30.6.09

«Limpeza ao estômago»?

Fichas trocadas

      No Correio da Manhã de ontem, a jornalista Ana Maria Ribeiro publicou uma peça sobre Michael Jackson. Eis um excerto: «Antecipa-se o lançamento de uma sucessão de discos, livros e DVD da sua obra, bem como a proliferação de toda a espécie de ‘memorabilia’ que evoque a sua passagem meteórica pelo mundo dos vivos» («Família está rica apesar das dívidas», Ana Maria Ribeiro, Correio da Manhã, 29.06.2009, p. 37). «Passagem meteórica»? Michael Jackson viveu cinquenta anos! Bem, Blaise Pascal morreu com 39 anos. Eu sei, épocas diferentes. Mas ainda assim, só um fã afirmaria o que escreveu a jornalista. Num texto de apoio, ficamos ainda a saber que a ama dos filhos de Michael Jackson lhe fez várias «limpezas ao estômago» (talvez com uma esfregona): «Grace Rwaramba, que trabalhou como ama para Jackson, disse que o cantor abusava muito dos medicamentos e que lhe fez várias limpezas ao estômago.» Vejam lá agora não escrevam lavagem étnica… E mais (vou-me já embora), admitirá o abuso gradações? Duvido.


Léxico: «spotter»

Vejam e disparem

      Atenção: os jornalistas descobriram uma nova palavra, um estrangeirismo, e não nos vão poupar nos próximos tempos: «A PSP, cujos spotters (elementos especializados na vigilância de claques e adeptos problemáticos) estavam encarregados de acompanhar a claque do Benfica No Name Boys até à Academia de Alcochete, remete a responsabilidade da falta de controlo sobre os incidentes de anteontem para o dispositivo da GNR no local» («PSP empurra culpa para a GNR», Correio da Manhã, 29.06.2009, p. 5). «Enquanto Sporting e Benfica se travam de razões em comunicados, a GNR remete para hoje uma posição cabal sobre os incidentes de sábado em Alcochete que levaram à interrupção do jogo entre os dois clubes que decidia o campeonato de juniores. Mas, apurou o DN, a GNR ignorou a informação dos spotters (agentes da PSP que acompanham e vigiam as claques) no sentido de fechar os portões aos 65 membros das claques do Benfica que depois se envolveram numa troca de pedras» («GNR ignorou dicas de segurança dos ‘spotters’», António Pedro Pereira, Diário de Notícias, 29.06.2009). Em inglês, spotter é simplesmente um observador. Coloquialmente, no inglês americano é detective particular.

Nomes de etnias

Um pouco mais

      «Os três presidenciáveis na eleição de ontem eram Kumba Ialá, líder do PRS, balanta, convertido ao islão, Malan Bacai Sanhá, muçulmano, beafada, e Henrique Rosa, independente, católico, filho de pai português e mãe fula. […] Sanhá é beafada, pelo que receberá votos dos mandingas, dos próprios beafadas e dos djakancos e sarankulés, que foram islamizados pelos mandingas, havendo entre estas etnias uma aliança cultural, social e religiosa. […] Por outro lado, o PAIGC, e não Sanhá, mobiliza os votos dos papeles, manjacos, mancanhos, bijagós, fulupes e bramís» («Prospectivas étnicas», Raul M. Braga Pires, Diário de Notícias, 29.06.2009, p. 23). Estão quase todos dicionarizados: Bijagós, Beafadas (ou Biafadas), Felupes (não vi «Fulupes»), Manjacos (ou Manjaques), Mancanhas (não vi «Mancanhos»), Brames (e não «Bramís», além de que o Dicionário Houaiss o dá como sinónimo de «Mancanhas»). Na Internet, a única ocorrência de «Djakancos» remete para o texto citado, isto porque esta etnia é conhecida por Jacancas. Quanto a «Sarankulés», já tenho lido Saranculés e Seraculés. E ora aparece Papeles ora Papéis. Quando a preocupação, louvável, era escrever os nomes das etnias em português, não percebo porque optou o autor do texto por escrever «djakancos» e «sarankulés».

Verbo «faltar», de novo

Uma gramática ajudava

      «Os jogadores vão concentrar-se no Mar para os habituais exames médicos, numa altura em que ainda faltam acertar algumas aquisições para fechar o plantel.» «Fernando Oliveira, líder da Comissão de Gestão, confirmou ontem que, apesar de faltar dois ou três jogadores, o plantel está quase fechado.» É verdade que os erros se encontravam em páginas diferentes, em textos escritos por dois jornalistas, mas eu estava lá e impedi o desastre. Não vejo a dificuldade. Vejo é que não aprenderam nem provavelmente irão aprender.

O uso de estrangeirismos

Adivinhem

      «Este [o debate nos meios de comunicação social nos Estados Unidos] encontra-se quase completamente ocupado por políticos e por pundits como Bill O’Reilly, Keith Olbermann e Sean Hannity, estes últimos cumprindo a função de comentadores supostamente informados mas, na prática, fazendo parte de um sistema de produção de opiniões cada vez mais politizado e partidarizado, e cuja relação com alguns factos básicos conhecidos sobre a vida política é, no mínimo, problemática» («Os politólogos», Pedro Magalhães, Público, 29.06.2009, p. 29). Nesta última crónica para o Público, Pedro Magalhães usou duas vezes o termo inglês pundit sem nunca explicar do que se tratava. Claro que, não sendo jornalista, não tem a mesma gravidade, mas as consequências para leitor são as mesmas — não compreenderá do que se trata. Pundit é o nosso «pândita», mas noutra acepção que desconhecemos, a de «analista».

Actualização em 14.08.2009

      «Clinicians, pundits and researchers all like to say things like ‘There is a need for more research,’ because it sounds forward-thinking and open-minded» (Bad Science, Ben Goldacre. Londres: Fourth Estate, 2008, p. 57). «Tanto os clínicos como os peritos e os investigadores fazem afirmações do género: «É necessária mais investigação», porque transmite uma ideia de visão do futuro e abertura de espírito» (Ciência da Treta, Ben Goldacre. Tradução de Maria Georgina Segurado. Lisboa: Editorial Bizâncio, 2009, p. 76).

Ortografia: «superior-geral»

Analogia


      «Apesar de ter agradecido ao Papa o levantamento da excomunhão, Bernard Fellay, superior-geral da Fraternidade [São Pio X], reafirmou as suas reservas quanto à doutrina saída do Concílio Vaticano II» («Integristas desafiam Vaticano», Helena Tecedeiro, Diário de Notícias, 29.06.2009, p. 27). Sim, superior-geral escreve-se, à semelhança de director-geral, por exemplo, com hífen, embora poucas vezes se veja assim grafado. A língua é muito complexa e dificilmente se conseguirá uniformizá-la, ainda mais no que diz respeito à ortografia. Não é de ontem que o Diário de Notícias grafa assim a palavra: «A 35.ª Congregação Geral da Companhia de Jesus elegeu ontem, em Roma, o espanhol Adolfo Nicolás como novo superior-geral em substituição do padre Hans-Peter Kolvenbach. O padre espanhol, de 71 anos, torna-se o 29.º dirigente da ordem desde a sua fundação, em 1540, por Santo Inácio de Loyola» («Jesuítas elegem padre espanhol para novo superior-geral da ordem», Abel Coelho de Morais, Diário de Notícias, 20.01.2008).

29.6.09

«Quiquadrado»?

Qual delas?

      E a propósito de ler aqui num texto «cociente» em vez de «quociente», que prefiro por estar perto do presumível étimo latino: escreve-se qui-quadrado, qui quadrado ou quiquadrado? Em inglês escreve-se chi-square. Se é a mera leitura de X ao quadrado, sim, deveria escrever-se «qui quadrado». Qui é o nome da vigésima segunda letra do alfabeto grego. Contudo, substantivado, creio que o mais correcto é quiquadrado. Há quem escreva chi, mas, pelo menos dicionarizado, é apenas o termo popular e familiar para abraço.

«Liberado»

Muito bem

      Já alguma vez ouviram um português de gema dizer que determinada mulher era sexualmente liberada? Pois não, só um brasileiro o diz. Contudo, a acepção faz-nos falta. Se consultarmos um qualquer dicionário, para o adjectivo «liberado» só encontramos o significado de título que já foi pago. Referido àquele que se libertou de certas convenções sociais e morais seguidas pela maioria, é acepção que nem como brasileirismo aparece referida. Como fazemos: optamos por «libertada»? «Livre»? E será o mesmo? Eis que vejo numa tradução portuguesa, de Fernanda Pinto Rodrigues, a acepção brasileira: «Não é uma semiadolescente, não é desleixada e desgrenhada, não é uma rapariga liberada, digamos» (O Animal Moribundo, Philip Roth. 3.ª edição. Tradução de Fernanda Pinto Rodrigues e revisão de Manuela V. C. Gomes da Silva. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2008, p. 12).

«V2»

Como um foguete

      Durante a Segunda Guerra Mundial, os Alemães lançaram V2 sobre Londres. Atingiam velocidades supersónicas ou ultra-sónicas: mais de cinco vezes a velocidade do som. As pessoas só as ouviam quando já tinham atingido o solo. Mas as V2 eram o quê? Em inglês, diz-se rocket. Numa tradução, vejo vertido por foguetão, mas, ao ouvir este vocábulo, mais depressa me ocorre a imagem de um veículo utilizado para transportar satélites artificiais e lançá-los em determinada órbita e para exploração do espaço cósmico do que a de uma arma de deflagração que se projecta à distância. Mas também tenho visto as V2 referidas como foguetes, pois um «foguete» é também um projéctil autopropulsionado. Finalmente, tenho lido igualmente que a V2 é um míssil, pois este é um «projéctil equipado com dispositivo motopropulsor, autoguiado, teleguiado ou não guiado, que pode atingir velocidades supersónicas e alcançar distâncias da ordem dos milhares de quilómetros e é geralmente usado como arma, para atingir um alvo» (Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora). O que acham os meus leitores?

