30.4.09

Sigla TAC

É ver-se

      Digam lá o que disserem, o certo é que, pelo menos nas traduções, o que vou vendo é que se atribui o género feminino à sigla TAC (Tomografia Axial Computadorizada): «Para saber isso, preciso, além dessas ressonâncias magnéticas que trouxe, de uma TAC, para termos uma imagem do crânio assim como da situação do cérebro» (Património, Philip Roth. Tradução de Fernanda Pinto Rodrigues e revisão tipográfica de Eulália Pyrrait. Lisboa: Dom Quixote, 2.ª ed., 2008, p. 120). «Levaram-me para me fazerem uma TAC ao cérebro» (O Dia em Que a Minha Vida Mudou, Jill Bolte Taylor. Tradução de Alice Rocha. Lisboa: Editorial Presença, 2008, p. 75).

29.4.09

Léxico: «finning»


Há dias assim

      E há conjunções assim: ontem ao início da tarde, ouvi na Antena 1 que o Zoomarine está a pedir aos visitantes que assinem uma petição dirigida à União Europeia para a regulamentação da prática do (shark) finning. Foi a primeira vez que ouvi a palavra, ao que parece anglicismo insubstituível, que designa o corte das barbatanas dos tubarões e descarte do corpo no mar. Ao final da tarde, reparei, talvez pela primeira vez, na antena de um BMW como a da imagem. E que nome tem essa antena? Pois shark fin… Ou, se quiserem, do tipo shark fin.

Siglas e acrónimos (I)


Olha, olha…

      Venho observando, com alguma estranheza, como ultimamente se encaixam nas siglas umas letrinhas minúsculas. AdP, BdP, e por aí fora… «O Grupo Águas de Portugal (AdP) vai criar uma rede própria de abastecimento energético a partir de fontes renováveis, soube o Jornal de Negócios» («AdP entra nas renováveis para reduzir 1/3 de custos de energia», Tânia Ferreira, Jornal de Negócios, 8.5.2006, p. 4). «A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e o Banco de Portugal (BdP) vão reforçar a cooperação na supervisão financeira a vários níveis, incluindo a troca de informação estatística, o planeamento articulado de acções e a formação de equipas conjuntas» («BdP e CMVM reforçam supervisão do sector» Meia Hora, 27.2.20008, p. 8). Na sexta-feira passada, foi a vez de Miguel Esteves Cardoso, na sua crónica no Público, se meter com o abstruso acrónimo do Museu do Design e da Moda: «No mundo das letras, a liberdade é maior. Mas também há regras. As siglas podem fazer um bocadinho de batota para ficarem mais memoráveis e mais giras — mas só um bocadinho. A pseudo-batotinha [sic] genial do MoMA é incluir o “of” na sigla do Museum of Modern Art (afinal um excesso de honestidade) e sinalizá-lo com uma minúscula. Assim, em vez do tédio que seria MMA, realçaram graficamente o acrónimo e transformaram-no numa sigla pronunciável com uma bela ressonância freudiana.
      Por cá o nosso prometedor Museu do Design e da Moda, inevitavelmente fã da sigla MoMA, levou as coisas longe de mais e surge com uma sigla que é, em termos literários e de design, inaceitável. O resultado são títulos como o do PÚBLICO de ontem, que criou em mim uma expectativa falsa: Mude com Antestreia a 22 de Maio, prometia. E eu, sempre disposto a mudar através da Arte, lá fui saber se Antestreia era um filme, uma peça ou um livro.
      Mas afinal Mude era um acrónimo. Do Museu do Design e da Moda. Do MdMedM. Ou do MDM. Agora Mude? Com as últimas três letras em caixa baixa? Só porque o mundo da moda e do design é feito (bocejo) de mudança? E aquele U — foi sacado de que cu? Ca ganda lata» («What a lata!», Miguel Esteves Cardoso, Público, 24.04.2009, p. 37).


28.4.09

Léxico: «herpetofauna» e «herpetologia»

No reino animal

«Sapos e rãs, tritões, relas e salamandras. Até final do ano, no Fluviário de Mora, todos eles são embaixadores da herpetofauna nacional, representada, com fins pedagógicos, na exposição “Anfíbios de Portugal”. Comissariada por Paulo Sá e Sousa, biólogo e docente da Universidade de Évora, especialista em Herpetologia (ramo do saber que se dedica ao estudo de anfíbios e répteis), “Anfíbios de Portugal” apresenta uma selecção das principais espécies encontradas em território nacional, num alerta, também, para os riscos que pairam sobre a sua sobrevivência» («Fluviário de Mora apresenta ‘Anfíbios de Portugal’», Maria João Pinto, Diário de Notícias, 26.04.2009, p. 67). Já estamos habituados a termos técnicos semelhantes, como avifauna.

Léxico: «filactérios»

Imagem: http://noam.juniorwebaward.ch/

Portas da Esperança

«Filactérios são as duas pequenas caixas de cabedal que contêm extractos bíblicos que um judeu ortodoxo prende a si mesmo com pequenas tiras de couro — uma atada à testa e a outra ao braço esquerdo — durante as preces matinais dos dias da semana» (Património, Philip Roth. Tradução de Fernanda Pinto Rodrigues e revisão tipográfica de Eulália Pyrrait. Lisboa: Dom Quixote, 2.ª ed., 2008, p. 83). Filactérios vem do grego, língua em que significa «posto avançado; fortificação; protecção», nome adequado para o que é basicamente um amuleto. Em hebraico, por sua vez, o termo usado para referir estas caixas é תפילין, que, transcrito, é tefilin, com raiz na palavra tefilá, «prece». Não raramente, é o termo hebraico que vejo em traduções e não o português. O vocábulo «filactérios» é um pluralia tantum, de que já aqui falei. Se quiserem saber mais, visitem a Sinagoga de Lisboa. É muito melhor do que estarem aí sentados em frente ao computador.

«Por que diabo»

Vai havendo paciência

Cada vez que aqui escrevo, e já foram algumas, «por que raio» ou «por que diabo», há sempre alguém, que suponho ser a mesma pessoa, que me pergunta se não deveria ser «porque raio» ou «porque diabo». Nunca publiquei nem respondi a esses comentários. Hoje, contudo, faço-o, para ilustração do anónimo que se dá ao trabalho de comentar e de todos os que têm dúvidas. Se não há dúvida que se deve escrever «por que razão» (embora daqui a cinquenta anos ainda haja quem não tenha a certeza), por que diabo há dúvidas quanto a «por que diabo»? Que diabo!...

«Por que diabo lho dissera ela? Tinha obrigação de saber!)» (O Sonho mais Doce. Doris Lessing. 2.ª edição. Tradução de Fernanda Pinto Rodrigues. Lisboa: Editorial Presença, 2007, p. 17).
«Era o que ele tinha para me dar, era o que ele quisera dar-me, era-me devido por costume e tradição, e por que raio não mantivera eu a boca fechada e não permitira que acontecesse o que era natural acontecer?» (Património, Philip Roth. Tradução de Fernanda Pinto Rodrigues e revisão tipográfica de Eulália Pyrrait. Lisboa: Dom Quixote, 2.ª ed., 2008, p. 94).
«Afinal, perguntaria o senhor se fosse pessoa para cortar um depoimento com perguntas desnecessárias, afinal por que diabo deu o casamento em pantanas?» (Primeiro as Senhoras. Relato do Último Bom Malandro, Mário Zambujal. Revisão de Oficina do Livro, Lisboa, 3.ª ed., 2006, p. 67).

Uso do hífen

Ora essa

«Tirei a cortina da janela, apesar de parecer limpa, enfiei-a na fronha de almofada e onde estavam as outras coisas sujas, fui à casa de banho de Claire, peguei num frasco de água-de-colónia e salpiquei com mãos-largas o aposento levado e esfregado, sacudindo-a das pontas dos dedos como se fosse água-benta» (Património, Philip Roth. Tradução de Fernanda Pinto Rodrigues e revisão tipográfica de Eulália Pyrrait. Lisboa: Dom Quixote, 2.ª ed., 2008, p. 157). Nas locuções de qualquer tipo, sejam elas substantivas, adjectivas, pronominais, adverbiais, prepositivas ou conjuncionais, só por excepção já consagrada pelo uso se emprega o hífen, mas água benta não é manifestamente uma delas. É-o, e refiro-o por estar na mesma frase, água-de-colónia.

27.4.09

«Vice» é substantivo

Mais incoerências

«Obama pode escolher Tim Kaine como seu ‘vice’» (Pedro Correia, Diário de Notícias, 30.07.2008, p. 29). Sem grandes elucubrações, imagino que o critério por detrás da decisão de aspar o vocábulo «vice» seja o de que se trata de mero elemento de formação, prefixo. Pois bem, então porque não fizeram o mesmo com o vocábulo «páras» no seguinte título? «Valença Pinto elogia páras» (Manuel Carlos Freire, Diário de Notícias, 1.04.2009, p. 8). No Dicionário Houaiss, «vice» é também classificado como substantivo dos dois géneros, que é o que morfologicamente são tanto «vice» como «páras» (e mais claramente este, pois está flexionado no plural, e os prefixos são invariáveis) nos títulos citados.

