Mário Moura e Constança Cunha e Sá. Tudo mentira» («Aldra!», António Ribeiro Ferreira, Correio da Manhã, 18.09.2009, p. 30). Aldra, como redução de «aldrabão», não ouvia desde a minha juventude, e não esperava reencontrá-la neste contexto.

20.9.09

Léxico: «pandora»

Esta é pequena

      Temos o vocábulo pandora a significar três coisas: um indivíduo de um antigo povo, Pandoras, da Índia (registado pela primeira vez em 1720); um molusco marinho bivalve (registado pela primeira vez em 1899); e um instrumento de cordas, semelhante ao alaúde e ao cistre, tocado com plectro (registado pela primeira vez em 1913). Só não temos a acepção do vocábulo francês pandore: guarda; agente; polícia. E é natural que não tenhamos. O vocábulo, usado por ironia na linguagem familiar, mas com registos na literatura, vem do patronímico Pandore, nome do guarda numa canção célebre do cançonetista francês Gustave Nadaud (1820―1893). Nadaud, que era natural de Roubaix, próximo da fronteira com a Bélgica, conhecia o termo neerlandês para guarda: pandoer, que provém, por sua vez, do húngaro pandur, que designava o soldado de certos corpos irregulares. Ora, o primeiro contingente destes soldados foi enviado no século XVII para a aldeia húngara de Pandur. Fica assim, de caminho, explicado o étimo do nome dos carros de combate Pandur, comprados por 50 milhões de euros à empresa americana General Dynamics e destinados ao Exército português.
      Este post foi-me sugerido pela leitura de um texto do blogue dos revisores do Le Monde, aqui.

19.9.09

Léxico: «porta-valores»

Imagem: http://jn.sapo.pt/

Valores



      «Dezassete mil euros foi quanto rendeu o ataque que um “solitário” armado protagonizou este sábado à tarde contra um porta-valores da empresa Esegur, na Pontinha. O roubo registou-se quando o porta-valores procedia à reposição de uma caixa Multibanco, junto a um centro comercial, confirmou ao 24horas fonte policial» («Assalto a porta-valores rende 17 mil euros», Valdemar Pinheiro, 24 Horas, 14.09.2009, p. 15). A lei designa-os vigilantes porta-valores. É a primeira vez que vejo a designação na imprensa, que habitualmente se lhes refere como seguranças. Quanto aos veículos em que se faz o transporte dos valores, são, como se sabe, carrinhas de valores (mas, por vezes, referidos como blindados): «Na Charneca da Caparica, Almada, quatro homens atacaram uma carrinha de valores estacionada junto a um banco» («Duas carrinhas atacadas», Miguel Curado, Correio da Manhã, 20.08.2009, p. 11).

Actualização em 21.09.2009

      Uma portaria (n.º 1084/2009, de 21 de Setembro) do Ministério da Administração Interna, publicada hoje, fala em «vigilante de transporte de valores».

18.9.09

Léxico: «bidiário»

Mais uma só deles

      «Quim, responsável pela formação dos sadinos, que ontem orientou a sessão bidiária da equipa, é o técnico eleito pela SAD para dirigir os sadinos no jogo de domingo, na Figueira da Foz, ante a Naval.» O revisor antibrasileiro embirra com a palavra «bidiário», «inventada pelos jornalistas». Também não a encontro atestada em nenhum dicionário, mas o certo é que na imprensa desportiva é de uso comum. Se há bissemanal, bimensal, bienal (ou bianual), porque não forjar bidiário? O revisor antibrasileiro não concordaria com a afirmação de Henry Becque de que não temos tempo para observar os outros, não temos tempo para os escutar: há apenas tempo para dizer mal deles. Não, não, ele também quer doutriná-los. Vai ter com eles, argumenta: «Se se realiza duas vezes ao dia, como é que é “a sessão”?»

Níveis de língua

Uma questão de nível


      «O escandaloso comportamento de Irby ocorreu a 26 de Março num voo entre Bangalore (Índia) e Londres. Mal o avião levantou voo, a herdeira começou a falar alto com o passageiro da fila de trás, Daniel Melia, que viajava com a namorada. Esta chateou-se e mudou-se para outra zona do avião, e foi então que Irby e Melia começaram a “flirtar descaradamente”. Num ápice consumiram três garrafas de vinho» («Socialite britânica bêbeda em avião», Ricardo Ramos, Correio da Manhã, 17.09.2009, p. 33). Está aqui em causa o nível de língua. Chatear(-se) provém do calão, e há muito entrou na linguagem familiar. O jornalista devia perceber isto. Mas há sempre a Iniciativa Novas Oportunidades…

Bem-comportado/malcomportado

Distraídos

      É um dos erros mais comuns: «É prudente desconfiar de gente com ar de bem comportada que se propõe moralizar a pátria. O País já teve uma má experiência na era democrática. Uns tantos homens bons (inspirados por um general Presidente da República, homem dotado de rara sensibilidade política que o levou a incompatibilizar-se com todas as bancadas parlamentares) fundaram um novo partido — Partido Renovador» («Os novos renovadores», Manuel Catarino, Correio da Manhã, 17.09.2009, p. 29).


BATE é acrónimo


Até que fura

      «Mais de cinquenta mil pessoas são esperadas na Luz amanhã, para ver o jogo entre as águias e o Bate Barisov» («Bate Barisov rende um milhão», Correio da Manhã, 16.09.2009, p. 11). Consoante pender mais para o bielorrusso ou para o russo, ora será Barisov ora Borisov. Mas nunca é Bate, pois trata-se de um acrónimo: BATE.