Ferramentas (V)


Ferramentas de carpinteiro     


      Pela quinta semana, cá estamos com mais uma imagem de ferramentas de carpinteiro: formão, bedame, goiva, armilheiro, enxó (e não «enchó», que é o mesmo que «ichó», uma armadilha para caçar perdizes e coelhos, do latim ostiolu-, «portinha». Como sucedeu com tantos termos latinos, como plumbu, que deu «prumo» e «chumbo», este deu origem a dois vocábulos em português [é o que se chama formas divergentes ou alotrópicas], uma forma popular, enchó, e um cultismo, ostíolo, que é a designação em Biologia de certos orifícios em órgãos vegetais e animais, como nos conceptáculos das algas, nos esporângios, nos estomas, etc.), raspador, enxó de rabo, nível, prumo, corta-mão, escantilhão e metro de madeira. Passemos, como é habitual, à definição dos mais desconhecidos. Formão: utensílio utilizado por carpinteiros e ferradores, geralmente de forma rectangular, com uma lâmina larga e achatada com gume numa das extremidades e cabo na outra (chisel, em inglês). Bedame (do francês bec-d’âne): formão comprido e estreito, de secção quadrada, para abrir encaixes na madeira (mortise-chisel, em inglês). Goiva: espécie de formão com lâmina em meia-cana, utilizada em carpintaria, escultura, etc., para abrir sulcos na madeira (gouge, em inglês). Há dois tipos de goivas: a de releixo por fora, que apresenta o fio no lado exterior ou convexo, também chamada goiva de releixo; a de releixo por dentro, a que o apresenta do lado interior ou côncavo, também chamada goiva de enxovar. Armilheiro: formão pequeno e estreito, usado para abrir as fendas estreitas em que se alojam as fichas de armilhar. Enxó: utensílio de carpinteiro para desbastar peças grossas de madeira (adze, em inglês). Corta-mão é o mesmo que esquadro (carpenter’s rule or square, em inglês). O escantilhão é um utensílio que serve de molde em certos géneros de desenho.

28.6.09

Sobre «sondagem»

Sondemos

      O que é que um técnico de sondagens (pollster, em inglês) faz? Sim, faz sondagens, que é um método de investigação que consiste na recolha de dados parciais, o universo considerado, que permitam obter um resultado representativo do assunto em análise. Mas o verbo? Um vereador vereia, um presidente preside, um secretário secretaria, um crítico critica, um revisor revê, um tradutor traduz, um médico medica (e engana-se nos diagnósticos, incapaz de interpretar, por falta de formação, as probabilidades), um enfermeiro não enferma, um professor não professa… Estão a ver? Em sentido figurado, sondar (do termo latino hipotético subundare [de sub, «sob» e unda, «onda»], «mergulhar». E hipotético porque não está registado. Para dizerem o mesmo, os Romanos usavam o verbo tentare) é procurar conhecer a opinião de alguém, e foi a partir deste sentido que se formou o substantivo. Este verbo tem outros sentidos figurados. Se eu disser que sondei o meu sogro para ver se ele me dá dinheiro para eu comprar um BMW X3, sondar já significa tactear, procurar saber com cautela.

Léxico: «mosca»


Mosca bilingue     


      Como é que se chama àquele ponto central do alvo? Muitos leitores, aposto, dir-me-ão: «Em inglês é bull’s-eye.» Sim, pois, eu sei que the small central circle on a target tem esse nome, mas em português? É mosca. Mosca simples o ponto central e mosca dupla o círculo em redor daquele. Parece que até em sentido técnico-militar é assim que se designa. Decerto que já ouviram ou usaram a expressão acertar na mosca. É desta mosca que se trata. Ah, pensavam que a expressão vinha do francês… Talvez. Acertar na mouche, dizem os nossos compatriotas mais poliglotas. Faire mouche, dizem os Franceses. Sim, porque mouche é, também, o «petit cercle noir placé au centre d’une cible que l’on vise dans un tir au pistolet ou au fuzil».

Léxico: «umami»

O quinto gosto

      Kikunae Ikeda (1864–1936), professor na Universidade Imperial de Tóquio, descobriu-o em 1908 e só ontem eu o soube, e por acaso. Mas trocava eu a ignorância por uma cirrose? Nem tanto. Grave era se fosse crítico de vinhos (Helder Guégués, wine critic) e desconhecesse que aquele japonês tinha dado o nome de umami ao quinto gosto básico, além dos já conhecidos ácido, amargo, doce e salgado. É verdade, os críticos de vinhos, como os provadores de vinho (Helder Guégués, wine taster), usam aqueles cuspidores, mas a tentação é grande.

Tradução do inglês

O bar do bar     


      Na quinta-feira à noite, dei uma olhadela distraída ao canal Hollywood. Estava a passar o filme Albino Alligator, com Faye Dunaway, Matt Dillon e outros. Conta a história de três foragidos que se escondem num bar depois de uma tentativa de roubo. Dova (Matt Dillon), e foi nesta altura que comecei a ver, pede a Dino (M. Emmet Walsh), o dono do bar, que lhe ponha não sei quê em cima do «bar». Quer dizer, do «bar» foi o que o tradutor escreveu e a personagem disse. Só que, em inglês, bar é não apenas (entre muitas outras acepções, que agora não vêm ao caso) «a place where especially alcoholic drinks are sold and drunk», mas também «a straight piece (as of wood or metal) that is longer than it is wide and has any of various uses (as for a lever, support, barrier, or fastening», isto é, um balcão. Diagnóstico: irreflexão, precipitação do tradutor. Como muitos dicionários bilingues inglês-português no verbete «bar» não registam a acepção de «balcão» ou esta não aparece em primeiro lugar, o tradutor resolve a dificuldade desta maneira.

27.6.09

Ortografia: «pistola-radar»

Dispara mas não mata


      Se se escreve, e bem, pistola-metralhadora, também se deverá escrever pistola-radar (tradução do inglês radar gun), pois o raciocínio que nos leva a usar o hífen no primeiro vocábulo é o mesmo que nos deverá levar a usá-lo no segundo. Afinal, esta pistola não dispara projécteis, não é uma arma de fogo, é antes um radar portátil em forma de pistola. Não simplesmente um radar portátil, pois este é, em inglês, mobile radar. «Três aventureiros polares britânicos vão começar este mês uma caminhada de mil quilómetros até ao Pólo Norte com um radar portátil experimental a fim de medir, com rigor, o ritmo do degelo no oceano Árctico, foi hoje revelado» («Três britânicos vão percorrer mil quilómetros até ao Pólo Norte para medir o degelo do Árctico», Público, 12.02.2009). «They were taking measurements of sea-ice thickness — primarily from drilling following the failure of a mobile radar unit — in a bid to help scientists better understand the changes taking place at the highest latitudes» («Arctic diary: Explorers’ ice quest», David Shukman, BBC News, 14.05.2009).

Tradução de «background»

Música em… diz!

      «(Sounds odd unless, like me, you’ve had the experience of staying up all night grading a tall stack of papers with Star Trek reruns playing in the background to break the monotony.)» Assim justifica o autor, que hoje não posso revelar quem é, e isto não é um jogo, que outro professor tivesse atribuído a dois trabalhos escolares exactamente iguais, porque copiados, duas notas diferentes: a um 79, ao outro, 90. Só me pergunto é como é que alguns consultores do Ciberdúvidas traduziriam aquele background. Agora estão de férias.

Escala de avaliação

Escala AE

Não sei se é a primeira vez, mas reparei que as notas das provas de aferição deste ano estão numa escala de A a E. Numa pauta de classificações que tenho à minha frente, leio: «Observações: A=Muito Bom, B=Bom, C=Satisfaz, D=Não Satisfaz, E=Não Satisfaz». E a que corresponde cada um dos níveis? Quais os intervalos? Os professores correctores saberão, naturalmente, mas não os pais nem, a avaliar pelo que ouvi, os restantes professores. E, este é o cerne da questão, isto não é macaquear a escala de avaliação escolar norte-americana? Pelo menos em relação aos EUA, sabemos que os níveis de classificação nas escolas são os seguintes: A (90-100), B (80-89), C (70-79), D (60-69), F (menos de 60). Caro Telmo Bértolo, ajude-nos.

«Skiff»? «Esquife»!

O esquife da língua

«A skiff com oito piratas da Somália que ontem tentou atacar o navio de Singapura, chegando a disparar para a ponte do navio, já tinha sido registada pela Corte-Real» («Fragata acaba missão a impedir ataque pirata», João Pedro Fonseca, Diário de Notícias, 23.06.2009, p. 9). Só um lamentável desconhecimento da língua portuguesa pode explicar que um jornalista escreva, sem explicar, «skiff» em vez de «esquife». A língua inglesa terá recebido a palavra do francês — e nós também. O Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora em linha define esquife como uma embarcação pequena, semelhante à baleeira. (Talvez o nosso leitor Paulo Araujo nos possa explicar se é assim.) Vejam como o Estadão escreve: «O tenente comandante da Otan Alexandre Fernandes afirmou que o petroleiro norueguês MV Kition solicitou ajuda por rádio na tarde de sexta-feira depois que um esquife cheio de piratas armados com rifles e granadas se aproximou» («Forças da Otan evitam ataque a petroleiro norueguês», Alison Bevege, Estadão, 2.05.2009). Na legenda de uma imagem que ilustrava o artigo, lia-se também a variante Côrte-Real. No sítio da Marinha, contudo, lê-se sempre Corte-Real. A anteceder o nome dos navios da Marinha, está sempre a abreviatura N. R. P., que não é de nosso reverendo padre, mas de Navio da República Portuguesa, como a anteceder o nome dos navios da Marinha inglesa está a abreviatura HMS. A propósito, os Brasileiros têm um Dicionário de Formas de Tratamento, da autoria de Luiz Gonzaga Paul, publicado pela AGE em 2008.