26.4.09

«Autismo» e «mongolismo»

Fim do mundo


      Em conferência, os líderes parlamentares acordaram que deveriam evitar o uso dos vocábulos (das «expressões, escreveu a jornalista do Público Sofia Rodrigues…) «autismo» e «autista» no hemiciclo. Sobre a palavra «caralho», ao que parece, não disseram nada. É o politicamente correcto a impor-se. Por este andar, qualquer dia vão proscrever a palavra «anquilosado» com que a oposição qualifica o sistema. Com o tempo, poderá mesmo deixar de haver provas cegas nos concursos de enofilia, janelas cegas na arquitectura e voos cegos na aviação. Nada de sentidos figurados, em suma.
      Já aqui tinha analisado uma questão semelhante: o uso do termo «mongolismo». O certo é que mesmo os especialistas continuam a usá-lo: «No entanto, com o avançar da idade da mãe, tornam-se mais prováveis “anomalias cromossómicas numéricas, como a trissomia 21 (o chamado mongolismo)”, adianta Heloísa Santos [geneticista e pediatra], devido ao envelhecimento dos óvulos, que nascem com a mulher» («Erro em espermatozóides do pai afecta QI dos bebés», Sara Gamito, Diário de Notícias, 15.03.2009, p. 18).

«Favorecer»?

Do jornalês

      «Obama favorece painel independente para investigar tortura» (Rita Siza, Público, 23.04.2009, p. 2). Um leitor chamou-me ontem a atenção para este título, perguntando: «Favorecer ou ser a favor?» Ao que suponho, o leitor vê ali um to favour com o rabo de fora. Contudo, favorecer também é «apoiar, ser favorável». Admito, porém, que nem todos os leitores compreenderão o título. Tirando as minhas leituras de dicionários, para uma pessoa como eu que convivi com carpinteiros e marceneiros, painel pouco mais é do que a «almofada de porta, janela ou tecto». Mas a língua evolui, ah claro, a bem ou a mal. Só à conta do jornalês, a língua vai ficando outra.

25.4.09

Tradução: «fantásmico»

Agora eu inventava

«Parecia-me que não era do medo das coisas dela e do seu poder fantásmico que queria livrar sem demora a casa — sepultá-las agora, também —, mas sim porque se recusava a passar ao lado do mais brutal de todos os factos» (Património, Philip Roth. Tradução de Fernanda Pinto Rodrigues e revisão tipográfica de Eulália Pyrrait. Lisboa: Dom Quixote, 2.ª ed., 2008, p. 29). Fantásmico como fantástico, é isso? Do inglês phantasmic, «irreal, próprio de fantasma». Pois, mas é um aportuguesamento inútil, pois temos os adjectivos fantasmal e fantasmagórico. Para nos assustarem, chega e sobra.
É, contudo, verdade, que o termo está registado no Dicionário Houaiss, assim como na novíssima edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras, até porque o étimo do vocábulo inglês é o latino phantasmaticus.

24.4.09

Verbos reflexos

Treino sem me ajoelhar

«— Ela pediu ensopado de mexilhões de Nova Inglaterra — disse-me, enquanto eu ajoelhava ao seu lado, ainda de sobretudo e a segurar-lhe a mão — e eu pedi de Manhattan» (Património, Philip Roth. Tradução de Fernanda Pinto Rodrigues e revisão tipográfica de Eulália Pyrrait. Lisboa: Dom Quixote, 2.ª ed., 2008, p. 32). É verdade que M. Said Ali, na Grammatica historica da lingua portugueza (São Paulo: Melhoramentos. 2.ª ed., 1931, pp. 201-2), escreve que «verbos desta espécie [os que se referem a actos materiais, em geral movimentos, que o sujeito executa iguais aos que executa em coisas ou noutras pessoas] na sua própria pessoa dispensam por vezes o pronome, como mudar ou mudar-se (para outro lugar), ajoelhar ou ajoelhar-se», eu é que não me convenço nem ninguém me persuade. Mas a tradução da obra de Roth usa o nefando treinar-se: «Pela primeira vez em alguns meses, parecia bem-disposta e confiante e é muito possível que tenha saído naquela tarde na esperança de começar a treinar-se para a nossa volta estival» (p. 31).

«Recebedor», «recipiente», «recipiendário»


Dilemas

      «O seu afã de satisfazer a necessidade (real ou imaginária) do recebedor era tão grande que nem sempre pensava no efeito que a sua impulsividade produzia no dador involuntário» (Património, Philip Roth. Tradução de Fernanda Pinto Rodrigues e revisão tipográfica de Eulália Pyrrait. Lisboa: Dom Quixote, 2.ª ed., 2008, p. 26). Não sei que palavra está no original em vez daquele «recebedor», mas imagino facilmente que será «recipient». Não têm conta as vezes que já emendei em traduções, de novatos mas não só, a tradução de «recipiente» para «destinatário», ou, num circunlóquio, «aquele que recebe» ou algo que o valha. Se recipiente me faz apenas e logo lembrar uma vasilha, recebedor traz-me à memória o Cobrador do Fraque (que eu nunca vi nenhum à frente). Que sim, leitor virulento, recipiente também significa «o que recebe», tal como recebedor. Já temos sorte (temos?) por esses tradutores não optarem por recipiendário. Sim, também significa «que ou aquele que tem de receber qualquer coisa». Acho que, sem deixar passar, os desculparia mais indulgentemente, pois recordo-me da emoção que foi, teria 15 anos, a descoberta desta palavra.

23.4.09

Trindade e Tobago

Ou nas calendas gregas

Na TSF, ouviu-se durante a semana passada que a V Cimeira das Américas se realizava em Trinidad e Tobago. Nos jornais, mais judiciosos, não se leu tal. Escrevem que foi em Trindade e Tobago. Só quando disser santísima Trinidad e começar a rezar um padre nuestroPadre nuestro que estás en el cielo,/santificado sea tu Nombre… — é que passarei a escrever e a dizer Trinidad e Tobago.

22.4.09

«Luiz», «Queiroz»…

Agora me lembro

Os analistas e comentadores políticos gostavam que, na entrevista de ontem, o primeiro-ministro tivesse respondido a perguntas que não lhe foram feitas… Ah, mas este não é um blogue político. Retomo a questão da grafia dos antropónimos. E não só com o nome Carlos Queiroz. Quem é que «actualiza» o nome de Luiz José Machado Gomes Guerreiro Pacheco? Sim, o escritor (mais ou menos…) maldito Luiz Pacheco. Nem Pedro Bingre, aposto. Não há, até porque o ridículo mata, nenhuma criatura a escrever Luís Pacheco.

«Corte» e «campo de ténis»

Manda quem pode

      Por alguma razão os revisores ali não gostam mesmo nada da palavra «corte» para designar o campo de ténis. Está aqui a explicação: se temos «campo de ténis», para quê aportuguesar court, palavra inglesa? O recurso chegou às traduções: «Steve era advogado, e como pertencia a uma firma que negociava com o pai dela, os Bolton eram muitas vezes solicitados para ir a Old Tree, o nome com o qual os McNeils tinham dignificado o seu terreno: Steve servia-se da piscina deles, e dos cortes de ténis, e havia uma casa que pertencera a Apple que o Sr. McNeil lhe permitia usar, mais ou menos, à vontade» (Travessia de Verão, Truman Capote. Tradução de Manuel Cintra, revisão de tradução de Maria João Freire de Andrade e revisão tipográfica de Eulália Pyrrait. Lisboa: Dom Quixote, 2.ª ed., 2007, p. 30).

Definição de bebé

Eu perguntei primeiro

      Até que idade uma criança é bebé? Sim, eu sei que é uma boa pergunta. «Bebé de dois anos caiu ontem dentro de um poço e morreu» («Mangualde. Bebé caiu num poço e morreu», Diário de Notícias, 15.03.2009, p. 72).
      Para o Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, bebé é a «criança recém-nascida ou de pouca idade». Quanto aos recém-nascidos, não temos dúvidas — mas essa «pouca idade» chega a quanto? O Dicionário Houaiss não anda longe desta definição, substituindo o «de pouca idade» por «poucos meses». O Novo Dicionário Compacto da Língua Portuguesa avança com outra definição: «Bebé, s. m. Criança de peito, criancinha.» E quanto aos dicionários de outras línguas? Para o Cambridge Advanced Learner’s Dictionary, bebé é a «very young child, especially one that has not yet begun to walk or talk». Para Le Trésor de la Langue Française Informatisé, «bebé» é «enfant en bas âge». A etimologia, neste caso, não ajuda muito. Como se sabe, Bébé foi o nome que, por volta de 1755, o rei Estanislau I Leczinski (ou Stanisław I Leszczyński), rei da Polónia, deu ao seu anão Nicolas Ferry (1739-64), que teve na época uma grande celebridade. Estanislau I, palatino da Posnânia, teve de fugir do trono polaco, onde o pusera Carlos XII da Suécia, depois da derrota de Poltava, como teve de fugir do principado de Zweibrücken, oferta daquele monarca sueco, refugiando-se em França. Estanislau I deu duas coisas à França: a mão da filha Maria Leszczynska a Luís XV e a palavra «bebé» à língua francesa.