Ortografia: «héli»

Acertaram em Julho

      «Bombeiros com medo de que o heli explodisse» (Luís Oliveira, Correio da Manhã, 14.06.2009, p. 10). «Felipe Massa recebeu assistência ainda no circuito sendo transportado de héli para o hospital» («Massa sobrevive a acidente a 200 km/h», João Paulo Godinho, Correio da Manhã, 26.07.2009, p. 39). «Depois de ter feito campanha num barco e de comboio, ontem o coordenador do BE sobrevoou a serra da Arrábida de helicóptero, Francisco Louçã fez a viagem a bordo de um ‘heli’ Agusta Westland 139» («Louçã sobrevoa a Arrábida», Correio da Manhã, 16.09.2009, p. 28). Em três meses, três formas de grafar o vocábulo (redução, como já aqui vimos). As probabilidades de acertarem aumentam.

Tradução: «imbeccati»

Mal ensinados


      «Para o primeiro-ministro italiano, as revelações que nos últimos meses têm vindo a público sobre as suas festas privadas não passam de “calúnias”, contra as quais — garante — tem o direito de se defender com todos os meios ao seu alcance. “Um chefe de governo que vê como se difama o seu próprio país por parte de uns diários ensinados e que está calado sem reagir não tem o direito de recorrer aos meios legais para defender que isso não é liberdade de Imprensa, mas que se chama na realidade difamação?”, questionou o primeiro-ministro» («“Há canalhas na Imprensa”», Ricardo Ramos, Correio da Manhã, 17.09.2009, p. 31). «Diários ensinados»? No sítio da TVI, a tradução, porque é disso que se trata, ainda era pior: «“Um chefe do Governo que vê como se difama a seu próprio país por parte de uns diários leccionados e que esteve calado sem reagir, não tem o direito de recorrer a meios legais para defender que isso não é liberdade de imprensa mas se chama difamação?», assinalou o primeiro-ministro.» O diário La Stampa reproduziu as declarações do primeiro-ministro italiano: «Un capo del governo che vede diffamare il proprio Paese da giornali chiaramente imbeccati, che è stato zitto per tutto il tempo senza reagire, non ha nemmeno il diritto di adire alle vie legali per sostenere che questa non è libertà di stampa ma si chiama diffamazione?» A palavra é então imbeccati, particípio do verbo imbeccare, usado aqui em sentido figurado: «Istruire qlcu., suggerendogli cosa dire o cosa fare.» Industriados, instruídos, doutrinados seriam boas traduções.

17.9.09

Léxico: «reconfortável»

Desde 1899

      «O mítico ‘Camarada João’, como era venerado pelos militantes, passa despercebido na imagem — mas é ele mesmo, em carne e osso, e o seu inconfundível bigode. É reconfortável saber que Arnaldo Matos ainda é do MRPP. Já lhe passou a mania de querer ser o grande educador da classe operária» («Arnaldo Matos ainda é do MRPP», Manuel Catarino, Correio da Manhã, 16.09.2009, p. 29). O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora regista-o, sim, mas os corpora da língua não o conhecem de lado nenhum, registando antes reconfortante.



Ortografia: «gás pimenta»

Mostarda, pimenta...

      «Dois agentes ficaram feridos e um civil teve de ser manietado com recurso a gás pimenta» («Carro-patrulha apedrejado», M. C., Correio da Manhã, 16.09.2009, p. 13). Pois é, mas no dia 11 escreveram assim: «Durante a operação policial, a 13 de Maio deste ano, as equipas da 5.ª Esquadra de Investigação Criminal da PSP apreenderam a um dos suspeitos uma pistola da marca Taurus, calibre 6,35 mm, uma lata de gás-pimenta e um par de matracas em madeira com corrente de metal» («Seguranças do K batem e roubam», Henrique Machado, Correio da Manhã, 11.09.2009, p. 8). O Dicionário Houaiss regista gás de mostarda. Habitualmente, porém, lê-se gás mostarda. Por analogia, escrever-se-á então gás (de) pimenta.

Léxico: «gravata»

Tira de tecido que…

      «“O que ia atrás de mim fez-me uma gravata. O outro roubou-me logo a carteira e as chaves do carro”, recordou o taxista. Os dois ladrões saíram do carro e desapareceram num canavial. A GNR de Vialonga tomou conta da ocorrência, tendo José Marques necessitado de receber tratamento hospitalar» («“Um susto enorme”, Miguel Curado, Correio da Manhã, 16.09.2009, p. 13). Não são muitos os dicionários que registam esta acepção de «gravata». O sublime Dicionário Houaiss fá-lo: «golpe em que o atacante, posicionando-se atrás do adversário ou da vítima, lhe cinge o pescoço com o braço, sufocando-o».

16.9.09

Pontuação

Inimputáveis gramaticais

      «Fernando Pessoa é a partir de hoje tesouro nacional por determinação do Ministério da Cultura que publicou ontem em Diário da República o decreto-lei que assim designa o espólio do poeta de ‘Mensagem’» («Fernando Pessoa é tesouro nacional», Dina Gusmão, Correio da Manhã, 15.09.2009, p. 40). Para o Correio da Manhã, há vários Ministérios da Cultura. Uns declaram o espólio de Fernando Pessoa tesouro nacional, os outros sabe Deus o que fazem. Sim, tem razão, caro leitor, o fecho deste texto tem de ser este: será que os revisores entendem? Os jornalistas bem sabemos que não.

Concordância

Esmiuçar as faltas

      «Nos estúdios da SIC, Ricardo Araújo Pereira, em tom jocoso, foi avisando. Estava ali para entrevistar o primeiro-ministro José Sócrates, “não para o hostilizar”. Guardava o confronto para “os professores e os enfermeiros”. Mas na primeira entrevista de 11 minutos do ‘Esmiúça os Sufrágios’, ontem à noite na SIC, não faltou perguntas “marotas”» (“Gosto do humor ‘non sense’ deles”», Eugénia Ribeiro, Correio da Manhã, 15.09.2009, p. 43). Na notícia, faltaram os conhecimentos gramaticais. Falta sempre qualquer coisa.