Anglicismo sintáctico

À flor da pele

«As gueixas debruçavam-se das janelas e das varandas, as compridas mangas de seda flutuando como bandeiras vermelhas e roxas» (Madame Sadayakko, Lesley Downer. Tradução de Maria José Figueiredo e revisão de Luís Milheiro. Lisboa: Bertrand Editora, 2004, p. 292). Isto é português? Bem, não exactamente. Na segunda oração, com o verbo no gerúndio, a sintaxe inglesa, com o sujeito em posição pré-verbal, está lá toda, mal disfarçada. Nesta obra concretamente, os exemplos são mais que muitos (mas podia apontar exemplos de dezenas de traduções): «A zona era atravessada por avenidas, percorridas por centenas de riquexós que se deslocavam a alta velocidade, as rodas produzindo o ruído típico do metal enquanto os condutores berravam advertências aos transeuntes que se lhes atravessavam à frente» (p. 38). Os tradutores acham e os revisores aprovam, submissos. O que acha o Fernando?

26.6.09

Tradução de «fret»

Imagem: http://www.andrewshearman.com/

Don’t fret

Parece ter sido Blaise Pascal (1623–1662), quando especulava com uma ideia para uma máquina de movimento perpétuo, o inventor da roleta (em francês, roulette, «pequena roda»). O que me interessa agora é saber o nome que se dá à divisória entre cada uma das 36 casas, mais o 0 (e 00 na roleta americana), alternadamente vermelhas e pretas. Em inglês é fret, por causa, imagino, da semelhança com cada um dos filetes metálicos que, no braço dos instrumentos de corda, orientam a posição dos dedos. A estes filetes damos nós o nome de trastos, que vem do latim transtrum, «travessa; viga transversal; banco do remador» (de onde também poderá derivar o inglês thwart, «banco de remador; bancada de embarcação»). E na roleta?

Caracteres especiais


No Algarve!?


      A propósito desta notícia, alguns jornais afirmam que a residência do falecido realizador sueco era na ilha báltica de Faro. Noutros, entre os quais destaco o Público (P2, 23.06.2009, p. 8), desta vez cuidadoso, o nome da ilha aparece grafado correctamente: Fårö. Quando, a propósito do nome do futebolista Nemanja Vidić, aqui publiquei um texto em que defendia o uso dos caracteres originais, um ignorante furibundo deixou-me um comentário virulento e insultuoso em que dizia que só um ignorante — no caso, eu — não tinha noção de que nos jornais era impossível grafar os nomes, topónimos ou antropónimos, da forma original. Pois, pois… As letras å e ö são, no alfabeto sueco, vogais, a par de a, e, i, o, u, y e ä. Logo, o sinal que encima o carácter não é um diacrítico, mas uma espécie de ligatura, até porque, historicamente, å veio a determinada altura substituir aa.

Quem faz estatísticas

Profissão?...

Não, não: ao indivíduo que se ocupa de trabalhos estatísticos não se dá o nome de especialista em estatística. Ou dará? Para espanto meu, dizem-se, pelo menos alguns, estaticistas e outros, estatísticos. E estaticista é, há ainda esse risco, quase parónimo de esteticista… O Dicionário Houaiss não regista «estaticista», mas estatista. Em inglês, é statistician; em francês, statisticien; em espanhol, estadístico. Prefiro a forma «estatista», por ser um substantivo comum de dois (o/a estatista) e ser mais curto.

«Auto-recreação», outra vez

Como disse?


      Maria Flor Pedroso esteve a entrevistar Tavares Moreira, antigo governador do Banco de Portugal e antigo secretário de Estado de Miguel Cadilhe, na Antena 1. O motivo, julgo, pois não ouvi desde o início, é a publicação de um livro, Processo Indecente, em que conta que o processo judicial de que foi alvo visava impedir que fosse nomeado para a Caixa Geral de Depósitos, no tempo de Durão Barroso. Às tantas, disse que qualquer coisa tinha sido feita por «auto-recreação». Já vimos aqui esse erro. Também disse, em relação a certa matéria, que não tinha sido «nem ouvido nem achado», o que parece ser a recriação de «nem visto nem achado».

Léxico: «bomba-lapa»

Sua lapa

«A explosão de uma bomba-lapa com cerca de dois quilos de explosivos, colocada junto ao depósito de gasolina, incendiou o carro e propagou as chamas a outros quatro veículos» («Polícia em chamas no seu carro destruído pela ETA gritou “tirem-me daqui”», Nuno Ribeiro, Público, 20.06.2009, p. 16). Em inglês diz-se limpet mine. Limpet traduz-se por lapa, o molusco gastrópode de concha univalve. Em sentido figurado, limpet designa o funcionário público agarrado ao seu lugar. «Chief Inspector Eduardo Puelles García died instantly when a limpet mine attached to his car exploded at 9.05am. The attack took place in car park near his home in Arrigarriga, near Bilbao» («Eta kills Bilbao anti-terror chief Eduardo Puelles García in car bomb attack», Graham Keeley, The Times, 19.06.2009).
Em francês diz-se bombe ventouse. «L’explosion “semble avoir été provoquée par une bombe ventouse fixée sous le véhicule, une méthode souvent employée par l’organisation clandestine pour ses attentats meurtriers, selon cette source [Paxti López, chefe do governo autónomo do País Basco]» («Un policier tué dans un attentat au Pays Basque», Libération, 19.06.2009).

Género de siglas

No… na… hum…

«Porque é uma matéria com uma atraente combinação de fascínio intelectual e porque elas me ouviram no NPR a fazer a crítica de livros e me viram no Thirteen a falar de cultura» (O Animal Moribundo, Philip Roth. 3.ª edição. Tradução de Fernanda Pinto Rodrigues e revisão de Manuela V. C. Gomes da Silva. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2008, p. 11). Uma chamada de nota à sigla NPR explica: «National Public Radio. (N. da T.)» Sendo assim, deveria ser «na NPR», como vimos aqui, matéria relacionada com estoutra. Mais à frente, lê-se: «Eu, seu professor de Crítica Prática, o esteta do PBS dos domingos de manhã, a autoridade reinante da televisão de Nova Iorque acerca do que há presentemente de melhor para ver, ouvir e ler — eu declarara-a uma grande obra de arte» (p. 3). Aqui, uma nota a PBS diz: «Public Broadcasting Service. (N. da T.

25.6.09

Sobre «marchante»

Marchand des quatre-saisons

O filho de David Kepesh, o protagonista de O Animal Moribundo, de Philip Roth (Lisboa: Publicações Dom Quixote, 2008. Tradução de Fernanda Pinto Rodrigues e revisão de Manuela V. C. Gomes da Silva, p. 11), tem uma empresa de restauração de obras de arte. Diz-lhe o pai: «Conheces todos esses artistas. Conheces todos esses marchantes» (p. 76). Algo nos escapou. Mas a empresa não é de restauração de obras de arte? Nos dicionários que conheço, marchante é aquele que negoceia em gado para os açougues ou talhos. Já alguém me dirá que «neste caso nem é uma palavra nova, é uma apropriação natural de significante para um significado». Pois é, mas o problema nem é esse, mas o leitor desconhecer a intenção (nem todos somos leitores especializados, revisores ou professores universitários, não é?) do tradutor.
O galicismo marchand configura um caso muito interessante. Na língua francesa tem um sentido abrangente de «comerciante»; entre nós (e o mesmo se passa no âmbito do espanhol), usamo-lo para designar apenas o comerciante de obras de arte.

Ortografia: «semiópera»

Semioculto, o erro

Tive de rever um textinho (ou textículo, se quiserem) em que se lia que Henry Purcell compôs «pelo menos meia centena de semi-óperas». Até em publicações da Fundação Calouste Gulbenkian, habitualmente cuidados, vejo o erro: «Henry Purcell deixou-nos um total de cinco semi-óperas: The Dioclesian (1690), The Fairy Queen (1692), The Tempest (ca. 1695), The Indian Queen (1695) e King Arthur (1691) a única com um libreto especificamente escrito para o efeito da autoria de John Dryden, já que as restantes quatro foram adaptações de peças já existentes» («A música como teatro», Serviço de Música da Fundação Calouste Gulbenkian, 1998). Semioculto, semiobscuro, semioficioso…

Léxico: «flanelógrafo»

Imagem: http://3.bp.blogspot.com/

Na escola


«Para quem não se lembrar, o dito flanelógrafo consistia numa prosaica flanela onde as professoras colavam umas árvores, cães, casas, etc., tudo devidamente recortado em flanelas coloridas» («O flanelógrafo, o acetato e o Magalhães», Helena Matos, Público, 26.03.2009, p. 33). Bem, método pedagógico do passado, sim mas não é exactamente uma «prosaica flanela». É antes uma prancha rija, de cartão, cartolina, platex, corticite ou isopor, com um lado revestido de flanela ou feltro (chamando-se então feltrógrafo), habitualmente verde-escura ou preta, onde são aplicados elementos recortados em cartolina e com pequenos pedaços de lixa ou de velcro colados na parte posterior para garantir a aderência de figuras: árvores, cães, casas, etc.