21.4.09

«West Bank»?


Recado

      Senhor jornalista, fale à vontade da Guerra dos Seis Dias em 1967, mas não diga que os Palestinos em Jerusalém e na West Bank passaram a viver sob ocupação de Israel. Então agora já não temos palavras para nomear esse conceito tão complexo como é a margem de um rio? Já agora, porque não Gaza Strip? Se nós não defendermos a nossa língua, quem o vai fazer — os Israelitas? A Margem Ocidental (do rio Jordão), ou Cisjordânia, um território com menos de 6 mil quilómetros quadrados, é tão topónimo como Margem Sul, logo, com maiúsculas, mas em português.


Actualização em 5.11.2009

Nas traduções, é comum ver-se «Margem Ocidental»: «Condenavam também a proibição israelita de envio de auxílio externo para a Margem Ocidental, através de Amã, para projectos educativos, habitacionais e agrícolas» (Palestina: Paz sim. Apartheid, não, Jimmy Carter. Tradução de Pedro Garcia Rosado e revisão de Luís Milheiro. Lisboa: Quidnovi, 2007, p. 82).

«Tailor-made» e «bespoke»

Imagem: http://www.sarti.com.au/

Alfaiatar a língua


      A propósito do termo tailor-made, lembrei-me deste excerto de um artigo: «Este alfaiate português Bespoke (expressão inglesa que significa molde criado à medida) não se considera artista, mas diz que alfaiataria é uma arte» («O real alfaiate português», Hugo Bordeira, Diário de Notícias/DN Gente, 14.03.2009, p. 1).
      Não é exactamente assim. Criado à medida tem equivalência no inglês made-to-measure, em que preexiste um molde na alfaiataria, fazendo o alfaiate uns acertos no fato em função do cliente a que se destina. No bespoke, o fato é feito de raiz para cada cliente. Actualmente, o termo aplica-se a muitos outros bens, desde sapatos a automóveis.
      O alfaiate português entrevistado para o Diário de Notícias afirmou: «“Depois o príncipe Carlos cumprimentou-me, e eu contei-lhe que gostava muito dos casacos que ele usa, tipo trespasse, com quatro botões. Ele respondeu-me que raramente tinha fatos novos porque restaurava muitos dos que já tem”, lembra Ayres [Gonçalo, aprendiz da Savile Row].» Já aqui tínhamos referido esta expressão, casacos de trespasse.

Ortografia: «geladeiro»


Chi fa e vende gelati


      Jornalista, poeta, dramaturgo, ficcionista e autor de uma vasta obra infanto-juvenil, José Jorge Letria foi ontem o convidado do programa Prova Oral, na Antena 3, com Fernando Alvim e Cátia Simão. Ao falar-se de Santini, o escritor usou a palavra «gelateiro». Está-se mesmo a ver: de «gelato» (sabem o que é: «dolce composto di succhi di frutta, latte, uova e altri ingredienti mescolati a bassa temperatura»), tinha mesmo de ser gelateiro. Lá que o Sr. Attilio Santini Mosena dissesse «gelataio», não vamos agora, escritores como somos, ainda por cima, dizer isso em vez do mais correcto «geladeiro» ou, como fazem os Brasileiros, «sorveteiro». Simpatizo muito (devia ter começado por aqui, para cativar o público) com José Jorge Letria, e aproveito até para sugerir o último trabalho deste escritor, Histórias de Chocolate, um CD, com a voz do autor, composto de 12 histórias que têm no chocolate o protagonista.

20.4.09

«Charril»?

Há-de ser bonito

Ainda não visitei o Museu do Oriente. As filas, confesso, são suficientemente persuasivas a fazerem-me renunciar a tal ideia. Mas fui ver recentemente «A Evolução de Darwin» na Fundação Calouste Gulbenkian. Ao Museu do Oriente, iria tanto para ver a exposição «Mulheres do Hindustão», pelo interesse que o tema me desperta, como para ver um charril. «Margarida Aguiar, pintora, 25 anos, observa que os visitantes não vêem os bancos portáteis e depois queixam-se da falta de cadeiras para relaxar e reflectir. “Deve-se orientá-los, estão num charril na entrada”, sublinha» («Falar de arte, o trabalho dos assistentes de exposição», Isadora Ataíde, Diário de Notícias, 15.03.2009, p. 14).

Léxico: «anádroma»

Tudo grego



      «As lampreias são peixes anádromas, uma vez que se reproduzem em água doce, mas desenvolvem-se até à forma adulta no mar» («Novas barragens ameaçam sobrevivência da lampreia», Rui Pedro Antunes, Diário de Notícias, 15.03.2009, p. 50). Anádroma (do grego ἀνάδρομος, «anádromos», que significa «que se eleva a correr», como os salmões e as lampreias fazem) é o peixe que passa parte da vida no mar e sobe os rios para desovar em água doce. O artigo refere ainda que «as formas larvares de lampreia se designam por amocetas». Os dicionários, contudo, apenas registam a grafia «amocete», o que, tendo em conta o étimo grego, é mais correcto.

«Abaixo» e «a baixo»

Abaixo!


      «Era Clyde, que se aproximara sem repararem nele, e estava na outra extremidade da sala, besuntado de cima abaixo com óleo e a segurar o fecho de uma caixa frigorífica» (Travessia de Verão, Truman Capote. Tradução de Manuel Cintra, revisão de tradução de Maria João Freire de Andrade e revisão tipográfica de Eulália Pyrrait. Lisboa: Dom Quixote, 2.ª ed., 2007, p. 83). Na realidade, a locução adverbial é «de cima a baixo».

19.4.09

«Debaixo» e «de baixo»

Desembucha

«Foi atravessada por um rugido vindo de debaixo do chão. Parara em cima de uma grade de metropolitano: no fundo dos interstícios da grade, conseguia ouvir o chiar de rodas de aço, e a seguir, mais próximo, um ruído mais atordoador» (Travessia de Verão, Truman Capote. Tradução de Manuel Cintra, revisão de tradução de Maria João Freire de Andrade e revisão tipográfica de Eulália Pyrrait. Lisboa: Dom Quixote, 2.ª ed., 2007, p. 75). «De debaixo»? Não vamos agora gaguejar por tão pouco. Com um verbo de movimento, nunca se poderia usar a locução prepositiva «debaixo de». Como, na frase, o verbo é regido pela preposição de, deveria ter-se escrito: «Foi atravessada por um rugido vindo de baixo do chão.»

Sobre «departamento»


Isso é inglês

Onde é que Isabel Figueira apresentou o sutiã Aumentax: na secção de lingerie ou no departamento de lingerie do El Corte Inglés?
«Até aos dezassete, Anne usara roupas infantis do departamento para crianças da Ohrbach; então, um dia, de repente, comprou um par de sapatos de salto alto, um ou dois vestidos amalucados, um par de seios postiços, um estojo de maquilhagem e um frasco de verniz cor de pérola; ao deslizar pelas ruas com o seu novo visual, parecia uma menina num baile de máscaras» (Travessia de Verão, Truman Capote. Tradução de Manuel Cintra, revisão de tradução de Maria João Freire de Andrade e revisão tipográfica de Eulália Pyrrait. Lisboa: Dom Quixote, 2.ª ed., 2007, p. 68). O Ohrbach era um grande armazém em Nova Iorque — em inglês, uma department store. Department porque são lojas organizadas em departments, «secções».
Também temos departamentos, claro, mas não nas lojas. Temo-los nas circunscrições marítimas divididas em capitanias de porto, nas divisões administrativas em alguns países, como a França, nos sectores de certos organismos, estatais ou particulares, destinados a um fim específico, nos sectores ou divisões correspondentes a um grande ramo do saber na estrutura de uma universidade. E quando algum colega nos pede algo que não nos apetece dar, sempre podemos dizer, segundo o Dicionário Inglês-Português da Porto Editora, que «isso não é do meu departamento», embora me pareça que é apenas a tradução do inglês «that’s not my department».

Sobre «fronteiriço»

Badajoz à vista

«O ruído do trânsito intensificava a tranquilidade matinal de Central Park em Junho, e o sol carregado do início do Verão que seca a crosta verde da Primavera atravessava as árvores fronteiriças ao Plaza, onde estavam a tomar o pequeno-almoço» (Travessia de Verão, Truman Capote. Tradução de Manuel Cintra, revisão de tradução de Maria João Freire de Andrade e revisão tipográfica de Eulália Pyrrait. Lisboa: Dom Quixote, 2.ª ed., 2007, pp. 9-10). O adjectivo «fronteiriço» diz apenas respeito à fronteira, à raia. Há postos fronteiriços, controlos fronteiriços, guardas fronteiriços, diferendos fronteiriços, regiões fronteiriças, e por aí fora. Terá equivalente no inglês borderline. No original desta obra de Truman Capote, lê-se isto: «[…] the dazzle of traffic heightened the June morning quiet of Central Park, and the sun, full of first summer, that dries the green crust of spring, plunged through the trees fronting the Plaza, where they were breakfasting.» «Fronting the Plaza» traduzir-se-á então por «em frente ao Plaza, «defronte do Plaza». Só refiro o erro por ser muito comum.