Pontuação


Só um mas alegre

      Para o Correio da Manhã, a Juventude Social-Democrata (e o hífen, rapazes?) só tem um membro — e nem sequer é o presidente: «A versão original é de António Variações, mas a adaptação já vem das Europeias e é da autoria do militante da ‘Jota’, António Padez» («Variações na campanha», Correio da Manhã, 15.09.2009, p. 28). Será que os revisores entendem? Os jornalistas bem sabemos que não.

Léxico: «muar»

Ornejam mas não mordem


      Paulo Portas andou pelo Minho em campanha eleitoral. «Em Ponte de Lima, acompanhado de Daniel Campelo, Portas afirmou: “Só no CDS é que é possível o som de uma campanha ser tão natural e tão perto do trabalho, o muar das vacas”» («Cativar os agricultores», Correio da Manhã, 15.09.2009, p. 26). Até acredito que o líder do CDS tenha dito isso para se mostrar próximo e entendido. A estrita obrigação do repórter, ao transcrever as declarações de Paulo Portas, era corrigir o erro. Sim, o vocábulo existe — mas designa a voz dos equídeos, especialmente do burro. Muar é soltar zurros, azurrar, ornear, ornejar…

15.9.09

Crescente e crescendo

Broken music


      Na colectânea de intervenções de Manuela Ferreira Leite que a Antena 1 passou antes da entrevista que a líder do PSD acabou de dar a Maria Flor Pedroso, apareceu a possível futura primeira-ministra de Portugal a afirmar que o Dr. Alberto João Jardim tem vindo a ter «votações cada vez mais crescentes». Não bastava, ao «bom povo da Madeira», que as votações fossem «crescentes», tinham de ser «cada vez mais crescentes».
      E por falar em crescente. Recentemente, o revisor antibrasileiro chamou-me a atenção para um destaque de uma peça. «Veja: está aqui “em crescimento”, mas habitualmente os jornalistas escrevem “em crescendo”. Em vez de um nome, um verbo!» (E escrevem mesmo: «“Ela tem melhorado muito e tem-no mostrado. Todo o seu jogo foi em crescendo”, concluiu a francesa sobre a vitória de Vesnina.») Bem, nem o étimo era um verbo, pois em italiano também é um substantivo masculino invariável, com o mesmo significado («Graduale intensificazione del suono, passaggio dal piano al forte.»), e isto logo no início do século XIX. Com revisores assim, talvez não precisemos de ser castigados com maus jornalistas.

14.9.09

«Correr atrás do prejuízo» I

Só prejuízo

      Sim, também me divirto (se não é crime). Por exemplo, quando leio a expressão correr atrás do prejuízo, tão do agrado dos jornalistas desportivos: «A equipa do Sporting não está a fazer um bom início de época e mais uma vez sentiu muito a pressão de ter de ganhar, pois está a correr atrás do prejuízo.» João Batista Gomes, na página 52 da sua obra O Humor do Português (Manaus: Linguativa, 2007), não tem dúvidas: «É expressão popular e sem sentido. Por uma questão de bom senso, não se deve “correr atrás de prejuízo”. Deve-se correr atrás de vantagem, atrás de emprego, atrás de mulheres (dependendo do preparo físico).» J. Milton Gonçalves não deixa de a citar na obra Gafes Esportivas (São Paulo: IBRASA, 2006). Para ser brando, só digo que me parece expressão bem estulta.

Prosónimos e «defeso»

At one stroke

      Bem sei que o revisor antibrasileiro estava escaldado por, na véspera, um jornalista ter escrito Capital da Mobília, mas, ainda assim, devia ter reflectido mais quando lhe apareceu Cidade do Lis e ele emendou para cidade do Lis: «O médio, autor do segundo golo, chegou a ser anunciado no defeso, como reforço vitoriano, mas acabou por rumar à cidade do Lis.» (Ah, sim, cada vez que leio, e é todos os dias, «defeso» no âmbito do futebol não deixo de dar uma gargalhada. Para os dicionários e para milhões de falantes, «defeso» ainda é só a época do ano em que é proibido caçar ou pescar.) Os pobres jornalistas vão ficar perplexos: eu a doutriná-los pacientemente na grafia correcta dos prosónimos, este tratante a destratar assim a língua de uma penada inepta.

Jornalismo desportivo

Imaginação, precisa-se


      Ultimamente e com uma insistência quase doentia, um dos modos de dizer mais usados por alguns jornalistas é «ele que». Valha este exemplo (modificado): «O extremo-esquerdo ainda só foi utilizado duas vezes, mas ganhou ritmo ao serviço da selecção uruguaia no duplo confronto de apuramento para o Mundial, ele que na época transacta até brilhou em Inglaterra, frente ao Manchester United, apontando um dos dois golos dos dragões.» E é impressão minha ou antigamente escrevia-se Dragões, Leões e Águias? Agora todos os jornais escrevem estas palavras com minúscula inicial.

Dupla negativa e revisão

Palavra-chave


      Pode ter falhas inconcebíveis (anteontem perguntava-me se grafo elemento-chave com hífen. Que sim, respondi-lhe, acrescentando que podia consultar o dicionário e procurar palavra-chave, talvez a única que os dicionários registam que pode servir de analogia), mas o revisor antibrasileiro é escrupuloso como nunca vi ninguém no que respeita a repetições de palavras e a faltas de concordância. Rever bem exige sempre olhar lá para a frente da frase e, ao mesmo tempo, não nos esquecermos do que ficou para trás. E chamou-me a atenção para a seguinte frase, revista por outro revisor: «Nem mesmo outros elementos que fazem parte do conselho directivo, conselho fiscal e assembleia geral não estão entre os alvos de Bettencourt que pretendia mesmo “acertar nalguns agitadores”.» «Nem de pão não nos fartamos», escreveu Gil Vicente no dealbar do século XVI. Para leitores de um desportivo, alguns semiletrados, pode ser demasiado.