Como se escreve nos jornais

Escrever com propriedade

«“Não tinha a noção do que estava a fazer”, afirmou Vítor Santos, que conseguiu votar em duas freguesias (uma do concelho da Batalha e outra de Leiria), porque possuía dois números de eleitor, um já antigo e um outro indexado ao novo Cartão do Cidadão» («Cidadão vota duas vezes», Diário de Notícias, 18.06.2009, p. 11). «Indexado»? Indexado é posto, registado num índice ou lista ordenada. Será o termo correcto? Escrever qualquer coisa que vem à cabeça não me parece lá muito judicioso.

24.6.09

«Tanatoprator»?

Ambiente ascético


      O Diário de Notícias entrevistou Nuno Coutinho, técnico de tanatopraxia na funerária Servilusa: «Eu não embalsamo corpos. Para ser preciso, sou um tanatoprator. Utilizo uma técnica muito parecida com um embalsamamento e mais generalizada. A diferença está nos líquidos que injectamos nos cadáveres. O tanatoprator utiliza líquidos mais fracos do que o técnico que faz os embalsamamentos» («“Será impossível disfarçar a decomposição dos corpos”», Hugo Coelho, Diário de Notícias, 22.06.2009). Na página na Internet da Servilusa, lê-se, a propósito da tanatopraxia, isto: «Os tratamentos de Tanatopraxia permitem a difusão no conjunto dos tecidos de uma dose suficiente de um produto bactericida adaptado, cujo efeito é somente destruir as bactérias existentes, mas ainda estabelecer um ambiente ascético capaz de resistir a uma invasão microbiana.» Vejamos: os mais comuns dicionários já registam o termo quiropraxia, ao qual não fazem corresponder o adjectivo e nome masculino *quiroprator, mas quiroprático. Assim, a tanatopraxia só pode corresponder tanatoprático. O Dicionário Houaiss regista *tanatopráctico e tanatopráxico. A primeira forma, que aparece em dois verbetes, só pode ser lapso, pois regista, e bem, quiroprático.

Género de «SMS»

Nem pensar



      «E para que as clientes não esperem no exterior, a Pink Ladies envia um SMS a avisar que o táxi já chegou» («Táxis rosa contra agressões sexuais», Diário de Notícias, 6.4.2006, p. 24). «O homem terá então trocado mensagens sms com a vítima, que não conhecia, e em Dezembro de 2008 marcou um encontro em Lisboa, em que sujeitou o jovem “à prática de diversos actos sexuais”» («Seduziu através de ‘chat’ e violou rapaz de 14 anos», Diário de Notícias, 21.02.2009, p. 24). «Mas até ao fecho desta edição a pivô do Jornal Nacional 6.ª Feira e directora adjunta da TVI não atendeu os telefonemas nem respondeu à SMS enviada» («“Moura Guedes é um exemplo de péssimo jornalismo”», Tiago Guilherme, Diário de Notícias, 31.05.2009, p. 59).
      Primeiro do género masculino (considerado o correcto, por ser service o núcleo desta sigla inglesa), depois a adjunção do nome «mensagem» e, finalmente, a passagem ao género feminino, por suposta elisão do nome «mensagem». No meio, algo mais mudou: a sigla passou a ser, irregularmente, grafada em minúsculas.

23.6.09

«Encomendar» e «pedir»

Are you ready to order?

«Com as pernas a tremer, dirigiram-se ao restaurante mais próximo, onde começaram a encomendar — bifes, caril, tudo aquilo com que haviam sonhado no decurso das últimas semanas» (Madame Sadayakko, Lesley Downer. Tradução de Maria José Figueiredo e revisão de Luís Milheiro. Lisboa: Bertrand Editora, 2004, p. 153). Fico sempre espantado quando vejo tradutores, e tradutores experientes, a encomendar pratos nos restaurantes. E os revisores, na euforia da companhia, fazem, inconscientemente, o mesmo. Lá por em inglês encomendar e pedir poderem ser expressos pelo mesmo verbo, to order, e order, como substantivo, poder ser traduzido por encomenda ou pedido, não quer dizer que seja tudo o mesmo.

Ortografia: «narcoestado»

Sem narcoanálise

      «O resvalar da antiga Guiné Portuguesa para o estatuto de Narcoestado fora admitida o mês passado pelo Departamento de Estado, em Washington» («Primeiro Narcoestado da África Ocidental terá cocaína a circular à média de mais de mil milhões de dólares por ano», Jorge Heitor, Público, 26.03.2009, p. 4). Sim, senhor: narcoestado escreve-se sem hífen, pois o antepositivo narc(o)- solda-se sempre ao elemento seguinte, excepto, naturalmente quando este começa por h, mas, mesmo nesse caso, podemos ter: narco-hipnose e narcoipnose. Já não me parece, caro Jorge Heitor, que precise de começar por maiúscula inicial. Veja este exemplo com outro antepositivo: «Os modelos seleccionados por Pazzi são todos padres católicos que transitam por Roma, mas não são necessariamente italianos: o padre de Fevereiro, por exemplo, é espanhol, de Saragoça, e na cidade que acolhe o microestado do Vaticano, o fotógrafo — que é de Veneza — apanha na sua objectiva sacerdotes de toda a Itália» («Um belo padre por mês», Leonor Moreira, Notícias Sábado, 6.06.2009, p. 32). Escusado será dizer que o termo «narcoestado», cada vez mais usado nos meios de comunicação social, ainda não está dicionarizado.

Sobre «braille»

Iídiche e braile

«Traduzidos em praticamente todas as línguas e linguagens, incluindo o yidish, o latim, o esperanto, o Braille e o ITA (initial teaching alphabet), os dois livros de Milne e a sua desconcertante inocência linguística (nunca como em Winnie-the-Pooh se terá ido tão longe no uso retórico do erro ortográfico e da irrisão e dissolução verbais) constituem um reencontro melancólico e feliz com o distante mistério da infância e são hoje “clássicos” dos públicos adolescentes e adultos mais ainda, talvez, do que do público especificamente infantil» («F de falso», Manuel António Pina, Notícias Magazine, 31.05.2009, p. 98). Não se percebe (ou percebe, já vamos ver) porque é que o autor escrever Braille com maiúscula e o nome das restantes línguas em minúscula inicial. Há-de ter sido porque o sistema de escrita foi inventado pelo pedagogo francês Louis Braille (1809–1852). É claro que podia tê-la grafado em maiúscula inicial, se tivesse feito o mesmo com a designação das outras línguas. Como não o fez, correcto é braille ou mesmo braile. E é claro que prefiro a grafia aportuguesada iídiche.

22.6.09

Prefixo «re-»


O regresso do superomem




      Lembram-se de eu ter aqui perguntado, recentemente, porque é que, se se escreve «carboidrato», não se deveria poder escrever «superomem»? Óptimo, vejo que não se têm esquecido de tomar o Fosgluten. Voltei a pensar no caso depois de ter deparado com a palavra «reabitar». Ora, não é que o Regime de Apoio à Recuperação Habitacional em Áreas Urbanas Antigas (Decreto-Lei n.º 105/96, de 31 de Julho) é conhecido (mas vocês, quando vão pela rua, não olham para os andaimes, onde se vêem cartazes com os dizeres?) por REHABITA? A língua é pura convenção. Nuns casos, julga-se que escrever «superomem» iria mascarar os elementos constitutivos do vocábulo, e rejeita-se a grafia; noutros, já se acha que no verbo reabitar ninguém deixa de ver a habitação, e acolhe-se a grafia. Será mesmo assim?

«Epicentro» e «hipocentro»

Uma questão de sufixo e brio

      Na página da Internet do GAVE (Gabinete de Avaliação Educacional), o Ministério da Educação corrigiu um erro que constava na prova de Biologia e Geologia realizada no dia 18, acrescentando a nota final: «Hipocentros e não epicentros como, por lapso, se refere na prova impressa.» Numa legenda a um perfil de uma caldeira vulcânica, designava-se como epicentro (região da superfície terrestre, por cima do hipocentro, onde é máxima a intensidade de um abalo sísmico e onde este atingiu em primeiro lugar a superfície do solo) o que de facto era o hipocentro (ponto do interior da crosta terrestre onde tem origem um sismo, foco sísmico). Concordo com o Prof. Carlos Fiolhais: «Devemos aplaudir quando um erro, qualquer que ele seja, é emendado.» Criticável é que o Ministério da Educação não contrate revisores para todos os documentos que redige e publica. Naturalmente que na prova impressa o erro permanecerá incorrigível. Contudo, a prova continuará a ser descarregada do sítio do GAVE.
      Num caso, o prefixo é epi- (que exprime a ideia de por cima de, sobre, fora de, por fora de), como em epitáfio e epiderme; no outro, o prefixo é hip(o)- (que exprime a ideia de debaixo, em posição inferior), como em hipoderme e hipoblasto.