18.4.09

«Catecumenato» e «baptismo»

Trapalhadas

      «A fé católica é professada por 88,10 por cento dos portugueses, segundo o último Anuário Católico, que aponta para um decréscimo no número de sacerdotes. […] Em 2000, foram registados mais de 92 mil baptismos de crianças com menos de 7 anos (77.272 em 2006) e 5938 baptismos depois dos sete anos, o chamado “catecumenato” (5165 em 2006)» («Quase 90 por cento diz-se católico», Público, 10.04.2009, p. 10).
      O baptismo depois dos 7 anos designa-se catecumenato, é isso? Isso é para rir? O catecumenado ou catecumenato é o período ou a própria instituição que, no âmbito da iniciação cristã, se destina a ajudar o recém-convertido a passar de uma fé inicial à fé adulta requerida pelos sa­cra­men­tos do baptismo, confirmação e euca­ris­tia. O baptismo, por sua vez, é o pri­meiro dos sete sacramentos e o primeiro dos três da iniciação cristã, juntamente com a con­fir­mação ou crisma e a co­mu­nhão. O que acontece é que, no caso de uma criança antes do uso da razão, não há propriamente uma caminhada catecumenal antes do baptismo, mas depois, ao contrário do que sucede com o adulto que quer ser baptizado.
      Em suma, o catecumenato é a preparação para o baptismo e não o baptismo de uma criança com mais de 7 anos, como se afirma na notícia.

Particípios passados


Está explicado

Acabei de ouvir na Antena 1 que no próximo dia 21 de Abril se realiza, no Centro Cultural e de Congressos de Aveiro, a segunda conferência do ciclo «Biologia da Noite», este ano dedicado ao tema da evolução. Entre as comunicações, estará a do Prof. António M. de Frias Martins, da Universidade dos Açores, intitulada «Terá Darwin morto Deus? Criacionismo, Evolucionismo e a Plenitude da Vida». Não percebi logo, confesso, o título, fosse pela dicção do locutor, fosse pelo atropelo da gramática. Quanto a esta, é simples e já aqui foi explicado: com os auxiliares ser e estar, usa-se habitualmente o particípio passado regular, a forma mais longa. Logo, correcto seria «Terá Darwin matado Deus?».

Reformas ortográficas

Vai demorar

Boas ou más que sejam as soluções trazidas pelo Acordo Ortográfico de 1990, uma coisa é certa: daqui a quarenta anos ainda há-de haver quem diga que não sabia. Como acontece actualmente, é o exemplo que sempre dou, com a reforma publicada a 1 de Fevereiro de 1973, e que só tinha um artigo: «São eliminados da ortografia oficial portuguesa os acentos circunflexos e os acentos graves com que se assinalam as sílabas subtónicas dos vocábulos derivados com o sufixo mente e com os sufixos iniciados por z.» Quase todos os dias vejo que há quem, devendo saber, ainda não sabe: «Todos temos o nosso próprio (respire fundo) portefólio léxico-audiovisual. Mas — hélas! —, por muito que o queiramos vender aos nossos amigos (para podermos fazer uma pequena ideia do que estão a falar), eles não o compram, porque não abdicam dos portefóliozinhos deles» («Não, não sabia», Miguel Esteves Cardoso, Público, 10.04.2009, p. 33).

17.4.09

VOLP


Vontade de comunicação

Fez agora um ano que Fernando Venâncio escreveu no Aspirina B: «Nós somos, uns mais outros menos, mas todos um pouco, uns fetichistas da ortografia. Nisso não há mal. O problema surge quando, com o balde da ortografia, se deita fora o bebé do idioma.» Incongruências à parte, não creio que tinha sido isto que se fez com o Acordo Ortográfico de 1990. Tenho nas mãos a 5.ª edição do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, com as suas 877 páginas (é sintomático que a imprensa portuguesa avente números diferentes deste) e, segundo informação da editora, 349 737 vocábulos com as suas respectivas classificações gramaticais, além dos cerca de 1500 estrangeirismos que aparecem no fim. Mais do que uma pedra, mesmo angular, creio que será a superstrutura do futuro e necessário vocabulário ortográfico comum exigido pelo Acordo Ortográfico de 1990. Junte-se-lhe depois os contributos da Academia das Ciências de Lisboa, o contributo, já entregue, da Academia Galega da Língua Portuguesa e, naturalmente, o contributo dos demais países de língua oficial portuguesa.
Mas ainda a propósito da afirmação de Fernando Venâncio, lembro o que Fernando Cabral Martins escreveu nas notas à edição da Mensagem, de Fernando Pessoa, que aqui citei recentemente: «A edição de David Mourão-Ferreira [6.ª edição da Ática, 1959] é a primeira a propor a actualização ortográfica de um livro que parecia apostar na inactualidade. Isto é: a ortografia utilizada por Pessoa em 1934 era arcaica em relação à convenção dominante nesse tempo, o que poderia ser recebido, como por vezes o é, como uma ortografia simbólica e intocável» (Mensagem, Fernando Pessoa. Edição de Fernando Cabral Martins. Lisboa: Assírio & Alvim, 3.ª ed., 2002, p. 93). A obra de Pessoa perdeu com o critério? Perderam algo os leitores? Não me parece. Conclui Fernando Cabral Martins: «Quer dizer: a vontade de comunicação que tornou Mensagem o único livro em português publicado por Pessoa só pode ser hoje servida por uma escolha de legibilidade.» A ortografia é, sem qualquer dúvida, importante, mas não é a essência da língua.

16.4.09

Tradução: «bullying»

«Como temos feito?»



      A leitora M. T. S. pergunta-me se se deve usar o estrangeirismo bullying ou se, pelo contrário, se deve usar um termo português equivalente e qual. Bem, o anglicismo tomou conta do juízo dos falantes, sobretudo, como é habitual, dos jornalistas. Contudo, em parte por pressão dos leitores, alguns jornais vão tentando substituí-lo, como neste excerto de uma notícia: «O lusodescendente alegadamente vítima de intimidação [bullying] pelos colegas em Inglaterra desistiu do processo judicial contra a sua antiga escola devido aos receios com o seu bem-estar psicológico» («Vítima de ‘bullying’ desiste de processo contra colégio», 1.04.2009, Diário de Notícias, p. 16). Infelizmente, nos jornais, de uma maneira geral, não se reflecte muito na língua, não se pergunta como se deve escrever. Quando se pergunta, pergunta-se como se tem feito na publicação até então. Sei do que falo.

«Catequese» e «escola dominical»

Imagem: http://www.piccportoalegre.org/

Religião à letra


      Na edição de ontem de Mais Cedo ou Mais Tarde, na TSF, João Paulo Meneses entrevistou Tiago Cavaco, pregador na Igreja Baptista de São Domingos de Benfica e cantor rock. A determinada altura, o entrevistador disse: «Não sei se na lógica baptista se diz “catequese”.» Tiago Cavaco respondeu: «Diz-se aquilo que nos filmes se traduz mal porque Sunday school, que é escola dominical, e nos filmes, quando se diz Sunday school, traduz-se por “catequese”. Mas é escola dominical. Era aquilo que o Tom Sawyer fazia quando ia à igreja.» Já antes se tinha referido que, no âmbito da Igreja Baptista, protestante, não se diz «missa», mas «serviço». São diferenças meramente terminológicas ou conceptuais? Certo é que os dicionários bilingues inglês-português não dão para a locução Sunday school outra tradução que não «catequese», o que, se não é argumento, nos permite avaliar que não é um entendimento consensual. Nas traduções também nunca vi a locução traduzida de outra forma que não «catequese», assim como Sunday school teacher por «catequista».

Léxico: «monumentologia»

Como é que é?


      «A monumentologia da Cidade de Coimbra, rica como é e diversificada em termos de estilos, de épocas e de modelos artísticos, constitui um indelével testemunho da história da cidade que foi sede da Corte, em alternância com Lisboa, e a primeira cidade universitária do País» («Coimbra, uma visita à cidade da memória», Ten RC Ana Rita Carvalho, Jornal do Exército, n.º 581, Fevereiro de 2009, p. 44). Tive de ler o Jornal do Exército para conhecer o termo: monumentologia. Não vou negar à partida uma ciência que desconheço, mas cheira-me a invencionice inútil. Quanto à substância do texto, neste trecho há uma imprecisão: a universidade, na verdade, estabeleceu-se primeiro em Lisboa. Ainda me lembro bem de o Prof. Doutor Ruy de Albuquerque, nas aulas de História do Direito, realçar este facto.