«Juíza de linha», «juiz-árbitro»

Serena, Williams

      O revisor antibrasileiro tem razão: a categoria de juiz-árbitro, no ténis, é um conceito redundante. Peguem num dicionário e consultem os verbetes «juiz» e «árbitro». Nas acepções relativas ao desporto vemos, respectivamente: «o que, em jogos ou provas desportivas, fiscaliza a observância das regras; árbitro» e «indivíduo que, em jogos desportivos, fiscaliza a observância das regras». É como juntar dois cavalos: não dá nada, não há prole. Eu sei: especificidades do desporto. Também andou bem o revisor ao emendar para juíza de linha, pois sabia que tinha sido uma mulher a desempenhar a função. Contudo, se afirma seguir sempre o que regista o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, edição de 2003, teria de ter grafado juíza-de-linha (que também regista juiz-de-campo). O Dicionário Houaiss regista juiz de linha, e a meu ver bem, pois escreve-se juiz de direito, por exemplo.

Sobre «míster»


Faz-se mister


      Admito, admito: míster, do inglês mister, a significar treinador de futebol (!) está aportuguesado, e, sendo assim, devemos usá-lo: «“Temos de cumprir os objectivos tácticos do míster.” Foi, decerto, por influência da presença de treinadores ingleses em clubes portugueses que se passou a usar o termo com uma sonoridade bem portuguesa. Na última versão electrónica do Dicionário Houaiss, que estou a usar, com mais de 442 mil entradas, locuções e acepções, não se regista esta acepção nem o aportuguesamento. É mesmo coisa nossa...

Sobre «suprir»

Ora bem


      «A central do Pego supre 11 por cento da electricidade em Portugal e é o segundo maior emissor de CO2 no país» («Central do Pego estuda enterramento de CO2», Público, 10.09.2009, p. 22). O verbo suprir não é muito usado, e muito menos esta acepção de abastecer, prover. Etimologicamente, o verbo latino suppleō (subpl-), ēvī, ētus, ēre significava tão-somente «encher de novo». Na frase, não foi usado como transitivo indirecto, pois não tem o complemento regido pela preposição a (com certos verbos, com a preposição para). Como bitransitivo ou biojectivo (e Maria Tereza de Queiroz Piacentini lembra «que já não se fala em “bitransitivo”, mas em “transitivo direto e indireto”), também não. Que acham os meus leitores?

Actualização às 16.42

      Só a Academia Brasileira de Letras me respondeu: «O verbo suprir pode ser regido pelas preposições de, com e a. (TDI: supri-lo de, com...) A construção: ...supre 11% da electricidade em Portugal ...está correta. Suprir a uma família (TI).»

13.9.09

Léxico: «implantes cocleares»

Imagem: http://www.ivsordera.com/

Não compreendem, não



      «Três médicos e dois funcionários do Centro Hospitalar de Coimbra (CHC) e dois gestores de empresas fornecedoras de implantes cocleares, um deles suíço, vão responder em tribunal por corrupção e falsificação de documentos» («Três médicos julgados por corrupção», I. J., Correio da Manhã, 12.09.2009, p. 19). A preocupação é sempre a mesma: o leitor médio compreenderá o que são implantes cocleares? Tanto como se o jornalista tivesse escrito ouvidos biónicos.

Ortografia: «lobista»

Parem!

      «As confissões dizem respeito a uma relação com Heidi Dejong Barsuglia, 19 anos mais nova, e representante, ou ‘lobbista’, da Sempra Energy. Ela veio a público negar tudo e a empresa que representa afirmou desconhecer o caso da empregada com o deputado» («Conversa sexual demite deputado», F. J. Gonçalves, Correio da Manhã, 12.09.2009, p. 33). Lobbista, a sério? Ainda em Junho escreviam lobista: «Segundo o ‘Corriere della Sera’, Tarantini cobrava ainda dinheiro para exercer influência sobre Berlusconi. Chegou a cobrar 150 mil euros por ano ao Grupo Intini enquanto lobista» («Cocaína nas festas», Sabrina Hassanali, Correio da Manhã, 25.06.2009). Talvez não seja propriamente um recuo, mas mais uma tergiversação lamentável.

Como falam os políticos

(Fiquei muito contente por comprovar que não fui o único a ver naquele sinal de V o
coelhinho da Playboy. Luís Aguiar-Conraria viu o mesmo)

Tema para tese


      Enquanto não chega um estudo completo e sério que analise a linguagem dos políticos portugueses, ficamos com estes apontamentos jornalísticos: «Manuela Ferreira Leite — que já não diz “piquenas”, mas não consegue disfarçar o vocabulário curto e a sintaxe sem ordem que lhe atrapalham as frases e as ideias — garante que isto só lá vai com as pequenas e médias empresas — e, para isso, quer aliviá-las do pagamento especial por conta, tributação que ela própria agravou quando era ministra das Finanças no Governo chefiado por Durão Barroso» («Já não diz “piquenas”», Manuel Catarino, Correio da Manhã, 12.09.2009, p. 29). Claro que «sintaxe sem ordem» é algo oximorónico (e «sintaxe desordenada» ainda o seria mais, mas o jornalista não nos quis dar tal alegria).