Ferramentas (IV)


Ferramentas de carpinteiro

Pela quarta semana, cá estamos com mais uma imagem de ferramentas de carpinteiro: esmeril, banco de carpinteiro, gigantes, rebolo, burra, gastalho, grampo, cinta, moço e pinça. Na página da direita, temos apenas ferramentas de aperto. Vamos, como é habitual, à definição dos mais desconhecidos. Gastalho: grampo usado especialmente pelos tanoeiros e marceneiros (cramp, em inglês), que consiste numa peça de madeira grossa e rija, com um cavado onde se introduzem as tábuas a colar a topo, etc., sendo o aperto dado por uma cunha. Para peças muito largas, o carpinteiro usa o sargento, que é uma prensa grande de madeira ou de ferro. Moço: instrumento com que os carpinteiros apertam peças largas. Burra ou cavalete de serrador: cavalete usado pelos serradores de madeira (sawstool, em inglês), constituído por um frechal longitudinal, apoiado em quatro pés. Destina-se à serragem de grossas vigas. Rebolo: pequena mó que gira em torno de um eixo e serve para amolar objectos cortantes (grindstone, em inglês). A mesa de trabalho do carpinteiro designa-se por banco (carpenter’s workbench, em inglês). É constituído por uma trave longitudinal, chamada frechal ou barra, fixa por meio de mechas a quatro pés ligados entre si por travessas e em geral revestidos de tabuado de modo a formar um pequeno armário onde o carpinteiro guarda ferramentas, papéis, etc. Os pés são inclinados a fim de aumentar a estabilidade do banco. A parte rebaixada, a todo o comprimento, do tampo é denominada caixa ou cacifo, e serve para guardar as diversas ferramentas. A superfície do banco tem vários furos quadrados, que se vêem na imagem, em que entram, por pressão, os prismas de madeira dura ou ferro a que se dá o nome de colchetes ou esperas, que se levantam mais ou menos segundo é preciso; servem para a eles se encostarem as tábuas ou outras peças a aplainar, por exemplo. Um dos elementos mais característicos do banco de carpinteiro é o cabeçote, que é uma peça móvel de madeira, que, por meio de parafuso e guias de ferro ou de madeira, permite apertar qualquer peça de madeira que se queira serrar, aplainar, etc.

21.6.09

«Ficcionalizar» existe?

Queremos dois?

Um leitor pergunta-me se ficcionalizar existe oficialmente. Por «oficialmente» entenda-se a sua dicionarização. Em nenhum dicionário encontrei este verbo. Era, aliás, uma questão à qual já tinha dedicado uns momentos de reflexão. Vem do inglês, isso é certo, fictionalize, mas nós já temos «ficcionar», que, curiosamente, nem todos (!) os dicionários registam. Mas é como o leitor escrevia: encontra-se em todo o lado, mas sobretudo em estudos literários e crítica literária. Quanto à formação no inglês, foi feita por uma das formas que também encontramos na língua portuguesa: a um adjectivo, fictional (ficcional) acrescentou-se o sufixo ize (izar). Em português, a formação de verbos em –izar é a mais frequente a partir de adjectivos e é usada sobretudo na terminologia formal, académica e técnica (agilizar, compatibilizar, consciencializar, disponibilizar, esterilizar, fertilizar, fidelizar, industrializar, minimizar, oficializar, poetizar, relativizar, sintetizar, urbanizar, visualizar…), como é o caso. Em conclusão, se não está ainda definitivamente legitimado pela inclusão nos dicionários gerais da língua, está todavia bem formado. Já tenho é dúvidas se nos fará falta. É relativo. Não nos chega apenas uma gravata? Mas temos duas ou dúzias. Assim, talvez possamos também ter e usar ficcionar e ficcionalizar.

Concordância quanto ao número

Paideia

«Começavam os miríficos anos 60 em que parecia que tudo acontecia. Staline tinha morrido em 1953 e dir-se-ia que o grande império soviético e a sua rigidez começava a dar de si» («Maio 68», Teresa Maria, Paideia-Educação, n.º 128, Abril/Maio/Junho/Julho/Agosto de 2009, p. 8). O sujeito é composto, logo, em rigor o verbo vai para o plural. Apenas no caso de os núcleos do sujeito serem sinónimos e estarem no singular é que o verbo poderá ficar no plural (concordância gramatical ou lógica) ou no singular (concordância estilística). Veja-se esta frase: «A propaganda do Reich e, em toda a parte, a propaganda dos colaboracionistas partiam desse postulado, com a aprovação entusiástica da direita continental» («As consequências de uma batalha», Vasco Pulido Valente, Público, 7.06.2009, p. 40). Em frases semelhantes, muitas vezes a concordância é feita no singular, o que se deverá atribuir ao facto de o sujeito se repetir. De qualquer modo, encontrei erros e gralhas (e a pontuação…) sem conta naquela revistinha, e tem apenas 24 páginas… É verdade que a directora tem 91 anos, mas ninguém espera que seja o director de uma publicação a velar pessoalmente por esses aspectos. Há-de (tem de) haver lá alguém. Neste caso, prescindiu-se dos serviços de um revisor. Talvez porque é editada por uma associação de professores, a Associação de Professores Católicos.

20.6.09

Pronome relativo «quem»

Quem disse?

«O anúncio foi feito ontem pelo secretário de Estado Adjunto e da Educação, Jorge Pedreira, segundo quem podem ser dispensados da prova os professores que tiverem classificação de Bom ou mais na avaliação» («Professores com Bom não fazem prova de ingresso», C. S., Correio da Manhã, 13.06.2009, p. 23). Só queria que reparassem no uso relativamente invulgar do pronome relativo quem neste tipo de construção. É muito mais comum encontrarmos a construção «segundo o(a) qual». Contudo, neste caso, por se referir a uma pessoa, foi correctamente usado. Esta é mesmo a única possibilidade de usar este pronome relativo sem estar antecedido de preposição (e algumas gramáticas editadas no Brasil afirmam, incorrectamente, que este pronome só pode aparecer preposicionado), funcionando como sujeito da oração. Quem é o acusativo latino (quĕm) dos pronomes relativo, interrogativo e relativo indefinido qui, quis, tendo passado a desempenhar funções na língua portuguesa tanto de complemento como de sujeito de oração. Em espanhol, quien desempenha as mesmas funções sintácticas, mas, ao contrário do português, varia em número: ¿Quiénes son los mejores músicos del país? Em catalão, o pronome relativo referente a pessoas é qui, do latim quī: L’home de qui parlàvem.

Prefixo «super-»

É desta?
No Diário de Notícias, que não tem revisores, escreve-se assim: «Estes problemas afectam sobretudo os casos de obesidade mais grave, como os de pessoas com índices de massa corporal (relação peso-altura) acima dos 45 — superobesos» («Empresas cobram mais do dobro por seguros a obesos», Diana Mendes, Diário de Notícias, 23.05.2009, p. 20). No Correio da Manhã, com revisores, escreve-se assim: «O super-espião que faz super-notas de 100 dólares foi identificado, pelos sul-coreanos e pelos americanos» («Ver claro», José Mateus, Correio da Manhã, 13.06.2009, p. 34). Será difícil perceber que este prefixo só está sujeito ao hífen antes de h ou r, será? Vá lá, não me façam acreditar que há criaturas indocíveis.

19.6.09

Sobre a gripe

Façam um referendo

Num texto publicado anteontem, os revisores do Le Monde afirmam que, à semelhança do vírus, também a designação sofreu mutações: «grippe mexicaine, grippe porcine, grippe A (H1N1)». Se a enumeração pretendia ser cronológica, está incorrecta e incompleta, pois a primeira designação foi gripe suína. Só quando, nos finais de Abril, o vice-ministro da Saúde israelita, Yakov Litzman, pediu ao público e aos jornalistas que deixassem de usar a designação de gripe suína, em deferência às sensibilidades judaica e muçulmana em relação ao porco, e propondo em alternativa gripe mexicana, é que esta designação passou a ser usada em todo o mundo, mas somente como alternativa. Entretanto, também a Confederação de Suinicultores Mexicanos reclamou uma alteração à denominação dada à doença (e estes, supõe-se, estão mais preocupados com o negócio do que com os concidadãos, pelo que pouco se importarão que se chame gripe mexicana). Observam os revisores do Le Monde que «dans un titre, grippe porcine peut se révéler plus intéressant que grippe A (H1N1)». Por ordem: gripe suína, gripe mexicana, gripe A (H1N1), gripe A, gripe H1N1. Cinco designações para a mesma doença? Não pensam nos leitores?
«Gripe mexicana é “muito pouco provável” na criança de Chaves» (Jornal de Notícias, 29.04.2009). «Gripe H1N1: Brasil com mais 3 novos casos, sobe para 14 o número de casos confirmados» (Jornal de Notícias, 29.05.2009). «Portugueses em cruzeiro onde há casos de Gripe A “estão bem”» (Jornal de Notícias, 29.05.2009). «Primeiro caso suspeito de gripe suína em criança» (Diário de Notícias, 29.04.2009). «Gripe A H1N1: Vírus em franca expansão no Canadá fez passar fasquia dos 3500 doentes» (Jornal de Notícias, 13.06.2009).
No dia 30 de Abril de 2009, a OMS passou a designar a gripe suína por gripe A.

Verbo «meter». Confusões (II)

Mete pena

      Já aqui abordei mais de uma vez as confusões em relação aos verbos pôr e colocar e, menos frequente, entre estes e o verbo meter. Veja-se este exemplo: «Sai do mato dentro de uma carrinha vermelha de caixa aberta. Apanha o cabelo, mete os óculos escuros, compõe o sutiã e vira-se de novo para a estrada» («Romenas disputam estrada», Sónia Trigueirão, Correio da Manhã, 14.06.2009, p. 7). Ó senhora jornalista (e senhora, não é?, revisora), então meter não é «inserir, pôr dentro, fazer entrar, introduzir»? Podia ter metido os óculos num estojo, isso sim.

18.6.09

«Porta a porta»

E dar em terra

      «Amanhã, os pães que sobrarem serão distribuídos porta a porta pelos elementos da irmandade, juntamente com um litro de vinho de cheiro (feito a partir da casta americana Isabelle)» («Espírito Santo. O Divino sai à rua — e as melhores roupas também», Sandra Silva Costa, Público/P2, 7.06.2009, p. 5). Está certo: porta a porta, porque é locução. Se for substantivo, será porta-a-porta (distribuição porta-a-porta, v. g.). Por coincidência, na Gramática Histórica, de Ismael de Lima Coutinho, que citei no texto «Ou velho lusismo?», leio: «Até hoje a preposição em é empregada com idéia de movimento, em português correto, nos seguintes casos: Saltar em terra, ir de porta em porta, etc.» (p. 339). No dicionário de Rafael Bluteau, lê-se no verbete «porta»: «De porta em porta, i e. de casa em casa v. g. “mendigar de porta em porta”».