15.4.09

Sobre o trema


Das letras ramistas a Citroën

      No dia 1 de Outubro de 1885, André Gustave Citroen, filho do joalheiro holandês Levie Citroen e da polaca Mazra Kleinmann, entra para o 9.ºC no Liceu Condorcet em Paris. Quando se matricula, acrescenta um trema ao patronímico: Citroën. Passados 123 anos, alguns jornalistas portugueses ainda não sabem exactamente onde deixar cair os pingos, como dizem os Brasileiros. Em francês, o trema (tréma, nesta língua, cujo étimo é o grego τρημα, «orifício, buraco») é o sinal ortográfico formado por dois pontos justapostos que se escrevem sobre as vogais e, i e u para indicar que não formam um digrama com a letra anterior nem é a associação de uma semivogal com uma vogal, mas que se trata de uma disjunção entre duas vogais, que por isso devem ser pronunciadas separadamente: aiguë, Israël, maïs, capharnaüm...
      O trema foi introduzido em 1532 na língua francesa pelo médico Jacobus Sylvius para distinguir o i e o u vocálicos do i e do u consonânticos, que se confundiam graficamente. Só mais tarde foram introduzidas as chamadas letras ramistas (assim designadas em homenagem ao humanista francês Pierre de la Ramée, conhecido por Petrus Ramus, nascido em 1515, que na página 26 da sua Grammaire Française, publicada em 1572, propôs estas letras), o j e o v, desconhecidas do Latinos.

Citar a Bíblia

A Luz brilhou nas trevas

O Evangelho segundo S. João, que se lê na terça-feira da Semana Santa, contém o episódio do anúncio da traição de Judas. «Fazia-se noite» quando Judas saiu, lemos (Jo 13, 30b). (Na Vulgata, lê-se: «erat autem nox».) O que me fez lembrar a frase «felizmente há luar», que se repete na obra homónima de Sttau Monteiro. No drama, a frase tem significados diferentes, e mesmo opostos, consoante é proferida por uma ou por outra personagem. A frase bíblica, por seu lado, alude à luta final entre os poderes das trevas (e ao domínio das trevas, que é o triunfo passageiro de Satanás) e a Luz verdadeira.
E já que pergunta, leitor, dir-lhe-ei: a letra b depois do número do versículo indica que se cita apenas uma parte do versículo e não todo o versículo. «Tendo tomado o bocado de pão, saiu logo. Fazia-se noite.» Naturalmente que só depois de localizar o versículo todo, o 30, neste caso, é que se poderá perceber a que parte se refere a letra.

«Mal-encarado» e «malvisto»

Fale por si

      «Depois do Prós e Contras sobre o casamento homossexual, só tenho ouvido piadas e agravos contra juristas. Duas que já li foram: a melhor maneira de matar um debate interessante é convidar um jurista e; qual é a doença que leva os juristas a falar à jurista? Não sou corporativo e por mim estejam à vontade. Mas, como membro da tribo, há aqui um problema que claramente me interessa: porque é que os juristas são mal-encarados em Portugal?» («Os juristas, pobres coisas», Pedro Lomba, Diário de Notícias, 26.02.2009, p. 7). Claro que o autor queria escrever outra coisa — mas não escreveu. Como jurista, vai ser exemplarmente escarmentado: o adjectivo «mal-encarado» significa o que tem má cara, carrancudo; o que revela maus instintos. Pedro Lomba havia de querer escrever «malvisto»: «que tem má fama; desacreditado; odiado; antipático».

Léxico: «suburbicário»

Em volta de Roma

«O Papa Bento XVI promoveu o cardeal português D. José Saraiva Martins à Ordem dos Bispos do Colégio dos Cardeais, atribuindo-lhe o título da igreja suburbicária de Palestrina» («Saraiva Martins promovido», Diário de Notícias, 26.02.2009, p. 12). Igreja ou sé suburbicária é cada uma das sete dioceses cardinalícias localizadas em volta de Roma reservadas aos cardeais-bispos: Albano, Frascati, Óstia, Palestrina, Porto-Santa Rufina, Sabina-Poggio Mireto e Velletri-Segni.

14.4.09

Eufemismos e disfemismos

Oito ou oitenta

«Nascido a 19 de Outubro de 1936, numa família de 17 filhos, na América de Franklin D. Roosevelt, o afro-americano serviu duas vezes na Marinha antes de terminar o curso no Seminário Teológico Baptista de Nashville» («O conselheiro rebelde de Martin Luther King», Diário de Notícias, 26.12.2008, p. 37). Eu já aqui disse que conheço mais africanos brancos do que negros? Não? Mas disse isto. A moda do politicamente correcto está para durar. Claro que, em paralelo, também vão sendo largados alguns disfemismos, como este: «Um minuto. Foi o tempo que demoraram os agentes da PSP a chegar ao local do crime e a apanhar o bandido em flagrante» («Homem-aranha apanhado na ‘teia’ da PSP», Valentina Marcelino, Diário de Notícias, 6.02.2009, p. 18).

Ortografia: «rulote»

Ficamos a meio?

«Incêndio consome armazém de roulotes e caravanas» (26.12.2008, Diário de Notícias, p. 21). Justamente como ocorre com os vocábulos «icebergue» e «basebol», que aqui vimos recentemente, o vocábulo «roulote» foi apenas parcialmente aportuguesado. Ter perdido apenas um troulotte — na passagem do francês para o português não é suficiente e revela como os lexicógrafos ficam muitas vezes nas meias-medidas. Não nos esqueçamos que quase todos os dicionários são, em alguma medida, tão descritivos como prescritivos.

Léxico: «esteiro»

Soeiro Pereira Gomes (1909–1949)

Que a efeméride sirva também para lembrar o que são esteiros — título do seu romance com ilustrações de Álvaro Cunhal publicado em 1941 —, pois é a palavra que logo ocorre quando se fala deste escritor neo-realista. Esteiros são braços estreitos de rio ou mar que se estendem pela terra dentro. No caso, são canais abertos pelo Tejo na margem do concelho de Alhandra e de onde se retirava barro para fazer tijolos e telhas. O étimo é o latino aestuariu-, «lugar onde a água ferve». É palavra divergente de «estuário», parte de um rio, próxima da sua foz no mar, onde a água doce se confunde com a salgada.

13.4.09

Abuso de estrangeirismos


Mostras de cosmopolitismo

Cake Parade, em Portalegre? Deve ser para competir com as Gay Parades por esse mundo fora. Só pergunto se não arranjavam um nome português para esta iniciativa, uma mostra de arte pública, integrada na IX Feira da Doçaria Conventual de Portalegre, a decorrer no Mosteiro de S. Bernardo, em Portalegre, de 24 a 26 de Abril. Calma, não se abespinhem! É verdade: já me esquecia de algo mais parecido e igualmente digno: a Cow Parade. Os organizadores, próvidos e cosmopolitas, devem ter pensado que seria menos artístico ter um nome português e, sobretudo, que nem toda a gente perceberia se estivesse escrito nesta língua assaz obscura.

Léxico: «navalha do tipo “borboleta”»

Imagem: http://testex.com.sapo.pt/

No fio da navalha



      «O caso está em apreciação no Tribunal da Relação de Lisboa (TRL). Na primeira instância, Bruno foi condenado, entre outros crimes, por detenção de arma proibida. Uma navalha tipo “borboleta” que lhe foi apreendida» («Tamanho da lâmina de uma navalha conta», Carlos Rodrigues Lima, Diário de Notícias, 26.12.2008, p. 11).
      A discordância em casos semelhantes centra-se no facto de o Ministério Público entender que esta arma tem disfarce, ou seja, um mecanismo, borboleta, que permite a ocultação da lâmina no seu corpo, de modo a não ser reconhecida por terceiros como arma branca quando está fechada, à semelhança da navalha de ponta-e-mola, ao passo que a defesa nega que a borboleta configure um disfarce. Há também quem entenda que não se trata de uma navalha, mas sim de uma faca.

«Conta-quilómetros» e «celerímetro»


Mas então?...


      «Fonte próxima do processo disse ao DN que o ponteiro do conta-quilómetros estava partido, devido à violência da colisão, admitindo as autoridades que o carro circulasse a uma velocidade perto dos 240, o que ajuda a explicar que a viatura entrasse desgovernada na berma da estrada onde andou ao longo de cem metros e se tivesse partido ao meio, antes de se incendiar, ficando irreconhecível» («Condutor ia a 220 km/hora mas não tinha álcool», Robert Dores, Diário de Notícias, 6.01.2009, p. 21). Não é raro os falantes confundirem conta-quilómetros com celerímetro, mas lamentável que um jornalista o faça. Isto pensava eu, até ter lido no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora: «Conta-quilómetros nome masculino 2 números aparelho que indica a velocidade e o número de quilómetros percorridos por um veículo (De contar+quilómetro).» Mas afinal o instrumento que serve para determinar a velocidade de um veículo não é o celerímetro (speedometer em inglês)? Não se tratará de mais uma cedência dos dicionaristas aos erros do senso comum?