Ortografia: «magnetoeléctrico»

É só copiar


      «O Mercedes-Benz S 400 Hybrid, o primeiro automóvel híbrido do Mundo a utilizar baterias de iões de lítio, tem por base a versão a gasolina S 350 e vem equipado com um motor magnético-eléctrico de 20 cv e caixa automática de sete velocidades, a 7G-Tronic, configurada para módulo híbrido» («Mercedes-Benz aposta na tecnologia híbrida», Correio da Manhã/«Sport», 12.09.2009, p. 22). E daí talvez não. Ontem vimos que o jornalista deveria ter grafado piezoeléctrico (ou piezeléctrico); hoje, é magnetoeléctrico (ou magneteléctrico). O jornalista leu na apresentação do modelo: «Hybrid drive system with an optimised V6 petrol engine, magneto-electric motor and modified 7G-TRONIC guarantees high responsiveness in addition to the reduced fuel consumption.» E não pensou duas vezes: magnético-elécrico. O revisor achou que o jornalista não podia deixar de ter razão.

Ortografia: «top model»


Porquê?


      «A top-model Claudia Schiffer fez um ensaio ousado para a edição de Outubro da revista ‘Vogue’ alemã, uma edição especial de aniversário» («Ousada e sensual», Correio da Manhã, 12.09.2009, p. 49). Os anglo-saxónicos escrevem top model; alguns de nós escrevem top-model.


12.9.09

Ortografia: «piezoeléctrico»

Assim não anda


      «No caso dos motores CDI de quatro cilindros as “performances” conseguidas ficam a dever-se aos novos injectores piezo-eléctricos e ao turbo de dois níveis» («Mercedes-Benz, familiar “premium”», Adriano Oliveira, Jornal de Negócios, 11.09.2009, p. 18). Nem é preciso perceber de mecânica para saber que está errado — basta conhecer a língua. Não conheço nenhum vocábulo português com o antepositivo de origem grega piez(o)- que tenha hífen.

Ortografia: «juiz-desembargador»

Semana sim, semana não

      «A sua juventude, aliada ao arrependimento que “pareceu sincero” aos juízes desembargadores, contribuiu para a decisão final» («Homicídio de rapariga com perdão de 4 anos», Paula Gonçalves, Correio da Manhã, 2.09.2009, p. 14). «“A comissão, através de mim, vai contactar os doentes para saber se estes aceitam participar no processo de mediação. Depois será emitida uma declaração e começaremos a trabalhar”, disse o juiz-desembargador, que conta ainda durante esta semana falar com os doentes. “Vamos averiguar os danos causados e depois propor um valor de indemnização”» («Cegos ouvidos esta semana», André Pereira, Correio da Manhã, 8.09.2009, p. 17).
      A Base XXVIII do Acordo Ortográfico de 1945 — o único que interessa — autoriza a grafia com hífen. No Correio da Manhã, se não sabiam no dia 2, no dia 8 já o sabiam. Vamos agora ver se na próxima semana ainda se lembram.

«Noite», coloquialismo

Colóquios

      «Polícias sob escuta por ligações à noite» (Tânia Laranjo/Manuela Teixeira, Correio da Manhã, 9.09.2009, p. 4). Quase somos levados a crer que um dicionário que registe o coloquialismo noite na acepção de «actividades de divertimento e lazer realizadas durante esse período de tempo; vida nocturna» é perfeito, mas depois, sempre insatisfeitos, não apenas verificamos que quase todos os dicionários o registam, como ficamos frustrados por estes apresentarem tantas lacunas. E onde é que esta marca da expressão oral registada na expressão escrita é usada? De textos jornalísticos a acórdãos. Há coloquialismos com sorte.

11.9.09

«Fixed-gear»: «carrete preso»


Sem travões    


      «Dentro de uma semana, João David Moreira, de 25 anos, tenciona sair da garagem da avó com uma montada nova. Um detalhe: tem duas rodas traseiras, para usar de forma alternada. Uma delas é “carrete preso”. No original, “fixed-gear” — a última tendência urbana em Portugal» («Olha agora: sem mãos, sem pés…», Joana Stichini Vilela, i, 8.09.2009, p. 41). Não sabia disto, e se eu gosto de bicicletas… A observação de que «no original» se designa “fixed-gear” só pode ser para rir. Se a jornalista tivesse começado por afirmar que é uma moda que vem dos EUA e que em inglês carrete preso se diz fixed-gear, já se justificava. Mas sim, é a última tendência e tem uma legião de fãs. Em alguns sítios, leio «carreto» em vez de «carrete», mas é incorrecto: nem nesta acepção de pequena roda dentada ou peça cilíndrica utilizada em vários maquinismos nem em qualquer outra são vocábulos sinónimos. A propósito, têm aqui um glossário relativo à bicicleta em várias línguas. De nada.

«Substâncias de corte»

Nome de baptismo

      «Depois de feitas as devidas misturas com substâncias de corte, cerca de meio quilo de droga chegava às vivendas dos condomínios privados por cerca de vinte mil euros a dividir por todos — o grama de cocaína não custa menos de quarenta euros» («‘Telecoca’ chega à alta-sociedade», Henrique Machado, Correio da Manhã, 8.09.2009, p. 8). Sabemos que aquelas substâncias de corte são substâncias — açúcar, talco, estricnina, etc. — que se adicionam às drogas para lhes aumentar o volume. Por vezes, são também designadas como substâncias de traço. Tenho sérias dúvidas que o leitor comum do Correio da Manhã conheça o conceito. E donde vem aquele «corte»? Do inglês cut, pois claro!, que traduzido dá «corte». Contudo, aquela acepção do verbo inglês significa adulterar, como em «to cut the whiskey with water», que poderíamos traduzir por baptizar.


«Alta-sociedade»?

Como alta-roda


      Numa só página do Correio da Manhã, com uma peça principal e dois pequenos textos, aparece três vezes alta-sociedade e duas alta sociedade. Desleixo óbvio da revisão, mas não é disso que vou falar. O título do artigo principal era, do ponto de vista linguístico, sugestivo: «‘Telecoca’ chega à alta-sociedade». Por analogia com alta-costura e alta-fidelidade, alto-forno e alto-mar, decerto que também se deve grafar com hífen. Esta é uma das questões que se esperava que um acordo ortográfico resolvesse. A Academia Brasileira de Letras, porém, é de opinião que alta sociedade não forma um todo semântico e significativo; é um adjectivo e um substantivo sem formarem um nome composto.