Lapsos jornalísticos

É uma bica e um dicionário

A jornalista do Público Sandra Silva Costa cometeu a duvidosa proeza de escrever uma reportagem, «Espírito Santo. O Divino sai à rua — e as melhores roupas também» (P2, 7.06.2009, pp. 4–7), sobre a festa do Espírito Santo nos Açores em que usou seis vezes a palavra «império» sem nunca explicar do que se trata. O leitor, que já é crescidinho, que se desenrasque. Vá lá, façam qualquer coisa, que a senhora jornalista tem mais que fazer. Em três páginas inteiras de texto, não tivemos mais que aproximações: «De um dos lados, atrás da fila de carros de bois, está uma pequena capelinha branca debruada a cor-de-rosa. É um Império do Espírito Santo e foi construído em 1894.» Sim, mas o que são «impérios»? «Nos Açores, explica Rui Costa, o culto ao Divino gira em torno dos impérios — e só na Terceira são mais de 60, aos quais correspondem outras tantas irmandades.» Sim, mas o que são «impérios»? «São oito domingos em que há coroações, sendo que os dois últimos domingos são os do bodo, que se distinguem dos outros porque a irmandade responsável pelo império em causa oferece pão a toda a comunidade.» Sim, mas o que são «impérios»? «Agora que a procissão acabou, o padre da freguesia dirige-se para o império — o feno verdinho espalhado pelo chão dá-lhe um agradável aroma campestre.» Sim, mas o que são «impérios»? «O primeiro império dos Açores data de 1670 e a manutenção, ainda hoje, de tradições como o abate de animais revela que o culto “tem um fundo judaico muito forte”.» Sim, mas o que são «impérios»? «E chegamos ao bolo: “A organização das irmandades é um exemplar valiosíssimo de uma forma de democracia que tem funcionado em pleno”, entende Antonieta Costa, que, entre 2000 e 2003, coordenou a candidatura dos impérios dos Açores a património cultural imaterial da UNESCO.» Sim, mas o que são «impérios»?
O Dicionário Houaiss explica que é o «recinto (coreto, capela ou ermida de madeira ou de pedra) onde se expõe a coroa do Espírito Santo no Domingo de Pentecostes; arraial por ocasião dessas festividades». Fica-se igualmente a saber que, por metonímia, é, nos Açores, o nome que se dá «ao conjunto de festejos em honra do Divino Espírito Santo». Para agravar a culpa da jornalista, o termo é usado no texto nestes dois sentidos.

O elemento «anti-»

Culpa da Lusa?


      Lamento sempre quando algum jornalista se limita a copiar, e bastas vezes mal, a fonte para a notícia que redigiu. Valha este caso: «O sol, as sardinhas e o salmão são algumas fontes de vitamina D, uma substância que ajuda a prevenir doenças como o cancro, as depressões, a demência, a esquizofrenia, o raquitismo e os enfartes, alertou o especialista norte-americano Michael Holik no II Congresso Ibérico de Medicina Anti-Envelhecimento, em Vilamoura» («Sol, salmão e sardinhas ajudam a prevenir cancros», Público, 7.06.2009, p. 14). O jornalista tem obrigação de saber que o elemento anti- se aglutina com o elemento seguinte, excepto quando este tem vida própria e começa por h, i, r ou s, separando-se, neste caso, por hífen. Logo: antienvelhecimento. Sim, é isso mesmo que estou a afirmar: o jornalista deve estar a borrifar-se para o nome «oficial». Por outro lado, o jornalista tinha obrigação de pesquisar o nome do especialista citado. Dá-se o caso de existir um Michael Holik, mas é outro macaco qualquer, não o professor de Medicina, Fisiologia e Biofísica e director do Centro Médico da Universidade de Boston (BMC). E mais: pergunto-me se não será ambíguo afirmar que o especialista é norte-americano, quando é canadiano. (E sim, sei o que registam muitos dicionários: de ou relativo aos naturais de qualquer dos países que constituem a América do Norte [Canadá, Estados Unidos e México].)

As dobragens e os erros

Tomem esta insónia

aqui lembrei um dia o caso da minha condiscípula Amélia, que não era capaz de articular o vocábulo «mesa», saindo-lhe sempre, qual moçoila do Lácio, «mensa». No episódio de ontem de Era uma vez os irmãos Grimm, no canal Panda, que se apresenta como um «canal temático educativo», uma ou duas personagens diziam «condensa» em vez de «condessa». Os actores terão lá as suas deficiências, mas é imperdoável que o director de dobragem não exerça controlo sobre a forma como as palavras, matéria-prima da sua actividade, são pronunciadas. Macacos me mordam se eu, e que Laurence Peter (uma nota de cultura highbrow para servir de pábulo às luminárias que frequentam estas paragens) me valha, não fazia uma dobragem com mais qualidade.

17.6.09

Léxico: «excessividade»

Falta de moderação


      «Aurora Campelo frisa, contudo, “alguma excessividade[”] na forma como Marinho e Pinto se exprime e interroga se a crispação existente nalguns sectores não estará relacionada com “lóbis e interesses beliscados”» («“Permita que lhe diga, senhor bastonário… gosto muito de o ouvir falar”», Paula Torres de Carvalho, Público, 7.06.2009, p. 13). Não são todos os dicionários da língua portuguesa que registam o termo «excessividade». (Alguns, porém, até «excessivismo» registam.) A fiar-me na definição do Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora, que o regista, «qualidade de tudo o que é excessivo», não me parece que tenha sido utilizado com propriedade na frase do Público, mas gostava de ler outras opiniões. As restantes línguas novilatinas não registam nenhum vocábulo equivalente a este «excessividade». Em espanhol e em galego, apenas exceso; em catalão e em romeno, excés; em francês, excès; em italiano, eccesso. E «excesso», substantivo formado a partir do supino (forma nominal dos verbos latinos, em –um e em –u, que não passou para o português, de cujo radical se obtém o particípio passado e que, usada como nome, designa o resultado da acção, a finalidade: Hostes venerunt deletum oppidum [Os inimigos vieram para destruir a cidade]; Res facilis dictu [Coisa fácil de se dizer]) latino excessum, parece-me chegar para os gastos.

16.6.09

«Chegar em»: brasileirismo

Ou velho lusismo?


      Há um texto, «Quem mexeu no meu texto?!», do escritor Gabriel Perissé sobre o trabalho do revisor que se encontra publicado em vários sítios da Internet e que agora me enviaram. Em lado nenhum, e não me poupei a esforços, se lê que o autor é ou foi revisor, pelo que é mais um texto literário do que um testemunho.
      «Tal como o goleiro no futebol, o revisor, na editora, é aquele que evita o pior (o gol adversário, o erro de digitação, a escorregada gramatical, a incoerência que ninguém percebeu, etc.).
      No entanto, é também o revisor quem mais sofre com as derrotas de um texto. Ele é o último homem (ou a última mulher) a ler o livro antes da fase de impressão gráfica, quando não há retorno...
      Monteiro Lobato dizia que a tarefa do revisor era das mais ingratas. Que o erro ou a falha se escondiam durante o processo de confecção do livro para, depois de tudo pronto, aparecer na primeira página aberta, como um saci danado, pulando, debochando do revisor.
      O revisor é um caçador de distracções. Uma de suas maiores alegrias (em que há uma pitada de vaidade) é encontrar deslizes do autor, perceber as gralhas que ninguém viu antes, corrigir detalhes que iam passar despercebidos.
      O revisor revisa com amor.
      O revisor sai de manhã, caneta em punho, em busca de verbos mal conjugados e vírgulas fugitivas.
      O revisor revisa com dor.
      O revisor chega em casa, à noite, com o coração cheio de parágrafos amputados e tópicos frasais remendados.
      O revisor revisa com ardor.
      O revisor enfrenta moinhos de vento que de fato moem o vento de palavras que o vento não leva.
Madrugadas insones, manhãs e tardes quentes, noites chuvosas, o revisor vai pulando as linhas e entrelinhas do texto em busca das ciladas armadas sabe Deus por quem.
      O revisor entrega o seu trabalho bem suado e abençoado. Recebe as moedas de prata que são, na verdade, moedas de ouro. Recolhe seus instrumentos de caça, enxuga o rosto, sorri. Sabendo que o autor poderá reclamar de suas intervenções, que poderá referir-se ao revisor, gritando: quem mexeu no meu texto?!
      O mérito da frase perfeita é do autor.
      O crime do erro cometido será do revisor.
      O revisor, porém, não se considera um injustiçado. O revisor vitimista abandonou a profissão no primeiro dia. O verdadeiro revisor, como o goleiro no futebol, sabe que nasceu para ficar ali, na pior posição de todas, para agarrar centenas de bolas difíceis e, talvez, deixar passar a mais fácil de todas.
Oços do ofíssio.»
      Há quase consenso, pelo menos em autores contemporâneos, sobre aquela construção do verbo chegar com a preposição em ser um brasileirismo. Quase. Tenho à minha frente a 6.ª edição da Gramática Histórica de Ismael de Lima Coutinho, datada de 1969. Nela, o autor, muito conceituado, afirma que já no latim a preposição in se usava com verbos de movimento: Vado in portum. Lembra também o autor que no francês se usa a mesma preposição em determinados casos: Je vais en ville. E, por fim, que a prática dos Brasileiros encontra justificação na antiga linguagem portuguesa, citando, entre outros autores, Camões, que n’Os Lusíadas escreveu: «Nalgum porto seguro, de verdade,/Conduzir-nos já agora determina…» (II, 32). Reputa assim de falso brasileirismo esta construção, provando que não passa de um velho lusismo. Contudo, passadas várias décadas, a construção tornou-se de facto um brasileirismo.