12.4.09

Léxico: «mazute»

Imagem: http://nnbonnet.free.fr/

Grandes distraídos…


«O Governo ucraniano deu ontem indicações para que o gás natural comece a ser substituído pelo mazout (óleo) no aquecimento» («Leste da Europa a tremer de frio sem o gás russo», Susana Salvador, Diário de Notícias, 7.01.2009, p. 25). Muito interessante — mas a palavra já corre por aí aportuguesada: mazute. É uma palavra russa, mas ter-nos-á chegado através do francês mazout. É um produto petrolífero líquido, de cor negra e de aspecto viscoso, resíduo da destilação fraccionada do petróleo bruto.

«Escalamento» e «escalonamento»

Assim não sobem




      «O outro jovem que com ele seguia e que acabou detido, Michel Mendes, tinha 19 anos e igualmente um vasto currículo criminal — já tinha sido detido em Março por furto no interior de um automóvel, e, em Abril, por furto em residência por escalonamento» («Família garante que o jovem não tinha armas», Licínio Lima, Diário de Notícias, 7.01.2009, p. 23). Era de toda a conveniência que os jornalistas de vez em quando consultassem um dicionário da língua portuguesa. Escalonamento é a disposição em degraus, a distribuição por níveis, graduação ou a organização segundo um dado critério, agrupamento. Escalamento, por sua vez, é o acto ou efeito de subir ou trepar, escalada. Entre os próprios verbos, escalar e escalonar, também já tenho visto grandes confusões. Claro que, tratando-se muitas vezes de gangues, bem podem operar por escalonamento…

Conjunção subordinativa final

A golpes de gládio


      Na obra que citei no texto anterior, escreve Fernando Cabral Martins: «O primeiro verso saiu na 1.ª edição, lição que é recebida na edição crítica de José Augusto Seabra, assim: “Deu-me Deus o seu gládio, porque eu faça”. Segundo a mesma edição crítica, este “porque” teria uma “função de conjunção final” (28). O facto é que só pode ter essa função se tiver a forma disjunta “por que”. Isto mesmo leu David Mourão-Ferreira, que escreve o verso desse modo — aqui seguido. No espólio, há um dactiloscrito (121-2) em que o verso tem esta mesma forma» (pp. 98-99). Celso Cunha e Lindley Cintra não sancionam a crítica do autor, pois entre as conjunções e as locuções conjuncionais subordinativas finais enumeram: para que, a fim de que, porque (Nova Gramática do Português Contemporâneo. 3.ª ed., 1986, p. 582). Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa. 37.ª ed. Rio de Janeiro, 2002, p. 328) diz precisamente o mesmo.


Apóstrofo

Apóstrofo inútil


      E, a propósito de apóstrofo, um poema da Mensagem, de Fernando Pessoa, tem por título «Nunálvares Pereira». Pelo menos numa edição que aqui tenho, da Assírio & Alvim (Lisboa, 3.ª ed., 2002), da responsabilidade de Fernando Cabral Martins, que, em nota final, esclarece: «O título do único poema aqui incluído é transcrito sem modificação pela edição crítica [Mensagem. Poemas Esotéricos, edição coordenada por José Augusto Seabra. Madrid, Colecção Archivos, CSIC, 1993], mas sofre na edição de David Mourão-Ferreira uma alteração de “Nunalvares» para “Nun’Álvares”[,] o que parece consistir apenas numa actualização ortográfica. No entanto, a grafia do nome tem uma dupla tradição, que remonta às primeiras edições impressas da Crónica do Condestável, no século XVI: ou com os dois nomes separados (por exemplo, “Nuno Alvarez”) ou juntos (por exemplo, “Nunalvrez”). Em Herculano, o nome é escrito também dos dois modos, “Nunalvares” e “Nuno Alvares”, nas primeiras edições de Lendas e Narrativas e de O Monge de Cister, por exemplo. Talvez tenha sido em Herculano que Pessoa leu esta possibilidade de grafia do nome — que torna a utilização do apóstrofo inútil» (pp. 99-100).

11.4.09

«Portfólio», «portefólio»


Um ezinho mais…

«Assim, até 28 deste mês, os candidatos podem inscrever-se através do site www.olhares.com/concursos/fhm e enviar o seu portfólio, que poderá incluir entre sete e 15 fotografias, todas subordinadas ao tema da moda e glamour» («Olhares.pt procura quem fotografe capa da ‘FHM’», Paula Brito, Diário de Notícias, 2.02.2009, p. 54). Um pouco mais de sol — eu era brasa… Não, não é isso. Um ezinho mais, e parecia português de lei. Na notícia acima, do pouco cuidadoso diário económico Oje, é portefólio que se usou.

Neologismo «referenciação»

Talvez faça falta

«Agora, com os critérios de Bolonha, as teses são significativamente encurtadas, seguindo uma filosofia mais anglo-saxónica, privilegiando-se mais a inovação do que a referenciação bibliográfica» («Teses de doutoramento à venda por 50 mil euros», Carla Aguiar, Diário de Notícias, 2.02.2009, p. 5). O neologismo referenciação até pode não estar ainda registado em todos os dicionários, mais ei-lo aí, assim como o primo, georreferenciação. De qualquer modo, o verbo referenciar está dicionarizado e é usado. Como se usa a locução referência bibliográfica (série de indicações que possibilitam a identificação de um livro, texto, artigo, etc.), tratou-se de inventar uma forma de referir o acto de fazer essa referência. Nasceu assim — por influência do inglês referral, como alguns sugerem? — o termo referenciação.

«País das Pampas»

Em pleno processo

      «Na despedida, o mago, agora seleccionador do país das pampas, foi entrevistado pelo Benfica TV» («Diego diz que Di María marcou golo à Maradona», Bruno Pires, Diário de Notícias/DN Sport, 16.01.2009, p. 4). Já uma vez pude assistir ao raciocínio de um revisor, graças ao facto de ele, sentindo-se observado, ir falando em voz alta, que se deparou com a locução País das Pampas. Que não podia ser com maiúsculas, começou por dizer. Depois consultou o termo «pampa» no Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora. Encontrou o que era de esperar: «designação dada à estepe de gramíneas, que se estende pela vasta e uniforme planície de terra amarela da Argentina, de que ocupa a parte média, e que constitui zona de boas pastagens, em parte já agricultada». Só pode ser com minúsculas, concluiu, ufanoso e equivocado. País das Pampas é um prosónimo, conceito que já aqui expliquei três vezes, e por isso grafa-se com maiúsculas iniciais.

10.4.09

Sobre «oleão»

Podia ser

Em Junho de 2004, descobriram-se quase por acaso sepulturas colectivas no edifício da Academia das Ciências, instalada desde 1836 no Convento de Nossa Senhora de Jesus, da Ordem Terceira de S. Francisco. O estudo do achado feito até hoje permite afirmar que naquela época se recorreu ao canibalismo. Nos restos, até uma beata apareceu: «Botões de osso, fragmentos de vestuário da época, uma beata de cigarro de enrolar e até uma vértebra de cobra-rateira, capaz de crescer até dois metros de comprimento, foram encontrados nas sepulturas colectivas» («Testemunhos», texto de apoio ao texto «O sismo de 1755 contado pelos ossos das vítimas», Pedro Sousa Tavares, Diário de Notícias, 2.02.2009, p. 29). Este texto podia ser sobre estes erros: «Mas uma improvável soma de coincidências ditou que o primeiro ossoário conhecido de vítimas do terramoto surgisse na Academia de Ciências […].» Mas não. É certo que se escreve ossário ou ossuário*, mas chamou-me a atenção a beata. Recentemente, alguém me perguntou aqui como se devia grafar o termo que designa o recipiente para conter óleo alimentar para reciclagem: óleão ou oleão? Uns dias depois, vi este texto: «As beatas à porta do café do bairro são a sua preocupação recente. “Deviam criar o beatão pois as pessoas fumam na rua e sujam tudo”» («Tutor encarregado de manter o bairro limpo», Rita Carvalho, Diário de Notícias, 15.02.2009, p. 56). A criatividade linguística apoia-se aqui em termos semelhantes, como pilhão e vidrão, por exemplo, já registados nos dicionários gerais da língua. O primeiro a surgir foi vidrão e logo por analogia se construiu um paradigma de unidades linguísticas parafraseáveis por «recipiente de recolha de n para reciclagem», como beatão, embalão, livrão, metalão, oleão, papelão, rolhão… Ao oleão também se dá o nome quase impronunciável de ecoóleo.

* «
Eu tenho visto a pedra, desprendida/Da montanha, levar meia floresta/Na carreira — e não há-de esse granito/Colossal, que é o Povo, despregado/Por mãos do tempo, com trabalho imenso,/Ao rolar no declive da história/Esmagar, ao correr, os troncos secos/E o mirrado ossuário do passado?» («Secol’ si rinnuova», Odes Modernas, Antero de Quental).
«A presença de jazigos e um “columbarium” (conjunto de ossuários) atesta o uso da inumação e da incineração» (Guia Bíblico e Cultural da Terra Santa, João Duarte Lourenço. Revisão de Maria José Rodrigues. Lisboa: Universidade Católica Portuguesa, 2008, p. 126).