10.9.09

Sobre «stress»

Imagem: http://www.hamiltonhall.info/

Ora aí está



      «“Estamos perante um fenómeno que pode ter pouca expressão em termos de taxas percentuais, mas que, em números absolutos, impõe um ‘stress’ grande às unidades de saúde”, realçou Francisco George, que já em Agosto antecipava “duas a três semanas” de maior actividade epidémica da Gripe A» («“Papão” da gripe A cura-se com menos de quatro euros», Lúcia Crespo, Jornal de Negócios, 7.09.2009, p. 5). Ler estresse deixa-me doente, mas talvez menos do que ver stresse. Convenho que, à primeira vista, se reconhece menos o termo inglês no primeiro que no segundo. Contudo, não é isso que aqui está em causa, mas a necessidade de utilizar o próprio estrangeirismo. Há dias, num vislumbre aos canais de televisão, passei por um filme em que o tradutor optara por verter stress por tensão.


Influir e influenciar

Não desta vez

      Um leitor diz-me que na edição de hoje do jornal Público se lê o seguinte título: «Vera Jardim diz que caso pode influir nos resultados». E pergunta, como outros leitores perguntaram antes a propósito de outras frases: «Terá sido só para caber no título da caixa?» Mas não: nesta acepção de exercer influência, influir é sinónimo de influenciar. Ainda que o espaço da caixa do título tenha pesado na escolha deste verbo, não há nenhum atropelo.

9.9.09

Sobre «botellón»


Noitadas e copos

      Depois da movida, era quase inevitável: também o botellón chegou a Portugal. Na imagem, vemos a reprodução de um folheto de divulgação de um megabotellón (incorrectamente escrito porque escrito por estudantes universitários?) em Coimbra. E no dia 11 de Setembro de 2008, lia-se o seguinte título no Jornal de Notícias: «Bares prometem travar “botellón” nos Clérigos». Mas desta vez a notícia vem mesmo de Espanha: «Chamada ao local, uma viatura da polícia foi imediatamente apedrejada por um grupo de jovens que se encontrava no local a participar num ‘botellón’, as populares festas ao ar livre habitualmente regadas com muito álcool» («Noite de violência às portas de Madrid», Ricardo Ramos, Correio da Manhã, 8.09.2009, p. 32). «Festas populares»? Botellón é o nome que se dá em Espanha ao costume de jovens, reunidos em grandes grupos, consumirem bebidas alcoólicas na rua.

Disparates na televisão


Burradas

      Na redacção. Várias televisões ligadas. Todas sem som, felizmente. Numa delas, passavam os Jogos Surdolímpicos (ah, nunca tinham lido a palavra… Fiquem também com a correspondente inglesa: Deaflympics), em Taipé. Noutra, o concurso Jogo Duplo, apresentado por esse ícone — ts, ts, ts — cultural que é José Carlos Malato. Em rodapé, uma pergunta: «Um rebanho asinino é composto por: búfalos, carneiros, burros.» Então o colectivo rebanho não designa o grupo numeroso de animais domésticos herbívoros (em especial, gado lanígero) que, em regra, é guardado por um pastor? Bem faz D. Duarte Pio, que não tem televisão em casa, e não há-de ser por isso que não ascenderá ao trono.

Léxico: «leixão»

Explicado

      «Após a queda do leixão da praia Maria Luísa, Albufeira, a 21 de Agosto, que provocou a morte de cinco pessoas, o Ministério do Ambiente ordenou novas inspecções de Norte a Sul [sic] do País» («Litoral em risco», João Tavares, Correio da Manhã, 8.09.2009, p. 20). Leixão, termo que raramente se vê, designa o penedo destacado na costa marítima. Ah, sim, agora já sabem de onde vem o topónimo Leixões.


8.9.09

Léxico: «microempresário»

Não percebo

      «A curto prazo 5190 pequenos e microempresários vão abandonar a actividade e sair do mercado, engrossando as fileiras do desemprego» («5190 empresários saem do mercado», Diana Ramos, Correio da Manhã, 7.09.2009, p. 20). Para o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, se há microempresas, não há microempresários. Mas há microengenharia e microengenheiros. Incoerências. O Dicionário Houaiss, em contrapartida, não apenas regista microempresário, como também o colectivo microempresariado e o adjectivo microempresarial.

Léxico: «financista»

Por aí


      «Uma Thurman não dispensou a pompa para se casar com o financista milionário Arpad Busson», lia-se na página 49 da edição de ontem do Correio da Manhã. Já em Abril o Diário de Notícias assegurara que «a actriz terá dado o nó com o multimilionário». Milionário ou multimilionário, o empresário suíço aparece na imprensa de língua inglesa como financier, que se pode traduzir por «financeiro» ou por «especialista em finanças». E financeiro, já aqui vimos, tanto significa o indivíduo versado em finanças como banqueiro. Financista, finalmente, é a pessoa especialista em finanças. É vocábulo muito pouco usado.

Máster, masterizar, remasterizar

Máster como póster

      Num texto datado de 2001, «Estrutura de Graus do Ensino Superior em Portugal», da autoria de José Novais Barbosa, ex-reitor e professor jubilado da Universidade do Porto, lê-se: «Aceitação da designação de “licenciatura” (embora se preferisse a de “bacharelato”) para o grau obtido no primeiro ciclo de estudos e introdução de um neologismo — que se propõe seja “máster” para não ser confundido com o mestrado — designando o grau obtido no final do segundo ciclo de estudos.» Esta questão está relacionada com a da distinção major/minor,aqui tratada, que se revelou matéria pouco consensual. Entre as acepções do termo aportuguesado (registado, por exemplo, no Dicionário Houaiss) máster não se encontra a do texto citado. E a propósito, lia-se na edição de ontem do Jornal de Negócios: «Beatles re-masterizados e em vídeojogo» (JN/«Investidor Privado», 7.09.2009, p. 2). Claro que é remasterizados que deveriam ter escrito, como se lia no Correio da Manhã: «O catálogo completo de gravações dos Beatles será reeditado em CD a 9 de Setembro, estando as canções remasterizadas digitalmente pela primeira vez.» O Dicionário Houaiss regista masterizar, masterização e remasterização.