Como se escreve nos jornais

Incoerências públicas

«Robert Mugabe era em 1970 um preso político do regime rodesiano branco de Ian Smith e tinha a mulher, Sally Francesca Hayfron, exilada em Londres, de onde as autoridades pensaram expulsá-la, por o seu visto de entrada no Reino Unido ter expirado. E agora documentos divulgados pelo Governo britânico falam dos diversos passos que ele deu, a partir da cadeia em Salisbúria (actual Harare), para tentar reverter a decisão de Downing Street» («O amor a Sally Hayfron teria gerado em Mugabe o ódio pelos britânicos», Jorge Heitor, Público, 7.4.2008, p. 16). «Na madrilena calle Génova, na sede nacional do PP, os assessores de comunicação travam a euforia» («Só 26 por cento dos espanhóis conhecem os cabeças de lista», Nuno Ribeiro, Público, 7.06.2009, p. 9). Já sei que sabem — mas eles não sabem.

Ortografia: «pai-nosso»

Oração dominical

      Como já vi este erro inúmeras vezes, alerto os meus leitores: «No Pai Nosso, também rezamos: assim na terra como no céu» («Trindade: mística de olhos abertos e mística de olhos fechados», frei Bento Domingues, Público, 7.06.2009, p. 38). Na frase, deverá escrever-se «pai-nosso», pois é substantivo composto por justaposição. Assim, devemos escrever: «Logo de seguida, rezou um pai-nosso cheio de unção e submissão: “Pai Nosso que estais no céu,/santificado seja o vosso nome,/vem a nós o vosso reino,/seja feita a vossa vontade/assim na terra como no céu.”»

Actualização em 18.04.2010


      E não é só, infelizmente, nos jornais: «Seguiram-se mais algumas orações, um salmo, o Pai Nosso e uma longa prece em que os tons descendentes da despedida se congregavam em torno de uma conclusão melancólica» (Expiação, Ian McEwan. Tradução de Maria do Carmo Figueira e revisão de Ana Isabel Silveira. Lisboa: Gradiva, 5.ª ed., 2008, p. 368).

Provedor do «Público» e estrangeirismos

Bom critério



      Na sua crónica de 7 do corrente, escrevia o provedor do leitor do jornal Público: «Encontrando-se o provedor (não nestas funções) a dialogar, meses atrás, com o músico espanhol Paco Ibañez para lhe preparar uma entrevista, foi em certo ponto surpreendido pelo interlocutor com uma sucessão de impropérios no mais puro vernáculo castelhano, proferidos em estado de grande agitação. Demorou alguns segundos até o provedor perceber que tão explosiva reacção se devera ao facto de ter usado a sigla inglesa “OK”. O cantor de protesto protestava contra esta “submissão” linguística ao “imperialismo americano”, em termos tão vivos que chegou a ameaçar não conceder a entrevista. Não havia equivalente em português? Sim, o “está bem” (mas quem é que hoje entre nós diz “está bem” quando tem à mão o mais sintético e eficaz “OK”?)» («Que língua fala o Público?», Joaquim Vieira, Público, 7.06.2009, p. 39).
      Bem, eu nunca digo «OK», mas talvez porque, ao contrário de Joaquim Vieira, não tenho o inglês como segunda língua. Também lhe posso dizer que «OK» não é uma sigla. Continua o provedor: «É inevitável que muitos estrangeirismos venham a ser adoptados pela língua portuguesa, quando a sua utilização estiver mais ou menos massificada, e que os media incorporem logicamente pelo menos alguns deles na sua linguagem antes de os filólogos os acrescentarem aos dicionários. Por isso, não fará sentido, como propõe o leitor Odílio Lopes, vasculhar o vocabulário tradicional para dizer “roupa íntima” em vez de “lingerie”, “fígado gordo” em vez de “foie-gras” ou até mesmo “passagem de ano” em vez de “réveillon” (ou ainda, como impunha Paco Ibañez, “está bem” em vez de “OK”), tudo expressões a caírem em desuso no português.» Não apenas não me parece que os filólogos sejam os especialistas mais indicados, como em relação a «passagem de ano» e «réveillon» não é isso que vejo, antes diria o contrário. E mais: habitualmente, o termo francês é incorrectamente grafado sem acento.
      Um critério do provedor, sobretudo se for verdadeiro e seguido, me agrada: «No seu caso, o provedor, ao redigir um texto, costuma pensar: “Será que os meus pais vão perceber o que escrevi?” (para esta crónica, se não desistirem a meio, vão seguramente necessitar de recorrer com muita intensidade aos dicionários). Tudo o que pode pois recomendar aos jornalistas do PÚBLICO é que tenham idêntica atitude.»

Sobre «redingote»

Imagem: http://www.theaussiecoat.com.au/

Redingotes e contradanças



      O vocábulo trincheira também me deixou a reflectir em como são ínvios os caminhos do aportuguesamento dos estrangeirismos. Se neste caso se traduziu simplesmente o primeiro elemento da locução, trench coat, já em riding-coat aglutinaram-se os dois elementos, redingote, fazendo perder ao leitor a noção de que se trata originalmente de um composto. Como acontece também no vocábulo contradança, no qual é quase impossível descortinar o étimo country-dance.

«Guarda-prisional»? (II)

Tens aqui o prémio

Podia pensar-se que o universo dos meus leitores seria bem particular, todo circunspecção e saber ponderado, por particular ser o objecto dele. Contudo, se tenho leitores que já me enviaram livros de três continentes, fazem comentários pertinentes e suprem as deficiências dos meus textos, tenho outros que vêm aqui reiteradamente cuspir na sopa. Também tenho, é claro, todos devemos ter, maluquinhos que deixam os seus dejectos mentais. Como tenho os que se querem armar em minhas némesis, mas não têm estaleca nem persistência na maldade. Um da laia sopista/chupista, sempre acobertada pelo anonimato cobarde e irresponsável, deixou aqui ao texto «Divagações» o comentário: «Boa dissertação, excelente mesmo! Mas deve haver comprimidos para isso!» Mas já em 1919, na sua Gramática Histórica Portuguesa José Joaquim Nunes (1859–1932) escrevia: «A palavra guarda, que se juxtapõe a vários nomes, é umas vezes substantivo, outras verbo, e como tal toma ou não o sinal de plural; pertence à primeira categoria, quando a palavra que se lhe segue é adjectivo, considera-se como fazendo parte da segunda, se precede um substantivo; estão no 1.º caso estes nomes: guarda-nobre, guarda-real, guarda-municipal, guarda-campestre, guarda-florestal, guarda-nacional etc.» (p. 232). No etc. resolvem-se muitas incoerências ortográficas, tal como esta de não se escrever com hífen guarda prisional.

Pontuação

Os intocáveis

«Tudo o que podia fazer era, ou cancelar a viagem, ou aguardar que os deuses lhe fossem finalmente propícios» (Morte no Retrovisor, Vasco Graça Moura. Revisão de Manuela Ramos. Lisboa: Círculo de Leitores, 2009, p. 163). De quem são aquelas vírgulas, do autor ou da revisora? É que não estão correctas. É mau que sejam do autor, pior se a revisora as deixou passar e péssimo se esta as acrescentou. Embora, e sem ofensa, pelo conhecimento que tenho do trabalho de muitos revisores quando se trata de texto de autor português, me incline a pensar que a habitual subserviência daqueles se sobrepõe ao sentido crítico.

15.6.09

Ferramentas (III)


Ferramentas de carpinteiro



      Pela terceira semana, cá estamos com mais uma imagem de ferramentas de carpinteiro: plaina, rebote, garlopa, guilherme, cepo de rasto curvo. Na página da direita, temos ferramentas de aço: garlopa, plaina, guilherme, ferros de topos, corteché ou corta-chefe (e não «cortché»), ferro de cantos, plaina de rasto curvo, evasiadora (?), serrote e grampo. Vamos à definição dos mais desconhecidos. Rebote ou rabote: plaina grande de carpinteiro, semelhante à garlopa, mas mais curta e sem punho, com caixa ou cepo paralelepipédico, de arestas vivas e rasto desempenado. Garlopa: plaina grande (jack plane ou jointer plane, em inglês). Nas ferramentas de caixa, como a garlopa e o rebote, geralmente o ferro é duplo ou de capa. Se o rasto da garlopa (que não se vê na da imagem) é guarnecido por uma chapa de latão, toma o nome de garlopa calçada. Guilherme: utensílio de carpinteiro semelhante a uma pequena plaina, com cepo de pouca espessura, para fazer os filetes das junturas das tábuas (grooving plane, em inglês). Corteché: espécie de plaina com duas pegas laterais recurvadas e arredondadas com um orifício em cada extremidade, também chamada raspadeira-plaina (e draw knife em inglês). Pode ter diferentes ferros: rectos, côncavos, convexos, estriados, etc. O vocábulo evasiadora nunca antes o tinha visto, mas há-de ter algo que ver com o francês évaser, «dilatar; alargar; abrir».


14.6.09

Uso do hífen

Critério?