Actualização em 7.08.2009

«Os óleos alimentares usados para cozinhar vão passar a ser colocados no oleão, uma espécie de ecoponto que as autarquias terão de disponibilizar na via pública» («Óleo de fritar doméstico terá de ser posto no oleão», Rita Carvalho, Diário de Notícias, 6.08.2009, p. 16).

MBA, “master”, mestrado

MBA, LL.M, blá-blá-blá...


      «Natalie, que completou recentemente um bacharelato em Estudos da Mulher, pretende agora iniciar um master em Casamento e Terapia Familiar, segundo o site Daily Beast» («Virgindade de Natalie já vale três milhões», Patrícias Viegas, Diário de Notícias, 2.02.2009, p. 27). Na Universidade Aberta e na Universidade Nova de Lisboa há mestrados em Estudos sobre as Mulheres. Já quanto ao master… Qual ao certo a diferença entre master e mestrado? O primeiro é um vocábulo inglês e o segundo, português, isso é certíssimo. Ou seja, fosse a estudante portuguesa, Natália, e o que ela seria era titular de um mestrado em Casamento e Terapia Familiar. E quanto a MBA e mestrado? Bem, o MBA (master business admnistration) tem características próprias e um cariz muito mais prático e aplicado, ao contrário da maioria dos mestrados, que são essencialmente teóricos, mas, sobretudo — sobretudo, repito — é um nome de fantasia, pois o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior nunca usa a sigla MBA ou o seu desdobramento, master business admnistration. Trata-se, isso sim, de um curso de pós-graduação, não conferente de um título académico, como previnem algumas instituições de ensino superior. Ao lado do MBA para áreas como Gestão de Empresas, há também os LLM (ou LL.M) para a área jurídica, sigla do latim legum magister, mestre em Leis.

Léxico: «bongo»


O bom sabor da selva

Já tinham visto esta imagem do campeão olímpico Michael Phelps a pôr a boca num tubo de ensaio? Claro que não é um tubo de ensaio, anjinhos. De fóruns de discussão a artigos científicos, portugueses, em todo o lado vejo que se designa por bongo esta espécie de tubo de ensaio utilizado como cachimbo para fumar canábis. É o aportuguesamento do termo inglês bong, que por sua vez pode ter vindo do tailandês baung. É provável que tenham sido os veteranos da Guerra do Vietname a levarem o termo e o objecto para os Estados Unidos, ainda na década de 1960. Automedicação para o stress pós-traumático de guerra, dizem eles.
«O nadador e campeão olímpico norte-americano Michael Phelps apareceu ontem na capa do jornal britânico News of the World a fumar um bongo, ou seja, um cachimbo de água usado para fumar e inalar cannabis» («O bongo», Diário de Notícias, 2.02.2009, p. 7).

Uso do apóstrofo

A métrica do erro


      Freire d’Andrade? Mera adesão à obra de Sttau Monteiro. No entanto, é tão legítimo usar neste caso o apóstrofo como em Victorino D’Almeida. A verdade, porém, é que só o uso do apóstrofo nas ligações de duas formas nominais quando é necessário indicar que na primeira se elimina um o final está previsto no texto dos acordos ortográficos: Nun’Álvares, Pedr’Eanes. Em certos compostos, também se usa este sinal diacrítico para assinalar a eliminação do e da preposição de, em combinação com substantivos como borda-d’água, cobra-d’água, copo-d’água, estrela-d’alva, galinha-d’água, mãe-d’água, pau-d’água, pau-d’alho, pau-d’arco, pau-d’óleo. Recentemente, tudo o que se refere a Barack Obama é notícia, como a escolha da raça do cão para as filhas do presidente dos Estados Unidos da América: «O “melhor amigo” de Sasha e Malia, filhas de Barack Obama, já está escolhido: vai mesmo ser um cão-d’água português» («Cão da Casa Branca descende do canil de Conchita Cintrón», Rui Pedro Antunes, Diário de Notícias, 27.02.2009, p. 32). Os Brasileiros usam (e abusam) muito mais o apóstrofo do que nós, que, todavia, usamos incorrectamente «p’lo» em correspondência de carácter formal, como se tal elisão se justificasse.

9.4.09

Apodos

Hipocrisias

      No drama Felizmente Há Luar, António de Sousa Falcão, amigo do general Gomes Freire d’Andrade, diz a Matilde de Melo, mulher do general: «D. Miguel [Forjaz, do Conselho de Regência] é um cristão de domingo, Matilde» (Porto: Areal Editores, 2003, Acto I, p. 117). O que me fez lembrar a alcunha alentejana comunista de Inverno, de que falei aqui. Trata-se do mesmo: referir, de forma jocosa, a falsa adesão a princípios, a hipocrisia de quem se diz comunista ou cristão apenas para interesse próprio.

Vírgula depois de reticências

Eu faço e você explica

Suponham agora que um autor escrevia esta frase: «Embora tenha sempre compreendido a necessidade da disciplina, foram muitas as vezes em que discuti as ordens..., mas eu não constituía um perigo sério.» Suponham também que o autor implicava, após a revisão do texto, com a vírgula depois das reticências e queria que o revisor justificasse a correcção da mesma. Absurdo, não é? No fundo, o código da escrita não é muito diferente do código da estrada: o que não é proibido é permitido. Consultei a Academia Brasileira de Letras, que me respondeu: «Se a vírgula fizer parte do texto ao final das reticências, deve ser mantida. Nessa frase, deve ser mantida por estar antes da conjunção adversativa mas

Substantivos sigmáticos

E se eles não sabem?...



      «Marguerite, a baronesa de Reuter, a última sobrevivente da família que fundou a agência internacional de notícias Reuters, faleceu ontem, aos 96 anos, num lar de idosos francês na fronteira com o Mónaco. Mecena das artes, Marguerite era viúva de Oliver, quarto barão de Reuter, cujo avô Paul Julius Reuter fundou a agência» («Baronesa de Reuter morre em França», Diário de Notícias, 26.01.2009, p. 56).
      Pode ser gralha, sim, mas quem sabe? O substantivo assinalado é sigmático, isto é, termina em s, como lápis, pires, ténis. Conceito diferente dos pluralia tantum, de que já aqui falei uma vez, que são palavras usadas apenas no plural, como afazeres, algemas, alvíssaras, anais, antolhos, armas (brasão), arras, arredores, avós (antepassados), belas-artes, belas-letras, calças, calendas, cãs, cócegas, confins, costas, endoenças, esponsais, exéquias, férias, fezes, hemorróidas, idos, maiores (antepassados), matinas, núpcias, óculos, olheiras, parabéns, penates, pêsames, primícias, suíças, trevas, vísceras, víveres… Como também há os singularia tantum, palavras usadas apenas no singular, como sucede com as palavras que expressam ciências e artes (arquitectura, pintura), os nomes dos minerais (ouro, prata), o nome de produtos animais ou vegetais (leite, manteiga), o nome das virtudes ou vícios (caridade, malvadez), o nome de substâncias inorgânicas (azoto, oxigénio), os nomes abstractos (brancura, nobreza), alguns colectivos (prole, plebe), etc.


8.4.09

Tradução: «essay»

Ensaio… de porrada

Matt, o irmão de Lizzie McGuire, um miúdo de 11 anos, para participar num concurso tinha de redigir um ensaio. Quer dizer, para a tradutora, Celina Marto, da série Lizzie McGuire é que se tratava de um ensaio. Não fez a coisa por menos: ensaio. Que eu saiba, um ensaio é um texto de análise e interpretação crítica de determinado assunto, muito usado em teses académicas, por exemplo. É um erro muito comum e decorre do método habitual de traduzir: escolhe-se a primeira acepção dos dicionários de inglês-português e já está. Além de «ensaio», essay também significa «tentativa, experiência» e, é o caso, «composição, redacção». No âmbito escolar e mesmo extra-escolar, é o exercício que consiste em escrever um texto sobre um tema proposto («a short piece of writing on a particular subject, especially one done by students as part of the work for a course», na definição do Cambridge Advanced Learner’s Dictionary).

A pronúncia de «icebergue»

Incoerência


      «Mesmo para passar o tempo há muita gente que joga a bisca dos nove, faz um desenho com nove espaços para o jogo do galo, vai ver os golos que no futebol são marcados sobretudo pelo camisola 9, tenta perceber as manobras dos nove jogadores da equipa que defende no beisebol» («A nossa vida de cada dia costuma abrir às nove», Fernando Madaíl, Diário de Notícias/DN Gente, 3.01.2009, p. 20). Isto é coerente: queremos ler à inglesa a palavra, então escrevemo-la «beisebol». O mesmo deveria suceder com o vocábulo «icebergue». Se queremos lê-lo à inglesa, deveremos escrever «iceberg»; se queremos lê-lo à portuguesa, deveremos escrever «icebergue». Mas não é assim que acontece. O Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, indica para o vocábulo «icebergue» duas pronúncias: com i e com ai. O Vocabulário da Língua Portuguesa, de Rebelo Gonçalves, já registava a grafia «icebergue», aportuguesamento do inglês iceberg, mas sem indicar o valor de i, mas presume-se que vale i.