7.9.09

Natural de Trindade e Tobago


Imagem: http://coastalcruzn.files.wordpress.com/


Feio como um trombone


      Na redacção: «Trindade e Tobago. Já há muito tempo que não aparecia. Como se chamam os naturais?» Silêncio de largos segundos. «Trinitários.» Pois é… e Tobago? O Dicionário Houaiss regista Trinitário-Tobagense. Já sabemos que Tobago é corruptela, mas veja-se o que acontece com Pompeia. É bem escusado tentarmos impor a forma Pompeios. Ninguém leva a sério (mas sim: a ignorância é risonha). No romance Em Nome da Terra, de Vergílio Ferreira, o narrador, João, viúvo e reformado, anota: «Olho o fresco de Pompeia. Ou não bem de Pompeia mas de Estábias que fica logo a seguir e ao sul. Ou talvez não de Pompeia mas de Pompeios que é um nome feio como um trombone (trombone?)»

Cara a cara/cara-a-cara

Acho eu

      «Já dentro da papelaria, e cara-a-cara com o funcionário da Esegur, a dupla efectuou mais um disparo» («Invadem papelaria a tiro», Miguel Curado, Correio da Manhã, 4.09.2009, p. 1). Sendo locução adverbial de modo, escreve-se cara a cara, tal como frente a frente, ao passo que os respectivos substantivos se grafam cara-a-cara e frente-a-frente.aqui vimos a diferença. Se no primeiro semestre deste ano o Correio da Manhã é o diário generalista com mais vendas, com 115 094 exemplares vendidos diariamente, todos — jornalistas, editores e revisores — deviam ter ainda mais cuidado com a forma como escrevem.

Léxico: «tram-train»

Decerto que sim

      «Os novos veículos tram-train do Metro do Porto vão estar em exposição nas estações da Trindade, da Senhora da Hora e da Póvoa de Varzim, com visitas guiadas a partir de hoje» («Tram-train expostos», Correio da Manhã, 6.09.2009, p. 27). São várias as publicações que usam o vocábulo. Na página da Internet da RTP, lê-se que o «Sistema de Mobilidade do Mondego prevê a circulação de um metro ligeiro de superfície do tipo “tram-train” — com capacidade para circular nos eixos ferroviários, urbanos, suburbanos e regionais — no Ramal da Lousã (Coimbra-Serpins), e na cidade de Coimbra». Pergunto-me é se não haverá um termo português para designar este tipo de transporte híbrido.

6.9.09

Estrangeirismos

Dois light rails, s. f. f.


      «O plano prevê ainda ligações através de metro ligeiro (light rail) às zonas de mais difícil acesso pelo metropolitano, nomeadamente ao Alto da Ajuda» («Metro vai ter 33 novas estações», Raquel Oliveira, Correio da Manhã, 2.09.2009, p. 19). Não vá o leitor querer comprar um metro ligeiro no estrangeiro para pôr a circular no quintal, o jornalista acha indispensável indicar o nome em inglês. Nunca se sabe, não é?

Léxico: «banana»

Imagem: http://www.adventurebyyou.pt/

Um dia



      «Uma jovem de 19 anos foi ontem transportada para o Hospital de Faro, depois de se aleijar ao cair de uma ‘banana’ puxada por uma mota de água, na praia de Altura, no Algarve, por volta das 19h30» («Ferida numa ‘banana’», Correio da Manhã, 23.08.2009, p. 56). Por enquanto, ainda não está dicionarizado e os jornalistas julgam que precisa de aspas, mas dentro de alguns anos, como sucedeu com a ficha eléctrica individual de forma alongada, será mais uma acepção do vocábulo: bóia insuflável de forma oblonga que é rebocada por um barco.

5.9.09

«Protegente»?

Podia ser


      A propósito da acusação de Luís Filipe Menezes de que o PS utilizou a base de dados da TV Cabo para convocar os munícipes de Gaia para uma acção partidária em Oliveira de Douro, Mário Crespo, na SIC Notícias, entrevistou o advogado, especialista em tecnologias da informação, Pedro Simões Dias, que afirmou que a Lei da Protecção de Dados Pessoais é «demasiado protegente». Ora aqui está um particípio presente latino — inexistente, e é pena, na língua portuguesa — a ser usado como adjectivo.

4.9.09

O símbolo de grama


Nunca mais

      «O condutor de um ligeiro envolvido numa colisão, sem feridos, na madrugada de ontem, na rua António Sérgio, na Guarda, acusou uma taxa de álcool de 2,73 gr/l» («Álcool ao volante», Correio da Manhã, 2.09.2009, p. 12). Será possível que ainda ninguém tenha dito nada aos revisores do Correio do Manhã, que há anos a fio andam a errar nisto? O símbolo (não abreviatura, como ouço até revisores afirmarem) de grama, unidade de medida de massa, é g. Como símbolo, é um sinal convencional e invariável (não tem plural) utilizado para facilitar e universalizar a escrita e a leitura das unidades SI. Por ser símbolo e não abreviatura, não é seguido de ponto. E é do género masculino.