«Para inverter o declínio das populações do abutre-do-egipto estão a ser tomadas diversas medidas» («Um voo cada vez mais raro no céu de Portugal», Mariana Correia de Barros, Diário de Notícias, 31.05.2009, p. 63). «Os tratadores de felinos escondem diariamente entre seis a sete quilos de carne nas árvores do recinto onde estão dois tigres da Sumatra, desafiando-os a procurar o seu alimento. A ideia é dificultar o acesso dos animais ao alimento, para que mantenham o exercício físico» («Dois mil animais de 360 espécies no Zoo de Lisboa», Diário de Notícias, 31.05.2009, p. 63). Na mesma página, a incongruência faz impressão. Não há no Diário de Notícias quem lance um olhar competente para todo o jornal e detecte esta falta de critério.

13.6.09

Uma acepção de «ascendência»

Com propriedade, mas…

«No séc. XVIII, Portugal assistiu simultaneamente à ascendência máxima do clã mas também à sua queda mais violenta. […] Caso raro de constante ascendência social e económica, a família Távora teve uma política de casamentos restritiva à alta nobreza» («O drama dos Távoras», Rita Roby Gançalves, Diário de Notícias, 31.05.2009, p. 61). Num texto em que se fala de linhagens, não é muito prudente usar o vocábulo «ascendência» — que também significa, é verdade, «acto de ascender, de se elevar» — nesta acepção. Seria melhor ter-se usado o sinónimo «ascensão».

12.6.09

Erros jornalísticos

Arre, que é de mais!

      «Tendo em conta que as peças de mobiliário do castelo já haviam sido vendidas em leilão (no total foram arrebatados por um valor de dez milhões de euros), o príncipe Walid tornou-se “apenas” dono de uma propriedade com 1500 m2» («Castelo dos Bruni vendido a saudita», Diário de Notícias, 31.05.2009, p. 33). O jornalista sabia que era arre-qualquer-coisa. Arreatados? Arrebanhados? Arrebentados? Arredados? Arrefanhados? Arreganhados? Não, não. Arrebatados, é isso. Mas arrebatado é levado pelos ares, transportado em êxtase; extorquido, tirado; roubado. Mas num leilão… Nos leilões, os bens licitados são arrecadados ou arrematados. Pobre Diário de Notícias, pobres leitores…

Uso do itálico

Gostava de perceber

      «E com a Guardia Civil todo o cuidado era pouco» (Morte no Retrovisor, Vasco Graça Moura. Revisão de Manuela Ramos. Lisboa: Círculo de Leitores, 2009, p. 10). «E ela teve a certeza do seu estado quinze dias mais tarde, exactamente na altura em que o patrão estava prestes a receber a visita do snr. Graf, importador de Hamburgo, que tinha grandes negócios de abastecimento da Wehrmacht com as conservas de peixe portuguesas» (idem, ibidem, p. 246). De revisor para revisor: se Wehrmacht não está em itálico, porque é que Guardia Civil está? Já por aqui passou uma questão em tudo, excepto nos exemplos, igual.

O substantivo «ex»

Que fue y ha dejado de serlo


      «Não faltam nas livrarias exemplos de vinganças pessoais, apoiadas em “revelações” especulativas e assinadas por antigos mordomos, amantes traídas ou amigos desavindos, ávidos de um ajuste de conta que humilhe o ‘ex-’ na praça pública» («O lado negro do senhor cem milhões», José Mário Silva, Actual, 23.05.2009, p. 40).
      Caro José Mário: liberte o pobre ex das aspas e do hífen, coitado, não vê que ele é pequeno mas não precisa desses amparos? Costuma dizer-se, eu próprio já o disse, que a realidade vai muito à frente dos lexicógrafos. O que nunca se diz é que eles são aflitivamente conservadores, e por isso lentos a reagir. Há quanto tempo é que o prefixo «ex» passou a ser também, e de pleno direito, um substantivo? Também para os Brasileiros ex é, nesta acepção de ex-marido/namorado/companheiro, um substantivo. Como para os Espanhóis, já com acolhimento no Diccionario de la Real Academia Española (DRAE): «Persona que ha dejado de ser cónyuge o pareja sentimental de otra.» O que afirmei em relação a «ex» aplica-se, mutatis mutandis, a «vice», com a diferença de que este elemento se autonomizou há menos tempo.
      A consulta ao DRAE deixou-me a cismar. Não há dúvida de que, etimologicamente, «ex» provém da preposição latina ex. Em espanhol, contudo, «ex» não é, como em português, «prefixo que exprime a ideia de separação, extracção, afastamento e significa aquilo que alguém foi mas já não é, quando seguido de nome que indique estado ou profissão e esteja a ele ligado por hífen (ex-marido, ex-ministro)» (na formulação do Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora), mas adjectivo. «Que fue y ha dejado de serlo. Ex ministro, ex marido.» (Já tinha pensado nisto, Fernando?) Somente quando exprime as ideias de «fora, mais afastado» ou a indicar privação (ou quando não acrescenta nenhum significado especial, como em «exclamar» ou «exornar», por exemplo) é que é prefixo.

Actualização em 25.07.2009

      Ainda não há novidades: «O número de vinganças conjugais tem crescido de tal forma que já é possível traçar preferências de actuação consoante o género: as mulheres ateiam fogo aos carros dos ‘ex’, “que é onde dói mais aos homens” e “os homens incendeiam as casas com que elas ficaram após as partilhas do divórcio ou onde vivem com o namorado”, diz a PJ» («PJ deteve 17 suspeitos de incêndios urbanos», Raquel Moleiro, Expresso, 25.07.2009, p. 15). Mas, na mesma edição deste jornal, lê-se: «Autarca de Caminha expulsou o seu ex-vice de reunião» («Só volta quem gosta da presidente», Ricardo Jorge Pinto, Expresso, 25.07.2009, p. 17).

11.6.09

«Web» ou «web»?

Imagem: http://www.hebertphp.net/

Digam lá, excelências




      «A web e o passa-palavra, os vírus e os outsourcings, a long tail e outros factores relacionados com os social media significam que toda a gente (todas as pessoas, todos nós, os seis mil milhões) têm mais poder do que nunca» (Tribos, Seth Godin. Tradução de Rosário Nunes. Lisboa: Lua de Papel, 2008, p. 38). «A Web põe as pessoas em contacto» (idem, ibidem, p. 96). É, mais uma infausta vez, a incongruência que espanta. Como sabem, uso e recomendo Internet e Multibanco, e, agora que se fala neste vocábulo, Web. A propósito, estou mortinho por ouvir o que se vai dizer na próxima emissão do programa Páginas de Português. Segundo se lê no Ciberdúvidas, uma das questões é sobre se «será possível arranjarmos palavras portuguesas para designar “twitter” e “facebook”». Já agora, porque não substituir também Google, Internet e outras que tais? Com tantos problemas que a língua apresenta, dão prioridade a estas magnas questões…

«Dezenas de milhares»

Ai esta cabeça

      «Encontrei milhares (talvez dezenas de milhar) de pessoas com grandes ideias» (Tribos, Seth Godin. Tradução de Rosário Nunes. Lisboa: Lua de Papel, 2008, p. 42). «Poucas horas depois de um produto ser anunciado, a notícia chegava a milhões e até a dezenas de milhares de utilizadores — tudo via digital, tudo online» (idem, ibidem, p. 51). Mais um caso de incongruência, mas que serve para referir o erro de concordância.
      Em 2003, era Estrela Serrano provedora do leitor no Diário de Notícias (cargo que desempenhou entre 2001 e 2004), uma leitora abordou esta questão, afirmando: «Leio somente as notícias que me interessam — e muitas vezes na diagonal. E mesmo assim, encontrei três erros: “centenas de milhares” — quando deveria estar “centenas de milhar”; “Á margem da exposição” — quando deveria estar “À margem da exposição”; “a maioria das pessoas que fuma se encontram” — quando deveria estar “a maioria das pessoas que fuma se encontra”.» Concluiu então a provedora: «Vejamos: a leitora tem razão, não apenas na identificação e correcção dos três erros que aponta mas, também, na referência que faz à responsabilidade dos meios de comunicação social na difusão da língua portuguesa.» Claro que a leitora não tinha razão. Não tinha, pelo menos, razão em relação a todas as questões, e a provedora deveria ter tido mais cuidado. Já aqui aflorei a questão das «dezenas de milhares».

Plural das siglas (II)

Qual guru! Um simples revisor


      «É simples: agora há tribos por todo o lado; dentro e fora de organizações, no sector público e no privado, nas ONG, nas salas de aula, por todo o planeta» (Tribos, Seth Godin. Tradução de Rosário Nunes. Lisboa: Lua de Papel, 2008, p. 13). «Quanto mais perto estivermos de ser reis/CEOs, maior a influência e o poder que temos» (idem, ibidem, p. 19). Já aqui o escrevi a propósito da mesma questão: pior do que ter um critério errado, só não ter nenhum critério. A propósito da agora omnipresente sigla CEO, ver aqui.

«Corrector» e «corretor» (II)

É do que eles precisam

«Imaginem só se tivessem de trabalhar na AOL ou na Sears, ou se tivessem de ser correctores de hipotecas» (Tribos, Seth Godin. Tradução de Rosário Nunes. Lisboa: Lua de Papel, 2008, p. 15). Como já aqui escrevi a propósito do mesmo erro, nunca é inútil voltar a falar das coisas (ainda que alguns, vejo-os daqui, tenham o narizinho empinado e achem que é questão de lana-caprina). Claro que o livro não ter tido revisão (pelo menos não aparecem os créditos na ficha técnica) explica muita coisa. No caso, até os jornais acertam: «Os corretores de hipotecas emergiram como o grupo mais vulnerável no negócio de empréstimos à habitação, à medida que os incumprimentos continuam a manchar a indústria» («Revista de imprensa: destaques do “Wall Street Journal”», Público, 5.07.2007).