7.4.09

Léxico: «quadriciclo»

Imagem: http://www.lanciaflavia.it/

Então é isso

«A Polícia Judiciária de Coimbra está a investigar as circunstâncias em que Isaura Maria Simões Baptista, de 47 anos, morreu submersa nas águas da Barragem da Raiva (Penacova) quando conduzia o seu quadriciclo — veículo de quatro rodas para o qual não é necessário carta de condução —, ontem de manhã» («PJ investiga morte de mulher que caiu com o carro numa barragem», Paula Carmo, Diário de Notícias, 3.01.2009, p. 35). São vários os dicionários que registam o vocábulo «quadriciclo», de que dizem tão-só ser um veículo de quatro rodas.

Ortografia: «contramensagem»

Muito bonito, mas…

… incorrecto: «Em Madrid, a cidade que se segue, já está a funcionar a contra-mensagem cristã: “Deus existe. Goza a vida em Cristo”» («Ateístas espanhóis adoptam campanha britânica sobre rodas», Susana Salvador, Diário de Notícias, 11.01.2009, p. 37). Não se escreve assim agora nem se vai escrever assim na vigência do novo acordo ortográfico. Segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1945, somente se emprega hífen nos compostos formados com o prefixo contra quando o segundo elemento tem vida à parte e começa por vogal, h, r ou s: contra-almirante, contra-harmónico, contra-regra, contra-senha. O Acordo Ortográfico de 1990 só veio trazer uma alteração: nas formações em que o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa por r ou s, estas consoantes duplicam-se: contrarregra, contrassenha. Exemplos correctos: «“Por imperativo de cidadania. Escrevi-o pro bono [a título gratuito], e por saber que podia pôr os meus conhecimentos de Direito Constitucional ao serviço de uma causa que me parece essencial não ser adiada mais tempo”» («“Direitos fundamentais são contramaioritários”», Fernanda Câncio entrevista Isabel Mayer Moreira, constitucionalista, Diário de Notícias, 29.09.2008, p. 63). «Por essa altura, já havia contra-anúncios em que um cowboy, chapéu Stetson na cabeça, dizia para outro cowboy: “Bob, tenho um enfisema”» («Drogados em dívidas», Ferreira Fernandes, Notícias Sábado, 12.02.2009, p. 4). «Frank pede-me desculpa, caso tenha ofendido algum valor moral meu. Não ofendeu, mas vou fazer-lhe uma contraproposta de metade-metade. Espero que isso não o ofenda» («Ao computador todos temos cara de tansos», Ferreira Fernandes, Diário de Notícias, 20.4.2008, p. 11).

6.4.09

Léxico: «sanecan»

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Mais um neologismo

«Na Quinta de São Martinho, a instalação dos sanecans foi uma das maiores vitórias do tutor do bairro, figura criada pela EMAC, a empresa de ambiente de Cascais, com o objectivo de monitorizar a limpeza urbana do concelho» («Tutor encarregado de manter o bairro limpo», Rita Carvalho, Diário de Notícias, 15.02.2009, p. 56). Depois dos polibans, os sanecans. A diferença é que o primeiro vocábulo vem do espanhol polibán (bañera de asiento), já dicionarizado como «polibã», e o segundo recebeu o nome a partir de uma marca comercial e designa o contentor para recolha de excrementos caninos. A vingar esta designação, poderá, seguindo o mesmo processo do vocábulo «polibã», aportuguesar-se em «sanecã». Mais lógico ainda seria «sanecão». Ou «sanicão», de sani(tário)+cão.

Acordo Ortográfico


Entre a recessão e a trovoada

Escrevi aqui recentemente que o Record apenas recuou numa opção quanto às novas regras ortográficas. Esqueci-me foi de dizer que, desde o início, o jornal não aplicou todas as regras do novo acordo ortográfico, o que obrigou ao aviso acima, entalado entre a informação bolsista e a meteorologia. Quanto a livros, ainda revi somente três já segundo as novas regras ortográficas, e apenas um tinha o aviso de que «por vontade dos autores, o texto respeita já as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990».

5.4.09

Tradução: «greening»

Aceitem mais este

Em princípio, só os estrangeirismos bem formados e necessários deviam entrar na língua. Na prática, porém, entra tudo, e os jornalistas, que são os «grandes obreiros» da língua, deviam ser mais criteriosos. Para isso, também precisavam de ter melhor formação na língua portuguesa. O estrangeirismo de hoje, greening, encontrou felizmente umas roupagens portuguesas que lhe assentam bem e o neologismo já é usado com alguma frequência: ambientalização ou ecologização. Tanto um como outro até já têm acolhimento em documentos oficiais.

Verbo «abster-se»

X, o Abscrevente

Um clube de futebol, o Paços de Ferreira, suponhamos, apresentou em assembleia geral o balanço e viu-se que o exercício resultou num prejuízo de 275 140 euros. E quanto a votações? O jornalista asseverou que «apenas 3 dos cerca de 30 associados se absteram na votação». Isto é grave. Não a votação, mas o atentado à gramática. Um jornalista… Devia era voltar ao ensino básico.
O verbo abster-se conjuga-se como o verbo ter, pelo que correcto é abstiveram-se. O verbo abster traz-nos o sentido de «manter-se longe». Um abstencionista mantém-se longe da urna de voto; um abstinente, longe de carnes na Quarta-Feira de Cinzas e nas sextas-feiras do ano que não coincidam com solenidades litúrgicas. Um abscrevente, que acabo de inventar, devia manter-se longe da escrita. Claro que a abstinência é também abstenção. Já agora, devo lembrar que os verbos derivados de ter, como abster (e conter, deter, entreter, manter, obter, reter, suster, entre outros), quando conjugados na terceira pessoa do singular e na terceira do plural do presente do indicativo, apresentam formas que são diferenciadas por um acento gráfico. Na terceira do singular, emprega-se o acento agudo: ele abstém, advém, contém, convém, detém, entretém, mantém, obtém, provém, retém, sustém. Na terceira do plural, emprega-se o acento circunflexo: eles abstêm, advêm, contêm, convêm, detêm, entretêm, intervêm, mantêm, obtêm, provêm, retêm, sustêm. Nestes vocábulos, o acento agudo no singular é por formarem uma palavra oxítona terminada em -em (todos os vocábulos terminados em -em cuja última sílaba seja mais forte que as demais recebem acento agudo no -em: amém, armazém, ninguém, porém, Santarém, também…). O acento circunflexo no plural serve para diferençá-lo do singular. O Acordo Ortográfico de 1990 mantém inalterada esta regra. Acreditem: há mais gente a errar nisto do que possam pensar. A propósito, o Instituto Camões não tinha um Curso de Português para Jornalistas?

4.4.09

Léxico: «altermundialista»


Alternativas

«Um filme de culto da personalidade entremeado de comício altermundialista» («Diego Maradona, Emir Kusturica», Eurico de Barros, Notícias Sábado, 12.02.2009, p. 72). «Enrola um lenço palestiniano ao pescoço, vai levantar o bilhete à organização altermundialista, salta para a rua londrina, abre o peito — o que lembra Goya e as barricadas da Comuna de Paris (sem os riscos) — e, sobretudo, fica de olho nos fotógrafos que interessam (são os das agências, Reuters, AP...)» («Regras para vir nas capas», Ferreira Fernandes, Diário de Notícias, 3.04.2009, p. 64).
O vocábulo «altermundialista», que vem directamente do francês altermondialiste, não é muito usado em português. Prefere-se-lhe, o que é mais um reflexo da preponderância da língua inglesa, «antiglobalista», «manifestante antiglobalização», etc., tal como também se prefere «globalização», do inglês globalization, a «mundialização», do francês mondialisation. Já não nos chega, hélas!, muita coisa pelo paquete do Havre.

«Tarrafalista»?

Também queria saber

      Não posso dizer que fico surpreendido de dois em dois anos, de cada vez que a comunicação social usa o vocábulo «tarrafalista» Há dois anos foi a propósito da morte de Sérgio Vilarigues. Agora, a propósito da morte de Joaquim de Sousa Teixeira. «O sargento-ajudante e antigo preso do Tarrafal Joaquim de Sousa Teixeira, de 93 anos, morreu ontem no hospital militar da Estrela, em Lisboa» («Morreu um dos últimos tarrafalistas», Diário de Notícias, 3.04.2009, p. 13). Não compreendo o uso do sufixo -ista para um caso destes. Só pode ser capricho dos jornalistas ou mero psitacismo: leram ou ouviram alguém algures usar a palavra e vai de usá-la. Bem, mas o caso levou-me a reflectir no uso de «alegrista» para designar os apoiantes de Manuel Alegre. Neste caso, o sufixo está correctíssimo, pois é habitualmente usado para formar nomes que designam partidários de doutrinas artísticas, filosóficas, políticas e religiosas. Contudo, boa parte da imprensa põe aspas na palavra. Incongruências. Mas avante!