Léxico: «chambrista»

Imagem: http://re21.wordpress.com/

Essa praga



      «As ‘chambristas’ de Peniche, que alugam quartos a turistas nas suas habitações privadas entre Junho e Agosto, afirma que “a crise se faz sentir com muita força” no negócio deste Verão» («‘Chambristas’ sentem crise no negócio», Correio da Manhã, 2.09.2009, p. 20). Podia ser pior: podiam ter optado por rumistas… Ou, ainda pior, roomistas. Escusado será dizer que nenhum dicionário regista o vocábulo.

Léxico: «espeleossocorro»


Grutas e poços

      Em Sanfins, Paços de Ferreira, dois homens, pai e filho, morreram num poço. Chamados ao local, os Bombeiros de Freamunde tentaram salvar as vítimas. Um bombeiro, contudo, apesar de estar munido de equipamento de respiração artificial, desmaiou. O Correio da Manhã entrevistou um técnico de espeleo-socorro, António Eusébio, que garantiu que por falta de oxigénio não foi, pois mesmo a profundidades superiores não falta oxigénio. Parece ser a adaptação para português da expressão francesa spéléo secours. A língua francesa usa a redução spéléo de spéléologie, que é simultaneamente elemento de formação, como em spéléonaute. Tal como o leitor Franco e Silva, também sou de opinião, face às regras explícitas do Acordo Ortográfico de 1945, que a melhor grafia é espeleossocorro, e não a que foi usada no texto citado.

3.9.09

Selecção vocabular

Imagem: http://home.howstuffworks.com/

Pior? «Claviculário»


      «Os três foram assassinados provavelmente na sexta-feira, mas os corpos, já em decomposição, só foram encontrados no final da noite de segunda. Familiares que estranharam o silêncio do casal foram à residência e, não obtendo resposta, chamaram um chaveiro e entraram» («‘Maldição’ de Collor faz mais vítimas», Domingos Grillo Serrinha, Correio da Manhã, 2.09.2009, p. 33). Para o falante médio, chaveiro é somente o lugar onde se guardam as chaves. O que defendo é que, nestas circunstâncias, o editor ou o revisor alterem o texto, já que o correspondente não teve o discernimento suficiente para o adequar ao público-alvo. A acepção de profissional que faz cópias de chaves ou que as adapta à fechadura é desconhecida entre nós.

2.9.09

Tradução: «sciencey»

Aparência

      «We are obsessed with health — half of all science stories in the media are medical — and are repeatedly bombarded with sciencey-sounding claims and stories.» O termo sciencey não aparece em dicionários unilingues, quanto mais em bilingues. O tradutor verteu-o assim: «Vivemos obcecados com a saúde — metade de todas as histórias científicas nos meios de comunicação social são médicas — e somos constantemente bombardeados com afirmações e histórias que soam a científicas.»

1.9.09

«Grelha costal»

Estão doentes     

      O jornalista tinha escrito que o jogador Pedro Moreira sofrera uma contusão da quadra costal, mas tal expressão não existe. Existe sim, e é usada em medicina, grelha costal (em francês, gril costal; em inglês, rib cage). É o nome que se dá ao conjunto das costelas, tal como se encontra disposto formando as paredes laterais da caixa torácica. Com o nome de grelha, o jornalista há-de conhecer melhor as grades de ferro para assar ou torrar sobre brasas e os quadros em que se apresentam, hora a hora, os pormenores de um programa de televisão. Quadra, por seu lado, sendo vocábulo polissémico, não pode ser usado neste sentido. Os jornalistas desportivos abusam desta linguagem médica mal assimilada. Ultimamente, tenho visto muito o traumatismo costal. Não é só ao futebolista que dói.

Léxico: «retrospectoscópio»


Prever o passado

      Embora o contexto fosse claro («[…] quando recuarmos na História, com o retroscópio, tudo o que surgir dará a impressão de levar, inexoravelmente, ao nosso episódio negativo único.»), o tradutor verteu o termo inglês retrospectoscope como «retroscópio». Por falta de atenção, decerto, mas também porque não está registado em nenhum dicionário bilingue. A definição mais satisfatória que encontrei foi no texto «Urines Are Cooking: Perspectives on Medical Slang and Jargon», de John H. Dirckx: «A mythical instrument with which the physician is supposed to achieve “20/20 hindsight”.» Em português dir-se-á então retrospectoscópio. Visão (no caso, retrospecção) 20/20 é a visão normal. Foram os oftalmologistas que determinaram que uma pessoa com visão considerada «normal» deveria ser capaz de ver a uma distância de 6 metros (20 pés no sistema anglo-saxónico) da tabela de Snellen.

«Mano a mano» II

Locução ou substantivo?

      A propósito da grafia de mano a mano, o leitor (e colega revisor) Filipe levantou a hipótese de ser como em corpo a corpo/corpo-a-corpo. E é claro que é, mas no caso tratava-se da locução adverbial. E é sempre assim, quer se trate de corpo a corpo, dia a dia, mano a mano, taco a taco: se for locução adverbial (de modo, de tempo, etc.), não terá hífenes; se for substantivo, que é sempre formado com base na locução, tê-los-á. De todas as acima referidas, o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves, regista as três primeiras e os respectivos substantivos. Chegaremos à mesma conclusão para a quarta, taco a taco, e para quaisquer outras por analogia.

Actualização em 17.11.2009

      Eis um exemplo de utilização correcta da locução: «As baixas dos Estados Unidos já ultrapassavam a centena de milhar, em muitos casos vítimas do frígido Inverno coreano e da mestria do exército chinês no combate corpo a corpo» (Indignação, Philip Roth. Tradução de Francisco Agarez. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2009, p. 36).

Actualização em 21.1.2010

      Outro exemplo de uso correcto: «Os ladrões envolveram-se numa luta corpo a corpo e o funcionário das bombas de gasolina conseguiu dominar o assaltante, alertando depois a esquadra da PSP de Tomar.» («Gasolineiro domina assaltante», Francisco Pedro, Correio da Manhã, 17.1.2010, p. 56).